Se Nosso Senhor edificou uma só Igreja, como se explica a existência, atualmente, de tantas igrejas, com variadas denominações? Está certo o ditado popular que diz que todo caminho vai a Deus? (Arcy Lopes Estrella – São Gonçalo/RJ.)
É verdade que Jesus Cristo fundou uma única Igreja, que São Paulo compara a um corpo: o corpo de Cristo, que é um só, embora tenha muitos e diferentes membros, que exercem diferentes funções. O que importa é que, mesmo exercendo funções diferentes, todos os membros trabalhem em harmonia e se mantenham unidos num único corpo, sob o comando de uma só Cabeça, que é Cristo.
Acontece que Cristo, a Cabeça invisível, quis fazer-se representar na terra por uma cabeça visível, conforme atestam diversas passagens do Evangelho, especialmente Mt 16,13-19, que estabelece o primado de Pedro. Essa “cabeça visível” se faz presente, hoje, na pessoa do Papa, que é quem mantém a unidade da Igreja.
Houve, porém, na história do cristianismo, alguns momentos em que a procedência divina da autoridade do Papa foi contestada, dando origem às duas principais divisões dentro da Igreja: primeiro o cisma do Oriente, consumado em 1054, e depois a Reforma Protestante, consumada em 1521. No primeiro caso, os motivos foram principalmente políticos, sendo a ruptura causada por uma “disputa de poder” entre a divisão ocidental e a oriental do Império Romano, e portanto também entre as respectivas lideranças eclesiais, que, na época, estavam intimamente ligadas ao poder político. A rivalidade política é que motivou a divergência doutrinária, por si só insignificante, e que poderia ter sido facilmente resolvida com boa vontade e diálogo, mas em vez disso foi usada como pretexto para a ruptura. Tratava-se de um conceito teológico a respeito da natureza exata da relação existente entre as três pessoas da Trindade. Hoje, o que dificulta o restabelecimento da unidade entre o Oriente e o Ocidente são principalmente as diferenças culturais, bastante acentuadas. Mas existem, também no oriente, algumas comunidades fiéis a Roma, embora conservem os ritos litúrgicos orientais.
No caso da Reforma Protestante, o monge agostiniano Martinho Lutero foi quem deu início à rebeldia contra a autoridade do Papa, por causa da atitude de alguns membros da Igreja, que não lhe pareciam conformes à sã doutrina. Julgando, erradamente, que tais atitudes estavam necessariamente ligadas à autoridade central da Igreja, ele acreditou ser necessário romper com essa autoridade, para poder recuperar a integridade da fé apostólica original. Também aqui a rebeldia foi favorecida pelo pano de fundo político e cultural, havendo igualmente razões pessoais, por trás dos motivos religiosos que, oficialmente, foram a causa da ruptura.
Para os reformadores (que logo se multiplicaram, encorajados pela iniciativa de Lutero), a ruptura era a única solução possível para salvar a Igreja. Eles não tinham inicialmente a intenção de fundar outras igrejas, mas sim de reformar (restaurar) a Igreja de Cristo. Continuaram entendendo que a Igreja é uma só e que sua Cabeça é Cristo, mas passaram a negar que Cristo tenha desejado fazer-se representar, na terra, por uma autoridade visível. Eles pretendem seguir diretamente o comando de Cristo, sem nenhum intermediário humano, e para isso tomam por base o conteúdo das Escrituras Sagradas, que, para eles, são a única fonte autorizada da Palavra e da vontade de Deus. Todos aqueles que buscam seguir Jesus Cristo a partir das Escrituras, constituem, para eles, “a única Igreja”. As diversas tendências e denominações não lhes importam muito, já que, em seu modo de ver, o fator de unidade está no fato, comum a todos, de ter Cristo como cabeça e a Bíblia como guia.
Só que eles se esquecem de levar em consideração as contradições que decorrem dessa posição. Por exemplo, se a cabeça continua sendo uma só e a Palavra de Deus também, o corpo deveria continuar trabalhando em harmonia e mantendo a unidade de doutrina. Mas não é isso o que acontece. A Palavra é a mesma, mas cada um deles interpreta essa palavra de maneira diferente, segundo seus critérios e preferências pessoais, freqüentemente contraditórios. E, em nome dessa “liberdade”, alguns dedicam especial empenho em forjar mil interpretações diferentes para todas as passagens bíblicas que fundamentam a doutrina católica, negando tudo o que a Bíblia diz sobre a Eucaristia, sobre a Confissão, sobre o Primado de Pedro, etc. Por um lado pregam a liberdade de interpretação, mas por outro lado recusam-se a aceitar como válida a interpretação da Igreja Católica... assim como se recusam a considerar a Igreja Católica como um membro legítimo do corpo de Cristo. Para a maioria deles, todos os outros grupos têm direito ao seu lugar nesse Corpo, com exceção da nossa Igreja. Somos renegados pelo “crime” de continuar fiéis à nossa identidade e conscientes de ser a única Igreja fundada por Cristo.
Se tantas divergências doutrinárias acontecem, sem que ninguém tenha o direito de apontar o caminho certo em meio às múltiplas tendências, é porque já não se obedece ao comando de uma única Cabeça. Em vez disso, todos querem ser cabeça, cada um quer uma igreja ao seu modo. Isso é um sintoma claro da inconveniência de semelhante posição, pois o corpo daí resultante torna-se um corpo monstruoso, feito só de cabeças, onde já não há comando, e portanto não há harmonia, nem unidade. Tal situação está claramente em desacordo com o desejo de unidade expresso por Cristo e tantas vezes enfatizado pelos apóstolos, e, portanto, contradiz a própria Bíblia à qual eles dizem dar valor absoluto.
A Igreja Católica foi a única que manteve, ao longo de toda a sua história, a unidade de doutrina. É claro que houve e continua havendo divergências, desvios e mal-entendidos, mas é justamente aí que se revela a importância de uma autoridade central, que separe o joio do trigo e o essencial do acidental, estabelecendo a orientação oficial da Igreja. Em sua doutrina oficial, a Igreja Católica nunca compactuou com o erro e foi sempre plenamente fiel aos ensinamentos de Cristo. O erro dos reformadores foi confundir alguns membros doentes com a própria cabeça, e querer curar o corpo desligando-se da cabeça. Eles se esqueceram de que a Igreja, sendo uma instituição divina, constitui uma realidade maior do que o conjunto das atitudes individuais dos seus membros. As pessoas da Igreja são falíveis, mas a Igreja em si é infalível, porque sustentada pelo Espírito Santo. As pessoas da Igreja são pecadoras, mas a Igreja é santa, porque Cristo a santificou com seu sacrifício perpétuo, do qual a Igreja Católica continua sendo a fiel portadora, em obediência ao próprio Cristo (Lc 22,19c). Duvidar da santidade e da autoridade da Igreja é duvidar do poder e da promessa de Cristo...
Esquecendo esse caráter único da Igreja fundada sobre Pedro, os reformadores acreditam que qualquer pessoa pode ser “igreja”, mesmo sem estar ligada à cabeça visível instituída por Cristo. Ao mesmo tempo em que negam a autoridade do Papa para definir a vontade de Deus, reivindicam igual autoridade para discernir por si próprios essa mesma vontade. Contestam como inválida a autoridade suprema de nossa Igreja, e no entanto cada um deles se considera investido da mesma autoridade, o que é contraditório.
Se cada um só tem autoridade sobre si próprio, então já não há corpo, não há unidade, não há função para a Cabeça. Não há um corpo orgânico e harmônico, onde cada membro tem sua função mas todos se completam, e sim apenas “cabeças” dispersas, ligadas entre si como uma colcha de retalhos. E acontece que Jesus não prometeu o Espírito Santo apenas a cada pessoa individualmente (como defendem os reformados), mas também à Igreja, enquanto instituição (Mt 16,18). Em âmbito pessoal, a iluminação do Espírito é particular e individual. Mas, no âmbito eclesial (que também foi previsto por Cristo), a assistência do Espírito se dirige à comunidade como um todo, visando garantir sua unidade, organicidade e fidelidade ao Evangelho. Essa foi a função de governo, de pastoreio, atribuída a Pedro e seus sucessores, e que não anula a orientação individual, mas a completa e dirige. Sem uma “cabeça” no comando, não há verdadeira comunidade, não há Igreja.
Uma igreja sem cabeça visível é uma igreja sem identidade... e por isso as igrejas da
Reforma se subdividem tão facilmente. Essa “crise de identidade” é visível principalmente nos grupos mais recentes, que mostram grande dificuldade na hora de apresentar-se, de dizer quem são. Dificilmente um evangélico revela o nome da igreja a que pertence, ao menos quando se dirige aos católicos, talvez por não possuir um significativo senso de pertença. Parece ser indiferente, para eles, freqüentar este ou aquele grupo, dentro da “malha” protestante ou evangélica. Mas não deixam de reclamar quando fazemos confusão entre os diversos grupos...
O que explica a existência de tantas igrejas, portanto, é o orgulho humano, a pretensão de possuir a verdade fora da obediência e da submissão, da qual o próprio Jesus quis dar o exemplo, submetendo-se à vontade do Pai. Sem a submissão humilde à autoridade instituída por Cristo, ninguém chega à verdade, porque “os caminhos de Deus não são os nossos caminhos”. Os caminhos de Deus passam necessariamente pela obediência, mesmo contrariando a razão e a lógica, como se pode verificar na vida de todos os grandes santos. É a Deus que compete abrir os caminhos, não a nós. E ele o faz, quase sempre, contrariando nossos planos e convicções pessoais, por mais bem intencionados e corretos que estes possam ser.
Foi aqui que Lutero errou... não tanto em seus princípios, mas sim ao recusar submeter-se, porque, com isso, cometeu o pecado de julgar-se mais sábio do que a Igreja, e, portanto, mais sábio do que o Espírito Santo. Em vez de oferecer simplesmente a contribuição que lhe cabia enquanto membro do corpo, quis impor a sua opinião. Os problemas ou erros por ele detectados, como os de todos os tempos, acabaram por ser resolvidos do jeito e na hora de Deus, sem precisar para isso destruir a harmonia do corpo. A Igreja Católica continua firme, e talvez seja isso que os reformadores não conseguem aceitar... Lutero, e os que vieram depois dele, foram como marinheiros que, vendo o seu barco avariado, ao invés de unir esforços para consertá-lo, preferem abandoná-lo para salvar suas vidas, levando o que consideram mais importante da carga, acreditando que o barco irá naufragar e que caberá a eles dar continuidade à missão. Só que o barco não naufragou, o que não deixa de tornar meio sem sentido a sua “missão paralela”... Talvez seja por isso que, hoje, muitos tentam afundar o barco da Igreja, já que, por orgulho, não admitem voltar para bordo dele. O barco continuará sempre “avariado”, é verdade, porque Deus faz questão de deixar em evidência a fragilidade humana, para mostrar que a obra e o mérito são dele, não nossos. Mas, por isso mesmo, esse barco nunca irá afundar, e tolos são aqueles que apenas olham as “avarias”, em vez de admirar e agradecer a misericórdia de Deus que sustenta e conduz o barco que ele mesmo escolheu e enviou.
Quanto aos “caminhos que levam a Deus”: Cristo se declarou, ele mesmo, “o Caminho, a Verdade e a Vida”, e disse que “ninguém chega ao Pai, senão por ele”. Não há caminho para Deus fora de Cristo.
Não nos cabe, porém, julgar quem é que está com Cristo e quem não está. Se Deus nos coloca na Igreja, temos a responsabilidade de buscar Cristo nela, e de difundir essa boa-nova que a nós foi confiada. Mas Deus não pedirá contas a ninguém daquilo que não lhe foi confiado. Ele olha os corações, a sinceridade das intenções, a prática das virtudes do amor, do perdão, da humildade e da simplicidade. Quem tiver o coração puro e bom, e buscar a verdade com sinceridade, sem preconceitos e sem orgulho, estará com Cristo, onde quer que esteja. Cabe-nos viver e dar testemunho daquilo em que acreditamos, além de examinar-nos sempre quanto aos caminhos que buscamos: se procuramos, de preferência, as alternativas mais fáceis para justificar nosso comodismo, ou se abandonamos o caminho quando ele contraria nossos gostos pessoais, então não estamos no caminho de Cristo, pois este passa pela cruz e pela obediência.
Vigiemos a nós mesmos, e ofereçamos aos irmãos a ajuda que nos for possível, mas evitemos sempre julgar. O julgamento pertence a Deus, e o caminho de Cristo passa também pelo perdão e pela misericórdia.
Margarida Hulshof
livro "A Noiva do Cordeiro" Editora O Lutador
livro "A Noiva do Cordeiro" Editora O Lutador
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