De Francisco Fernández Carvajal
I. CHEGADA A PLENITUDE DOS TEMPOS, Deus enviou o seu Filho ao mundo, nascido de uma mulher1.
Como culminância do seu amor por nós, Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigênito, que se fez homem para nos salvar e nos dar a incomparável dignidade de filhos. Com a sua vinda, podemos afirmar que chegou a plenitude dos tempos.
São Paulo diz literalmente que Jesus nasceu de uma mulher2. Não apareceu na terra como uma visão fulgurante: fez-se realmente homem, como nós, assumindo a natureza humana nas entranhas puríssimas da Virgem Maria. A festa de hoje é propriamente não só de Jesus como de sua Mãe. Por isso, “em primeiro lugar – diz frei Luís de Granada –, é preciso pôr os olhos na pureza e santidade desta Senhora que Deus escolheu ab aeterno para tomar carne dela.
“Porque assim como, quando decidiu criar o primeiro homem, lhe preparou primeiro a casa que deveria habitar, que foi o Paraíso terreal, assim, quando quis enviar ao mundo o segundo, que foi Cristo, primeiro preparou-lhe o lugar em que hospedar-se: que foi o corpo e a alma da Sacratíssima Virgem”3. Deus preparou a morada do seu Filho, Santa Maria, com a maior dignidade criada, com todos os dons possíveis e cumulando-a de graça.
Nesta Solenidade, Jesus aparece mais unido do que nunca a Maria. Quando Nossa Senhora deu o seu consentimento, “o Verbo Divino assumiu a natureza humana: a alma racional e o corpo formado no seio puríssimo de Maria. A natureza divina e a natureza humana uniram-se numa única pessoa: Jesus Cristo, verdadeiro Deus e, desde então, verdadeiro homem; Unigênito eterno do Pai e, a partir daquele momento, como Homem, filho verdadeiro de Maria. Por isso Nossa Senhora é Mãe do Verbo encarnado, da segunda Pessoa da Santíssima Trindade que uniu a si para sempre – sem confusão – a natureza humana. Podemos dizer bem alto à Virgem Santa, como o melhor dos louvores, estas palavras que expressam a sua mais alta dignidade: Mãe de Deus”4. Quantas vezes não teremos repetido: Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós...!
II. E O VERBO SE FEZ CARNE e habitou entre nós...5
Ao longo dos séculos, houve santos e teólogos que, para compreenderem melhor o mistério, refletiram sobre as razões que poderiam ter levado Deus a tomar uma decisão tão extraordinária.
De maneira nenhuma era necessário que o Filho de Deus se fizesse homem, nem sequer para redimi-lo, pois Deus – como afirma São Tomás de Aquino – “podia restaurar a natureza humana de muitas maneiras”6. A Encarnação é a manifestação suprema do amor divino pelo homem, e só a imensidão desse amor a pode explicar. Tanto amou Deus o mundo que lhe enviou o seu Filho Unigênito...7, o objeto único do seu Amor. Com esse aniquilamento, Deus tornou mais fácil o diálogo do homem com Ele. Mais ainda: toda a história da salvação é a história da busca deste encontro por parte de Deus, até que culmina na Encarnação. O Emmanuel, o Deus conosco, tem, pois a sua máxima expressão no acontecimento que hoje nos cumula de alegria.
O Filho Unigênito de Deus faz-se homem, como nós, e assim permanece: de modo nenhum a assunção de um corpo nas puríssimas entranhas de Maria foi algo precário e provisório. O Verbo encarnado, Jesus Cristo, permanece para sempre Deus perfeito e homem verdadeiro. Este é o grande mistério que nos deixa abismados: Deus, no seu amor, quis tomar o homem a sério. Em correspondência a esse ato de amor gratuito, quis que o homem se comprometesse seriamente com Cristo, que é da sua mesma raça. “Ao recordarmos que o Verbo de Deus se fez carne, ou seja, que o Filho de Deus se fez homem, devemos tomar consciência da grandeza que atinge todos os homens através deste mistério [...]. Efetivamente, Cristo foi concebido no seio de Maria e fez-se homem para revelar o eterno amor do Criador e Pai, bem como para manifestar a dignidade de cada um de nós”8.
A Igreja, ao expor ao longo dos séculos a verdadeira realidade da Encarnação, tinha consciência de que estava defendendo não só a Pessoa de Cristo, mas a si própria, bem como o homem e o mundo. “Aquele que é a imagem do Deus invisível (Col 1, 15) é também homem perfeito que restituiu aos filhos de Adão a semelhança divina, deformada pelo primeiro pecado. A natureza humana nele assumida, não absorvida, foi elevada também a uma dignidade sem igual. Com efeito, pela sua encarnação, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo o homem. Trabalhou com mãos humanas, agiu com vontade humana, amou com coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado”9.
Que valor deve ter a criatura humana diante de Deus, “se mereceu ter tão grande Redentor”10! Ao longo do dia de hoje, demos graças a Deus por este bem tão imenso que nunca chegaremos a entender.
III. A ENCARNAÇÃO DEVE TER muitas conseqüências na vida de um cristão. É, na realidade, o fato que decide o seu presente e o seu futuro. Sem Cristo, a vida carece de sentido. Só Cristo “revela plenamente o homem ao próprio homem”11. Só em Cristo conhecemos o nosso ser mais profundo e tudo o que mais nos afeta: o sentido da dor e do trabalho bem acabado, a alegria e a paz verdadeiras – que não dependem dos estados de ânimo e dos acontecimentos da vida –, a serenidade, e mesmo o júbilo perante o pensamento da outra vida, pois Jesus, a quem agora procuramos imitar e servir, nos espera... Foi Cristo quem “devolveu definivamente ao homem a dignidade e o sentido da sua existência no mundo”12.
Ao assumir todas as coisas humanas nobres (o trabalho, a família, a dor, a alegria), o Filho de Deus indica-nos que todas essas realidades devem ser amadas e elevadas: o humano converte-se em caminho para a união com Deus. A luta interior passa então a ter um caráter eminentemente positivo, pois não se trata de aniquilar o homem para que o divino resplandeça, nem de fugir das realidades correntes para levar uma vida santa. Não é o humano que se choca com o divino, mas o pecado e as marcas que o pecado original e os pecados pessoais deixaram na alma.
O empenho por chegar à semelhança com Cristo implica, pois, uma luta contra tudo aquilo que nos torna menos humanos ou infra-humanos: os egoísmos, as invejas, a sensualidade, a mesquinhez de espírito... Isto é, o verdadeiro empenho do cristão pela santidade traz consigo a purificação e por conseguinte o desabrochar da verdadeira personalidade em todos os sentidos.
Assim como em Cristo o humano não deixou de sê-lo pela sua união com o divino, do mesmo modo as realidades terrenas não deixaram de sê-lo em virtude da Encarnação; mas a partir desse instante podem e devem ser orientadas para o Senhor. Et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum13. E Eu, quando for levantado da terra, tudo atrairei a Mim.
“Cristo, com a sua Encarnação, com a sua vida de trabalho em Nazaré, com a sua pregação e milagres pelas terras da Judéia e da Galiléia, com a sua morte na Cruz, com a sua Ressurreição, é o centro da Criação, Primogênito e Senhor de todas as criaturas.
“[...] O Senhor quer os seus em todas as encruzilhadas da terra. Chama alguns ao deserto, para que se desentendam dos avatares da sociedade dos homens e com o seu testemunho recordem aos demais que Deus existe. Confia a outros o ministério sacerdotal. Mas quer a grande maioria dos homens no meio do mundo, nas ocupações terrenas. Estes cristãos devem, pois, levar Cristo a todos os ambientes em que desenvolvem as suas tarefas humanas: à fábrica, ao laboratório, ao cultivo da terra, à oficina do artesão, às ruas das grandes cidades e aos caminhos de montanha”14. Essa é a nossa tarefa.
Terminamos a nossa oração recorrendo à Mãe de Jesus, nossa Mãe. “Ó Maria! Hoje a tua terra fez germinar o Salvador... Ó Maria! Bendita sejas entre as mulheres por todos os séculos... Hoje a Divindade uniu-se e amassou-se com a nossa humanidade com laços tão fortes que jamais poderão ser rompidos, nem pela morte nem pela nossa ingratidão”15. Bendita sejas!
(1) cfr. Gal 4, 4-5; Liturgia das Horas, Antífona 1 do Ofício das leituras; (2) cfr. Sagrada Bíblia, Epístolas de San Pablo a los Romanos y a los Gálatas, vol. VI, nota a Gal 4, 4; (3) Frei Luís de Granada, Vida de Jesus Cristo, 1; (4) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 274; (5) Jo 1, 14; (6) São Tomás, S.Th., III, q. 1, a. 2; (7) Jo 3, 16; (8) João Paulo II, Angelus no Santuário de Jasna Gora, 5-VI-1979; (9) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 22; (10) Hino Exsultet, Missa da Vigília Pascal; (11) idem, Enc. Redemptor hominis, 4-III-1979, 11; (12) ib.; (13) Jo 12, 32; (14) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 105; (15) Santa Catarina de Sena, Elevações, 15.
Fonte: http://www.hablarcondios.org
Vivamos intesamente a gestação de María, desde a anunciação do anjo (25 de março até o Natal, nove meses que devem ser fundamentais para nosso crecimento espiritual.
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