
 PURGATÓRIO NA HISTÓRIA DA IGREJA 
 O Purgatório é uma das doutrinas que mais tem sido  rejeitada pelos protestantes. Frequentemente ouvimos fundamentalistas  afirmarem, sem o mínimo rigor histórico, que trata-se de uma invenção de  São Gregório Magno em plena Idade Média. Entre alguns exemplos que  extraímos de diversos artigos da Internet encontra-se o do conhecido  protestante anticatólico Dave Hunt:
"No Catolicismo, a 'purificação'  ocorre em um lugar chamado 'purgatório', inventado pelo Papa Gregório o  Grande no ano 593 d.C."[1].Um comentário bastante semelhante é feito  por Daniel Sapia, que cita o anterior em detalhes:
"A idéia do  Purgatório - um lugar fictício de purificação final - foi inventada pelo  Papa Gregório o Grande no ano 593. Havia tal rejeição para se aceitar a  idéia - visto que era contrária à Escritura - que o Purgatório não se  tornou um dogma oficial durante quase 850 anos, quando o Concílio de  Florença, em 1439, o definiu"[2].
Seria verdade que o Purgatório é  uma invenção de São Gregório Magno, na Idade Média, como afirma Hunt e  repete Sapia? Seria verdade que houve tal rejeição para se aceitar a  doutrina do Purgatório que não se tornou um dogma de fé até o Concílio  de Florença?
Antes de respondermos a estas perguntas é necessário  estudar a doutrina do Purgatório, caso contrário não a reconheceremos  nos escritos da Igreja primitiva:
A DEFINIÇÃO DE PURGATÓRIO NO  CATECISMO DA IGREJA E NOS CONCÍLIOS 
ECUMÊNICOS O Catecismo da Igreja  Católica explica o Purgatório da seguinte maneira: "1030. Os que  morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente  purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após  sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária  para entrar na alegria do Céu. 
1031. A Igreja denomina Purgatório  esta purificação final dos eleitos, que é completamente distinta do  castigo dos condenados. A Igreja formulou a doutrina da fé relativa ao  Purgatório sobretudo no Concílio de Florença e de Trento. Fazendo  referência a certos textos da Escritura, a tradição da Igreja fala de um  fogo purificador:'No que concerne a certas faltas leves, deve-se  crer que existe antes do juízo um fogo purificador, segundo o que afirma  aquele que é a Verdade, dizendo, que, se alguém tiver pronunciado uma  blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhe será perdoada nem no presente  século nem no século futuro (Mt 12,32). Desta afirmação podemos deduzir  que certas faltas podem ser perdoadas no século presente, ao passo que  outras, no século futuro' (São Gregório Magno, Dial. 4,39)".
É  oportuno começar esclarecendo a inexatidão de Sapia - a quem algumas  lições de história não fariam mal! - pois já antes do Concílio Ecumênico  de Florença dois outros Concílios Ecumênicos haviam definido o  Purgatório de forma clara: os Concílios Ecumênicos de Lião I e II, em  1245 e 1274 respectivamente:
"...Finalmente, afirmando a Verdade no  Evangelho, que se alguém blasfemar contra o Espírito Santo não ser-lhe-á  perdoada nem neste mundo nem no futuro [Mat. 12,32], o que dá a  entender que algumas culpas são perdoadas no século presente e outras no  futuro, bem como também disse o Apóstolo, que o fogo provará a obra de  cada um; e aquele cuja obra arder sofrerá dano; ele, porém, se salvará,  mas como quem passa pelo fogo [1Cor. 3,13.15]; e como os próprios gregos  dizem que crêem e afirmam verdadeira e indubitavelmente que as almas  daqueles que morrem, recebida a penitência, porém sem cumprí-la; ou sem  pecado mortal, mas apenas veniais e pequenos; são purificadas após a  morte e podem ser auxiliadas pelos sufrágios da Igreja; visto que [os  gregos] dizem que o lugar desta purificação não lhes foi indicado com  nome certo e próprio por seus doutores, como nós que, de acordo com as  tradições e autoridades dos Santos Padres, o chamamos 'Purgatório',  queremos que daqui por diante também eles o chamem por este nome. Porque  com aquele fogo transitório certamente são purificados os pecados, não  os criminais ou capitais que antes não tenham sido perdoados pela  penitência, mas os pequenos ou veniais, que pesam mesmo depois da morte,  ainda que tenham sido perdoados em vida..." (Concílio Ecumênico de Lião  I, 13º Ecumênico)."
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.Mas por causa dos diversos erros que alguns  por ignorância e outros por malícia introduziram, devemos dizer e pregar  que aqueles que depois do batismo caem no pecado não devem ser  rebatizados, mas que obtêm pela verdadeira penitência o perdão dos  pecados. E se verdadeiramente arrependidos morrerem em caridade antes de  ter satisfeito com frutos dignos de penitência por seus atos e  omissões, suas almas são purificadas após a morte com penas purgatórias  ou catartérias, como nos explicou frei João; e para alívio dessas penas  lhes aproveitam os sufrágios dos fiéis vivos a saber: os sacrifícios das  missas, as orações e esmolas, e outros ofícios de piedade que, segundo  as instituições da Igreja, alguns fiéis costumam a fazer em favor de  outros. Mas aquelas almas que após terem recebido o santo batismo não  incorreram em mancha alguma de pecado e também aquelas que após o  contraírem se purificaram - quer enquanto permaneciam em seus corpos  quer após deixá-los - como acima foi dito, são recebidas imediatamente  no céu" (Concílio de Lião III, 14º Ecumênico).Com efeito, o Concílio  de Florença simplesmente reafirmava o que estes outros Concílios  Ecumênicos já tinham definido alguns séculos antes:
"...Desta forma,  se os verdadeiros penitentes deixarem este mundo antes de terem  satisfeito com frutos dignos de penitência pela ação ou omissão, suas  almas são purgadas com penas purificatórias após a morte; e para serem  aliviadas destas penas, lhes aproveitam os sufrágios dos fiéis vivos,  tais como o sacrifício da missa, orações e esmolas, e outros ofícios de  piedade que os fiéis costumam praticar por outros fiéis, segundo as  instituições da Igreja. E que as almas daqueles que após receberem o  batismo não incorreram absolutamente em mancha alguma de pecado e também  aquelas que, após contrair mancha de pecado, a purgaram, quer enquanto  viviam em seus corpos quer após o deixarem, segundo o que foi dito  acima, são imediatamente recebidas no céu..." (Concílio de Florença, 17º  Ecumênico).
O mesmo reafirma o Concílio de Trento (de 1545 a 1563):
"Tendo  a Igreja Católica, instruída pelo Espírito Santo, segundo a doutrina da  Sagrada Escritura e da antiga tradição dos Padres, ensinado nos  sagrados concílios e atualmente neste Geral de Trento, que existe  Purgatório, e que as almas detidas nele recebem alivio com os sufrágios  dos fiéis e em especial com o aceitável sacrifício da missa, ordena o  Santo Concílio aos Bispos, que cuidem com máximo esmero que a santa  doutrina do Purgatório, recebida dos santos Padres e sagrados concílios,  seja ensinada e pregada em todas as partes, e que seja acreditada e  conservada pelos fiéis cristãos. Excluam-se, todavia, dos sermões  pregados em língua vulgar à plebe rude, as questões muito difíceis e  sutis que a nada conduzem à edificação e com as quais raras vezes se  aumenta a piedade. Também não se permita que sejam divulgadas e tratadas  as coisas incertas, ou que tenham vislumbres ou indícios de falsidade.  Ficam proibidas, por serem consideradas escandalosas e que servem de  tropeço aos fiéis, as que tocam em certa curiosidade ou superstição, ou  tem resíduos de interesse ou de sórdida ganância. Os bispos deverão  cuidar para que os sufrágios dos fiéis, a saber, os sacrifícios das  missas, as orações, as esmolas e outras obras de piedade que costumam  fazer pelos defuntos, sejam executados piedosa e devotadamente segundo o  estabelecido pela Igreja, e que seja satisfeita com esmero e exatidão,  tudo quanto deve ser feito pelos defuntos, segundo exijam as fundações  dos entendidos ou outras razões, não superficialmente, mas sim por  sacerdotes e ministros da Igreja e outros que têm esta obrigação"  (Concílio de Trento, 19º Ecumênico - Sessão 25: Decreto sobre o  Purgatório).Porém, muito antes destas definições conciliares, era  amplamente conhecida a doutrina do
Purgatório, como bem demonstram as  seguintes evidências patrísticas: PERPÉTUA Santa Perpétua foi uma  mártir cristã martirizada em 203 juntamente com outros cinco cristãos  (Felicidade, Revocato, Saturnino, Segundo e Saturo).Esquanto estava  na prisão, teve uma dupla visão em que viu seu irmão, falecido 7 anos  antes, sair de um lugar tenebroso onde estava sofrendo. Santa Perpétua  passou então a rezar pelo descanso eterno de sua alma e, logo após ser  ouvida pelo Senhor, teve uma segunda visão em que viu seu irmão seguro e  em paz porque sua pena havia sido satisfeita:
"Imediatamente, nessa  mesma noite, isto me foi mostrado em uma visão: eu vi Dinocrate saindo  de um lugar sombrio, onde se encontravam também outras pessoas; e ele  estava magro e com muita sede, com uma aparência suja e pálida, com o  ferimento de seu rosto quando havia morrido. Dinocrate foi meu irmão de  carne, tendo falecido há 7 anos de uma terrível enfermidade... Porém, eu  confiei que a minha oração haveria de ajudá-lo em seu sofrimento e orei  por ele todo dia, até irmos para o campo de prisioneiros... Fiz minha  oração por meu irmão dia e noite, gemendo e lamentando para que [tal  graça] me fosse concedida. Então, certo dia, estando ainda prisioneira,  isto me foi mostrado: vi que o lugar sombrio que eu tinha observado  antes estava agora iluminado e Dinocrate, com um corpo limpo e bem  vestido, procurava algo para se refrescar; e onde havia a ferida, vi  agora uma cicatriz; e essa piscina que havia visto antes, vi que seus  níveis haviam descido até o umbigo do rapaz. E alguém incessantemente  extraía água da tina e próximo da orla havia uma taça cheia de água; e  Dinocrate se aproximou e começou a beber dela e a taça não reduziu [o  seu nível]; e quando ele ficou saciado, saiu pulando da água, feliz,  como fazem as crianças; e então acordei. Assim, entendi que ele havia  sido levado do lugar do castigo" (Paixão de Perpétua e Felicidade  2,3-4).[3]ABÉRCIOBispo de Hierápolis, na Frígia, na segunda  metade do século II e início do III, foi desde cedo bastante venerado  pela Igreja grega e, posteriormente, pela Igreja latina. Sabe-se que  visitou Roma regressando logo depois pela Síria e Mesopotâmia. Antes de  morrer, compôs seu próprio epitáfio, datado de finais do século II ou  início do III, em que pede que se ore por ele:
Cidadão de pátria  ilustre, / Construí este túmulo durante a vida, / Para que meu corpo -  num dia - pudesse repousar. / Chamo-me Abércio: / Sou discípulo de um  Santo Pastor, / Que apascenta seu rebanho de ovelhas, / Por entre montes  e planícies. / Ele tem enormes olhos que tudo enxergam, / Ensinou-me as  Escrituras da Verdade e da Vida / [...] / Eu, Abércio, ditei este texto  / E o fiz gravar na minha presença / Aos setenta e dois anos. / O irmão  que o ler por acaso / Ore por Abércio." (Epitáfio de Abércio).[4]ATOS  DE PAULO E TECLAOs Atos de Paulo e Tecla, escritos
 no século II  (ano 160), narram a história de uma convertida que se converteu ao ouvir  as pregações de São Paulo e, após desfazer o compromisso com seu noivo,  se dedica a assistir Paulo na evangelização. Lemos aí uma oração de  intercessão para que uma cristã falecida seja levada para o lugar dos  justos:
"E após a exibição, Trifena novamente a recebeu. Sua filha  Falconila havia morrido e disse para ela em sonhos: 'Mãe: deverias ter  esta estrangeira, Tecla, como a mim, para que ela ore por mim e eu possa  ser levada para o lugar dos justos" (Atos de Paulo e Tecla).[5]CLEMENTE  DE ALEXANDRIANasceu por volta do ano 150, provavelmente em Atenas,  de pais pagãos. Após tornar-se cristão, viajou pelo o sul da Itália,  Síria e Palestina, em busca de mestres cristãos, até que chegou em  Alexandria. Os ensinamentos de Panteno, líder da escola catequética de  Alexandria (Egito), fizeram com que se estabelecesse ali. No ano 202, a  perseguição de Sétimo Severo o obrigou a abandonar o Egito e a se  refugiar na Capadócia, onde morreu pouco antes de 215.
Seu  conhecimento dos escritos pagãos e da literatura cristã é notável!  Segundo Quasten, em suas obras podemos encontrar cerca de 360 citações  dos clássicos, 1500 do Antigo Testamento e 2000 do Novo; portanto, é  considerado cronologicamente como o primeiro sábio cristão, conhecedor  profundo não apenas da Sagrada Escritura mas ainda das obras cristãs  anteriores a ele e, inclusive, obras da literatura profana.
Nos  "Stromata" ou "Tapeçarias" (Στρωματεις), fala da purificação pelo "fogo"  que a alma sofre posteriormente à morte, quando não atingiu a plena  santidade: "Através de grande disciplina o crente se despoja das suas  paixões e passa a mansão melhor que a anterior; passa pelo maior dos  tormentos, tomando sobre si o arrependimento das faltas que possa ter  cometido após o seu batismo. Então, é torturado mais ao ver que não  conseguiu o que os outros já conseguiram. Os maiores tormentos são  atribuídos ao crente porque a justiça de Deus é boa e sua bondade é  justa; e estes castigos completam o curso da expiação e purificação de  cada um" (Stromata 4,14).[6] "Porém, nós dizemos que o fogo santifica  não a carne, mas as almas pecadoras; referindo-se não ao fogo comum,  mas o da sabedoria, que penetra na alma que passa pelo fogo" (Stromata  8,6).[7]
TERTULIANOTertuliano nasceu em Cartago antes do ano 160.  
Por volta do ano 195, se converteu ao Cristianismo e chegou a se tornar  em um notável escritor eclesiástico. Infelizmente, por volta do ano  207, aderiu abertamente à seita herética de Montano e acabou fundando  sua própria seita (a dos Tertulianistas).
Encontram-se nos escritos  de Tertuliano numerosas e claras referências ao Purgatório. Entre elas,  podemos mencionar:
"De Anima" (Da Alma), que fala da purificação da alma  após a morte; em "De Carnis Resurrectione" (Da Ressurreição da Carne),  chega ao extremo de afirmar que apenas os mártires viverão diretamente  na presença de Deus; em "De Monogamia" (Da Monogamia), fala como as  orações pelos falecidos podem ajudá-los; e em "De Corona" (Da Coroa),  menciona o costume da Igreja celebrar a Eucaristia pelo descanso eterno  dos falecidos:  "Por isso, é muito conveniente que a alma, sem esperar  a carne, sofra um castigo pelo que tenha cometido sem a cumplicidade da  carne. E, igualmente, é justo que, em recompensa pelos bons e piedosos  pensamentos que tenha tido sem a cooperação da carne, receba consolos  sem a carne. Mais ainda: as próprias obras realizadas com a carne, ela é  a primeira a conceber, dispor, ordenar e pô-las em alerta. E ainda  naqueles casos em que ela não consente em pô-las em alerta, no entanto, é  a primeira a examinar o que logo fará no corpo. Enfim, a consciência  não será nunca posterior ao fato. Consequentemente, também a partir  deste ponto de vista, é conveniente que a substância que foi a primeira a  merecer a recompensa seja também a primeira a recebê-la. Em suma: já  que por esta lição que nos ensina o Evangelho entendemos o inferno, já  que 'por esta dívida, devemos pagar até o último centavo', compreendemos  que é necessário purificar-se das faltas mais ligeiras nesses mesmos  lugares, no intervalo anterior à ressurreição; ninguém poderá duvidar  que a alma recebe logo algum castigo no inferno sem prejuízo da  plenitude da ressurreição, quando receberá a recompensa juntamente com a  carne" (Da Alma 58: PL 2,751).[8]  "Ao deixar o seu corpo, ninguém  vai imediatamente viver na presença do Senhor - exceto pela prerrogativa  do martírio, pois então adquire uma morada no paraíso e não nas regiões  inferiores" (Da Ressurreição da Carne 43).[9]  "Certamente, ela roga  pela alma de seu marido; pede que durante este intervalo ele possa  encontrar descanso e participar da primeira ressurreição [...] Oferece, a  cada ano, o sacrifício no aniversário de sua dormição" (Da Monogamia  10).[10]  "O sacramento da Eucaristia, encomendado pelo Senhor no  tempo da ceia e para todos, o recebemos nas assembléias, antes do  amanhecer, e não das mãos de outros que não sejam os que as presidem.  Fazemos oblações pelos falecidos, a cada ano, nos dias de aniversário"  (Da Coroa 3: PL 2,79).[11]Não se pode deixar de observar que  Tertuliano escreveu isto muitos anos antes de São Gregório Magno  "sonhar" em nascer...CIPRIANO DE CARTAGOSão Cipriano nasceu em  torno do ano 200, provavelmente em Cartago, de família rica e culta.  Dedicou-se, em sua juventude, à retórica. O desgosto que sentia diante  da imoralidade dos ambientes pagãos contrastados com a pureza de  costumes dos cristãos o induziu a abraçar o Cristianismo por volta do  ano 246. 
Pouco depois, em 248, foi eleito bispo de Cartago. Durante a  perseguição de Décio, em 250, julgou melhor afastar-se para outro lugar,  para continuar a se ocupar com seu rebanho de fiéis. Dele conservamos  uma dezena de opúsculos sobre diversos temas de então e,  particularmente, uma coleção de 81 cartas.
Em São Cipriano  encontramos, da mesma forma que nos anteriores, referências ao  Purgatório feitas séculos antes de São Gregório Magno:"
Uma coisa é  pedir perdão; outra coisa, alcançar a glória. Uma coisa é estar  prisioneiro sem poder sair até ter pago o último centavo; outra coisa,  receber simultaneamente o valor e o salário da fé. Uma coisa é ser  torturado com longo sofrimento pelos pecados, para ser limpo e  completamente purificado pelo fogo; outra coisa é ter sido purificado de  todos os pecados pelo sofrimento. Uma coisa é estar suspenso até que  ocorra a sentença de Deus no Dia do Juízo; outra coisa é ser coroado  pelo Senhor" (Epístola 51,20).[12]São Cipriano também atesta o comum  costume de se fazer orações e oferecer a Eucaristia pelo descanso  eterno dos falecidos, o que seria inútil caso as orações não pudessem  ajudá-los:
"Oferecemos por eles sacrifícios, como percebeis, sempre  que na comemoração anual celebramos os dias da paixão dos mártires"  (Epístola 33,3).[13] No seguinte texto também podemos ver São  Cipriano atestando de maneira implícita o costume de se oferecer a  Eucaristia pelos falecidos. É negado para o caso particular de Victor em  razão da violação das decisões conciliares, por ter ordenado  ilegitimamente Gemínio Faustino como presbítero: "...E quanto a  Victor, visto que contrariamente à forma prescrita pelo recente Concílio  dos sacerdotes se atreveu a constituir tutor ao presbítero Gemínio  Faustino, não há razão para que se celebre, entre vós, a oblação pela  sua morte ou se reze por ele qualquer oração na Igreja; desta forma,  observaremos nós o decreto dos sacerdotes, elaborado religiosamente e  por necessidade, dando-se, ao mesmo tempo, exemplo aos demais irmãos,  para que ninguém deseje as moléstias mundanas aos sacerdotes e ministros  de Deus dedicados ao seu altar e Igreja" (Epístola 65,2).[14]Outro  texto similar:
"Finalmente, anotai também os dias em que eles morrem,  para que possamos celebrar suas comemorações entre as memórias dos  mártires; por mais que Tertuliano, nosso fidelíssimo e devotíssimo  irmão, com aquela solicitude e cuidado que reparte com os irmãos sem se  orgulhar da sua atividade, e como no cuidado dos cadáveres remanescentes  ali, tenha escrito e me faça saber, entre outras coisas, os dias em que  nossos ditosos irmãos partiram do cárcere para a imortalidade através  de uma morte gloriosa, celebramos aqui nossas oblações e sacrifícios em  comemoração deles, as quais prontamente celebraremos convosco, com a  ajuda de Deus" (Epístola 36,2).[15].ORÍGENES
Ilustre teólogo e  escritor eclesiástico. Nascido em Alexandria por volta do ano 231, foi  reconhecido como o maior mestre da doutrina cristã em sua época,  exercendo uma extraordinária influência como intérprete da Bíblia:
Orígenes  enxerga em 1Coríntios 3 uma alusão ao Purgatório:
"Pois se sobre o  fundamento de Cristo contruístes não apenas ouro e prata mas pedras  preciosas e ainda madeira, cana e palha, o que esperas que ocorra quando  a alma seja separada do corpo? Entrarias no céu com tua madeira, cana e  palha e, deste modo, mancharias o reino de Deus? Ou em razão destes  obstáculos poderias ficar sem receber o prêmio por teu ouro, prata e  pedras preciosas? Nenhum destes casos seria justo. Com efeito, serás  submetido ao fogo que queimará os materiais levianos. Para nosso Deus,  àqueles que podem compreender as coisas do céu, encontra-se o chamado  'fogo purificador'. Porém, este fogo não consome a criatura, mas aquilo  que ela construiu: madeira, cana ou palha. É manifesto que o fogo  destrói a madeira de nossas transgressões e logo nos devolve o prêmio de  nossas grandes obras" (P.G. 13, col. 445,448).[16]LACTÂNCIO
Loarte  comenta que foi chamado "o Cícero cristão" por seu elegante manejo da  língua latina. Nasceu no norte da África por volta do ano 250, de pais  pagãos. Provavelmente converteu-se ao Cristianismo na Nicomédia. Durante  a última grande perseguição, por volta do ano 303, viu-se obrigado a  abandonar sua cátedra e exilar-se na Bitínia. Após o Edito de Milão,  Constantino o chamou a Tréveris, para confiar-lhe a educação de Crispo,  seu filho mais velho. Pouco mais conhecemos da vida de Lactâncio, que  deve ter falecido por volta do ano 317.
Em suas "Instituições  Divinas", livro 7, enxerga 1Coríntios 3 da mesma forma que Orígenes:  como uma referência ao Purgatório..."
Porém, quando julgar os justos,  Ele também os provará com fogo. Então aqueles cujos pecados excederem  em peso ou número, serão chamuscados pelo fogo e queimados; mas aqueles a  quem imbuiu a justiça e plena maturidade da virtude não perceberão esse  fogo porque eles têm algo de Deus neles mesmos, que repele e rejeita a  violência da chama" (Instituições Divinas 7,21).[17]EFRÉM DA SÍRIANasceu  por volta do ano 306, no povoado de Nísibis (hoje chamada Nusaybim, na  Turquia). Diácono, Doutor da Igreja e escritor eclesiástico. Estima-se  que faleceu por volta do ano 373, embora alguns autores afirmem que  viveu até 378 ou 379.
Em seu testamento, solicita que orem por ele e  cita o livro dos Macabeus como evidência de que as orações dos vivos  podem ajudar a expiar os pecados dos falecidos:
"Quando se cumprir o  trigésimo dia [da minha morte], lembrai-vos de mim, irmãos. Os  falecidos, com efeito, recebem ajuda graças a oferenda que fazem os  vivos (...) Se como está escrito, os homens de Matatias encarregados do  culto em favor do exército expiaram, pelas oferendas, as culpas daqueles  que tinham perecido e eram ímpios por seus costumes, quanto mais os  sacerdotes de Cristo, com suas santas oferendas e orações, expiarão os  pecados dos falecidos" (Testamento, 72,28:EP 741).[18]BASÍLIO MAGNONasceu  por volta do ano 330, do seio de uma família profundamente cristã. No  ano 364 foi ordenado sacerdote e, 6 anos depois, sucedeu a Eusébio,  bispo de Cesaréia, metropolita da Capadócia e exarca da diocese do  Ponto. Faleceu no ano 379.
Fala como aqueles atletas de Deus, logo  após terem sido salvos, podem ser "detidos" se por acaso conservarem  algumas manchas de pecado:
"Penso que os valorosos atletas de Deus,  os quais durante toda a sua vida estiveram frequentemente em luta contra  os seus inimigos invisíveis, após terem superado todos os seus ataques,  ao chegarem ao fim de suas vidas serão examinados pelo príncipe do  século, a fim de que, se em consequência das lutas tiverem algumas  feridas ou certas manchas ou vestígios de pecado, sejam detidos; porém,  se são encontrados imunes e incontaminados, como invictos e livres  encontram o descanso junto a Cristo" (Homilias sobre os Salmos 7,2: PG  29,232).[19]CIRILO DE JERUSALÉM
Nasceu em Jerusalém ou em sua  circunvizinhança, em torno do ano 313 ou 315. Foi Padre da Igreja e  arcebispo de Jerusalém. Estima-se que morreu em 386.
Em sua catequese  reafirma a imemorial Tradição da Igreja de orar pelos falecidos por seu  eterno descanso:
"Recordamos também de todos os que já dormiram; em  primeiro lugar, os patriarcas, os profetas, os apóstolos, os mártires,  para que, por suas preces e intercessão, Deus acolha a nossa oração.  Depois, também pelos santos padres, bispos falecidos e, em geral, por  todos cuja vida transcorreu entre nós, crendo que isso será da maior  ajuda para aqueles por quem se reza. Quero vos esclarecer isso com um  exemplo: visto que muitos ouviram dizer: para que serve a uma alma sair  deste mundo com ou sem pecados se depois faz-se menção dela na oração?  Suponhamos, por exemplo, que um rei envia ao desterro alguém que o  ofendeu; porém, depois, os seus parentes, afligidos pela pena, lhe  oferecem uma coroa. Por acaso não ficarão agradecidos pelo relaxamento  dos castigos? Do mesmo modo, também nós apresentamos súplicas a Deus  pelos falecidos, ainda que sejam pecadores. E não oferecemos uma coroa,  mas sim Cristo morto por nossos pecados, pretendendo que o Deus  misericordioso se compadeça e seja propício tanto com eles quanto  conosco" (Catequese 13,9-10).[20]EPIFÂNIO DE SALAMINANasceu por  volta do ano 315 na Judéia. Fundou um mosteiro que dirigiu por quase 30  anos. Foi bispo de Salamina e metropolita do Chipre. Morreu no ano 367.
Testemunha,  da mesma maneira que os anteriores, a utilidade das orações pelos  falecidos para obter de Deus o perdão das suas culpas:
"Quanto a  recitação dos nomes dos falecidos, o que pode haver de mais útil e que  seja mais oportuno e digno de louvor, a fim de que os presentes percebam  que os falecidos continuam vivendo e não foram reduzidos ao nada, mas  continuam existindo e vivem junto do Senhor, restando assim afiançada a  esperança daqueles que rezam por seus irmãos falecidos, considerando-os  como se tivessem emigrado para outro país? São úteis, com efeito, as  preces que são feitas em seu favor, mesmo que não possam eliminar todas  as suas culpas" (Panarion 75,8: PG 42,513).[21]GREGÓRIO DE NISSANasceu  entre os anos 331 e 335. Era irmão de São Basílio Magno, que o  consagrou bispo de Nissa em 371. Faleceu no ano 394.
O seguinte texto  é uma referência tão clara ao Purgatório que não necessita de nenhum  comentário:
"Quando ele renuncia a seu corpo e a diferença entre a  virtude e o vício é conhecida, não pode pode se aproximar de Deus até  que seja purificado com o fogo que limpa as manchas com as quais a sua  alma está infectada. Esse mesmo fogo em outros cancelará a corrupção da  matéria e a propensão ao mal" (Sermão sobre a Morte 2,58).[22]JOÃO  CRISÓSTOMOSão João Crisóstomo é o representante mais importante da  Escola de Antioquia e um dos quatro grandes Padres da Igreja no Oriente.  Nascido por volta do ano 350, talvez antes, foi ordenado sacerdote no  ano 386 e em 397 foi consagrado bispo de Constantinopla. Morreu em 407.
Atesta  que foram os próprios Apóstolos que instituíram a celebração da  eucaristia pelo descanso eterno dos falecidos e exorta a não cessarmos  de ajudar os defuntos com nossas orações, já que, graças a elas, recebem  consolo:
Não sem razão foi determinado, mediante leis estabelecidas  pelos Apóstolos, que na celebração dos sagrados e impressionantes  mistérios se faça a memória dos que já passaram desta vida. Sabiam, com  efeito, que com isso os falecidos obtêm muito fruto e tiram grande  proveito. Quando todo o povo e os sacerdotes estão com as mãos  estendidas e se está celebrando o santo sacrifício, por acaso Deus não  se mostrará propício com aqueles em favor dos quais lhe imploramos?  Tratam-se daqueles que morreram conservando a fé" (Homilias sobre a  Carta aos Filipenses 3,4: PG 62,203).[23] "Se os filhos de Jó foram  purificados pelo sacrifício de seu pai, 'porque deveríamos duvidar que  quando nós também oferecemos [o sacrifício] pelos que já partiram,  recebem eles algum consolo'? Já que Deus costuma atender aos pedidos  'daqueles que pedem pelos demais', não cansemos de ajudar os falecidos,  oferecendo em seu nome e orando por eles" (Homilias sobre 1Corintios  41,8).[24]SANTO AGOSTINHODoutor da Igreja nascido em Tagaste  (África) no ano 354, filho de Santa Mônica. Após uma vida ímpia,  converteu-se no ano 387 e, posteriormente, foi eleito bispo de Hipona,  ministério que exerceu durante 34 anos. É considerado um dos Padres mais  influentes do Ocidente e seus escritos são de grande atualidade. Morreu  no ano 430.
As descrições do Purgatório por parde de Santo Agostinho  também são bastante anteriores a São Gregório Magno e são tão claras  que tampouco necessitam de explicações:
"Senhor, não me interpeles na  tua indignação. Não me encontres entre aqueles a quem haverás de dizer:  'ide para o fogo eterno que está preparado para o diabo e seus anjos'.  Nem me corrijas em teu furor, mas purifica-me nesta vida e torna-me tal  que já não necessite do fogo corretor, atendendo aos que hão de  salvar-se, ainda que, não obstante, como que através do fogo. Por que  acontece isto se não é porque edificam aqui sobre o cimento, lenha,  palha e feno? Se tivesse edificado sobre o ouro, a prata e as pedras  preciosas, estariam livres de ambas as classes de fogo, não apenas  daquele eterno, que atormentará os ímpios para sempre, mas também  daquele que corrigirá aos que hão de salvar-se através do fogo"  (Comentário ao Salmo 37,3: BAC 235,654).[25]"
Quando alguém padece  algum mal, pela perversidade ou erro de um terceiro, peca, certamente, o  homem que por ignorância ou injustiça causa um mal a alguém; porém não  peca Deus, que por um justo mas oculto desígnio, permite que isto  ocorra. Contudo, há penas temporais que alguns padecem apenas nesta  vida, outros após a morte, e outros agora e depois. De toda forma, estas  penas são sofridas antes daquele severíssimo e definitivo juízo. Mas  nem todos os que hão de sofrer penas temporais através da morte cairão  nas eternas, que terão lugar após o juízo. Haverá alguns, de fato, a  quem se perdoarão no século futuro o que não se lhes foi perdoado no  presente; ou seja, que não serão castigados com o suplício eterno do  século futuro, como falamos mais acima" (A Cidade de Deus 21,13: BAC  172,791-792).[26]"A maior parte [das pessoas], uma vez conhecida a  obrigação da lei, se veem vencidas primeiramente pelos vícios que chegam  a dominá-las; tornam-se, assim, transgressoras da lei. Logo buscam  refúgio e auxílio na graça, com a qual recuperarão a vitória, mediante  uma amarga penitência e uma luta mais vigorosa, submetendo primeiro o  espírito a Deus e obtendo depois o domínio sobre a carne. Quem quiser,  pois, evitar as penas eternas não deve apenas se batizar; deve ainda se  santificar seguindo a Cristo. Assim é como quem passa do diabo para  Cristo. Quanto às penas expiatórias, não pense ninguém em sua existência  se não será antes do último e terrível juízo" (A Cidade de Deus 21, 16:  BAC 172,798.[27]  "Não se pode negar que as almas dos falecidos são  aliviadas pela piedade dos parentes vivos, quando oferecem por elas o  sacrifício do Mediador ou quando praticam esmolas na Igreja. Porém,  estas coisas aproveitam aquelas [almas] que, quando viviam, mereceram  que se lhes pudessem aproveitar depois. Pois há um certo modo de viver,  nem tão bom que aproveite destas coisas depois da morte, nem tão mal que  não lhes aproveitem; há tal grau no bem que o que possui não aproveita  de menos; ao contrário, há tal [grau] no mal que não pode ser ajudado  por elas quando passar desta vida. Portanto, aqui o homem adquire todo o  mérito com que pode ser aliviado ou oprimido após a morte. Ninguém  espere merecer diante de Deus, quando tiver falecido, o que durante a  vida desprezou" (Das Oito Questões de Dulcício 2, 4: BAC 551,389).[28] "Lemos  nos livros dos Macabeus que foi oferecido um sacrifício pelos  falecidos. E apesar de não podermos ler isto em nenhum outro lugar do  Antigo Testamento, não é pequena a autoridade da Igreja universal que  reflete este costume, quando nas orações que o sacerdote oferece ao  Senhor, nosso Deus, sobre o altar encontra seu momento especial na  comemoração dos falecidos" (Do Cuidado devido aos Mortos 1,3: BAC  551,439).[29]  "Na pátria (=céu) não haverá lugar para a oração, mas  apenas para o louvor. Por que não para a oração? Porque nada faltará. O  que aqui é objeto de fé, ali será objeto de visão. O que aqui se espera,  ali se possuirá. O que aqui se pede, ali se recebe. Contudo, nesta vida  existe uma certa perfeição alcançada pelos santos mártires. A isto se  deve o uso eclesiástico, conhecido pelos fiéis, de se mencionar os nomes  dos mártires diante do altar de Deus; não para orar por eles, mas pelos  demais falecidos de que se faz menção. Seria uma injúria rogar por um  mártir, a cujas orações devemos nos encomendar. Ele lutou contra o  pecado até derramar seu sangue. Aos outros, imperfeitos todavia, mas sem  dúvida parcialmente justificados, diz o Apóstolo na Epístola aos  Hebreus: 'Todavia não resististes até tombar em vossa luta contra o  pecado'" (Sermão 159,1: BAC 443,498).[30]GREGÓRIO MAGNOPapa e  doutor da Igreja, é o quarto e último dos originais Doutores da Igreja  latina. Defendeu a supremacia do Papa e trabalhou pela reforma do clero e  da vida monástica. Nasceu em Roma por volta do ano 540 e faleceu em  604.
Enxergava em Mateus 12,32 uma referência implícita ao  Purgatório:
"Tal como alguém sai deste mundo, assim se apresenta no  Juízo. Porém, deve-se crer que exista um fogo purificador para expiar as  culpas leves antes do Juízo. A razão para isso é que a Verdade afirma  que se alguém disser uma blasfêmia contra o Espírito Santo, isto não lhe  será perdoado nem neste século nem no vindouro. Com esta sentença se dá  a entender que algumas culpas podem ser perdoadas neste mundo e algumas  no outro, pois o que se nega em relação a alguns deve-se compreender  que se afirma em relação a outros (...) No entanto, tal como já disse,  deve-se crer que isto se refere a pecados leves e de menor importância"  (Diálogos 4,39: PL 77,396).[31]CONCLUSÃO
Isto é apenas uma  seleção parcial de textos patrísticos referentes ao Purgatório. Na  verdade, torna-se difícil entender, à luz das sentenças anteriores, como  ainda existem pessoas que afirmam que o Purgatório foi invenção da  Idade Média. Peço a Deus que isto se dê por ignorância e não por  malícia. Felizmente, estes textos estão ao alcance de todos e oferecem  uma evidência indiscutível quanto a fé da Igreja primeira... a nossa  Igreja [católica].
2 - O ensinamento sobre o Purgatório tem raízes já na crença dos  próprios judeus do Antigo Testamento; cerca de 200 anos antes de Cristo,  quando ocorreu o episódio de Judas Macabeus. Narra-se aí que alguns  soldados judeus foram encontrados mortos num campo de batalha, tendo  debaixo de suas roupas alguns objetos consagrados aos ídolos, o que era  proibido pela Lei de Moisés. Então Judas Macabeus mandou fazer uma  coleta para que fosse oferecido em Jerusalém um sacrifício pelos pecados  desses soldados. 
“Então encontraram debaixo da túnica de cada um dos  mortos objetos consagrados aos ídolos de Jâmnia, coisas proibidas pela  Lei dos judeus. Ficou assim evidente a todos que haviam tombado por  aquele motivos… puseram-me em oração, implorando que o pecado cometido  encontrasse completo perdão… Depois [Judas] ajuntou, numa coleta  individual, cerca de duas mil dracmas de prata, que enviou a Jerusalém  para que se oferecesse um sacrifício propiciatório. Com ação tão bela e  nobre ele tinha em consideração a ressurreição, porque, se não cresse na  ressurreição dos mortos, teria sido coisa supérflua e vã orar pelos  defuntos. Além disso, considerava a magnífica recompensa que está  reservada àqueles que adormecem com sentimentos de piedade. Santo e pio  pensamento! Por isso, mandou oferecer o sacrifício expiatório, para que  os mortos fossem absolvidos do pecado” (2Mc 12,39-45). O autor  sagrado, inspirado pelo Espírito Santo, louva a ação de Judas: “Se ele  não esperasse que os mortos que haviam sucumbido iriam ressuscitar,  seria supérfluo e tolo rezar pelos mortos. Mas, se considerasse que uma  belíssima recompensa está reservada para os que adormeceram  piedosamente, então era santo e piedoso o seu modo de pensar. Eis porque  ele mandou oferecer esse sacrifício expiatório pelos que haviam  morrido, afim de que fossem absolvidos do seu pecado”. (2 Mac 12,44s)  .Neste caso, vemos pessoas que morreram na amizade de Deus, mas com uma  incoerência, que não foi a negação da fé, já que estavam combatendo no  exército do povo de Deus contra os inimigos da fé. Cometeram uma falta  que não foi mortal.
Fica claro no texto de Macabeus que os judeus  oravam pelos seus mortos e por eles ofereciam sacrifícios, e que os  sacerdotes hebreus já naquele tempo aceitavam e ofereciam sacrifícios em  expiação dos pecados dos falecidos e que esta prática estava apoiada  sobre a crença na ressurreição dos mortos. E como o livro dos Macabeus  pertence ao cânon dos livros inspirados, aqui também está uma base  bíblica para a crença no Purgatório e para a oração em favor dos mortos.
- Com base nos ensinamentos de São Paulo, a Igreja entendeu também a  realidade do Purgatório. Em 1Cor 3,10, ele fala de pessoas que  construíram sobre o fundamento que é Jesus Cristo, utilizando uns,  material precioso, resistente ao fogo (ouro, prata, pedras preciosas) e,  outros, materiais que não resistem ao fogo (palha, madeira). São todos  fiéis a Cristo, mas uns com muito zelo e fervor, e outros com tibieza e  relutância. E S. Paulo apresenta o juízo de Deus sob a imagem do fogo a  provar as obras de cada um. Se a obra resistir, o seu autor “receberá  uma recompensa”; mas, se não resistir, o seu autor “sofrerá detrimento”,  isto é, uma pena; que não será a condenação; pois o texto diz  explicitamente que o trabalhador “se salvará, mas como que através do  fogo”, isto é, com sofrimentos.
4 - Na passagem de Mc 3,29, também há  uma imagem nítida do Purgatório:”Mas, se o tal administrador imaginar  consigo: ‘
Meu senhor tardará a vir’. E começar a espancar os servos e as  servas, a comer, a beber e a embriagar-se, o senhor daquele servo virá  no dia em que não o esperar (…) e o mandará ao destino dos infiéis. O  servo que, apesar de conhecer a vontade de seu senhor, nada preparou e  lhe desobedeceu será açoitado com numerosos golpes. Mas aquele que,  ignorando a vontade de seu senhor, fizer coisas repreensíveis será  açoitado com poucos golpes.” (Lc 12,45-48). É uma referência clara ao  que a Igreja chama de Purgatório. Após a morte, portanto, há um “estado”  onde os “pouco fiéis” haverão de ser purificados.5 - Outra passagem  bíblica que dá margem a pensar no Purgatório é a de (Lc 12,58-59):  
“Ora, quando fores com o teu adversário ao magistrado, faze o possível  para entrar em acordo com ele pelo caminho, a fim de que ele não te  arraste ao juiz, e o juiz te entregue ao executor, e o executor te ponha  na prisão. Digo-te: não sairás dali, até pagares o último centavo.” O  Senhor Jesus ensina que devemos sempre entrar “em acordo” com o  próximo, pois caso contrário, ao fim da vida seremos entregues ao juiz  (Deus), nos colocará na “prisão” (Purgatório); dali não sairemos até  termos pago à justiça divina toda nossa dívida, “até o último centavo”.  Mas um dia haveremos de sair. A condenação neste caso não é eterna. A  mesma parábola está´ em
Mt 5, 22-26: “Assume logo uma atitude  reconciliadora com o teu adversário, enquanto estás a caminho, para não  acontecer que o adversário te entregue ao juiz e o juiz ao oficial de  justiça e, assim, sejas lançado na prisão. Em verdade te digo: dali não  sairás, enquanto não pagares o último centavo” . A chave deste  ensinamento se encontra na conclusão deste discurso de Jesus: “serás  lançado na prisão”, e dali não se sai “enquanto não pagar o último  centavo”.
6 - A Passagem de São Pedro 1Pe 3,18-19; 4,6, indica-nos  também a realidade do Purgatório:”
Pois também Cristo morreu uma vez  pelos nossos pecados (…) padeceu a morte em sua carne, mas foi  vivificado quanto ao espírito. É neste mesmo espírito que ele foi pregar  aos espíritos que eram detidos na prisão, aqueles que outrora, nos dias  de Noé, tinham sido rebeldes (…).” Nesta “prisão” ou “limbo” dos  antepassados, onde os espíritos dos antigos estavam presos, e onde Jesus  Cristo foi pregar durante o Sábado Santo, a Igreja viu uma figura do  Purgatório. O texto indica que Cristo foi pregar “àqueles que outrora,  nos dias de Noé, tinham sido rebeldes”. Temos, portanto, um “estado”  onde as almas dos antepassados aguardavam a salvação. Não é um lugar de  tormento eterno, mas também não é um lugar de alegria eterna na presença  de Deus, não é o céu. È um “lugar” onde os espíritos aguardavam a  salvação e purificação comunicada pelo próprio Cristo Aqueles que morrem na graça e na amizade de Deus, mas imperfeitamente  purificados, estão certos da sua salvação eterna, todavia sofrem uma  purificação após a morte, afim de obter a santidade necessária para  entrar na alegria do céu” (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, §1030).           O grande doutor da Igreja, São Francisco de Sales (1567´1655),  tem um ensinamento maravilhoso sobre o purgatório. Ele ensinava, já na  idade média, que “é preciso tirar mais consolação do que temor do  pensamento do Purgatório”. Eis o que ele nos diz:
1 ´ As almas alí vivem  uma contínua união com Deus.
2 ´ Estão perfeitamente conformadas com a  vontade de Deus. Só querem o que Deus quer. Se lhes fosse aberto o  Paraíso, prefeririam precipitar´se no inferno a apresentar´se manchadas  diante de Deus.
3 ´Purificam´se voluntariamente, amorosamente, porque  assim o quer Deus.
4 ´ Querem permanecer na forma que agradar a Deus e  por todo o tempo que for da vontade Dele.
5 ´ São invencíveis na prova e  não podem ter um movimento sequer de impaciência, nem cometer qualquer  imperfeição.
6´ Amam mais a Deus do que a si próprias, com amor  simples, puro e desinteressado.
7 ´ São consoladas pelos anjos.
8 ´  Estão certas da sua salvação, com uma esperança inigualável
9 ´ As suas  amarguras são aliviadas por uma paz profunda.
10 ´ Se é infernal a dor  que sofrem, a caridade derrama´lhes no coração inefável ternura, a  caridade que é mais forte do que a morte e mais poderosa que o inferno.
11 ´ O Purgatório é um feliz estado, mais desejável que temível, porque  as chamas que lá existem são chamas de amor. ( Extraído do livro O  Breviário da Confiança, de Mons. Ascânio Brandão, 4a. ed. Editora  Rosário, Curitiba, 1981)