“O empenho com que os demônios trabalham na nossa ruína, deve excitar o nosso zelo, em assegurarmos a salvação. Ó, como esses inimigos terríveis porfiam em perder um padre! Ambicionam com mais ardor a perda dum padre, que a de cem seculares, não só porque a vitória alcançada sobre um padre é para eles um triunfo mais brilhante, mas porque um padre na sua queda arrasta muitos outros desgraçados para o abismo.”
- Santo Afonso de Ligório, A Selva
O mal da tibieza no Padre, III
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O sacerdote não pode contentar-se com evitar os pecados graves
Santo Afonso de Ligório
Dirá talvez o padre tíbio: basta-me que não cometa pecados mortais e que me salve. — Basta que vos salveis? Não, responde Sto. Agostinho: visto que sois padre, estais obrigado a trilhar o caminho estreito da perfeição; se seguirdes pela via larga da tibieza, não vos salvareis. “Se dizeis: Basta, estais perdido”. Segundo S. Gregório, quem é chamado a salvar-se como santo, e quer salvar-se como imperfeito, não se salvará. Foi precisamente o que o Senhor fez ouvir um dia à bem-aventurada Angela de Foligno, falando-lhe assim: “Aqueles a quem dou luzes para caminharem na via da perfeição, e degradam a sua alma, querendo seguir pela via comum, serão abandonados em mim”.
Como vimos acima, é certo que o sacerdote é obrigado a tornar-se santo, quer pela sua qualidade de amigo e ministro de Deus, quer em razão das funções augustas que exerce, não só quando oferece o sacrifício da missa, mas quando se apresenta como mediador dos homens, diante da sua divina majestade, e quando santifica as almas mediante os sacramentos; porque é para o fazer caminhar na perfeição que o Senhor o cumula de graças e socorros especiais. Em presença disto, quando ele quer exercer com negligência o seu ministério, no meio de defeitos e faltas sem número, que não pensa em detestar, provoca a maldição de Deus: “Maldito o que faz a obra de Deus com negligência”. Esta maldição significa o abandono de Deus, diz Sto. Ambrósio. Costuma o Senhor abandonar essas almas que, depois de terem sido mais favorecidas com as suas graças, não cuidam de atingir a perfeição a que são chamadas. Quer Deus que os seus ministros o sirvam com o fervor dos serafins, escreve um autor; de contrário, há de retirar-lhes as suas graças e permitir que adormeçam na tibieza, para dali caírem primeiro no abismo do pecado, e depois no do inferno.
O padre tíbio, acabrunhado sob o peso de tantas faltas veniais e de tantas afeições desordenadas, permanece como que mergulhado num estado de insensibilidade. As graças recebidas e as obrigações do sacerdócio já o não tocam; por isso o Senhor na sua justiça o privará dos socorros abundantes, que lhe seriam moralmente necessários, para se desempenhar os deveres do seu estado. Assim irá de mal a pior; cada dia aumentarão os seus defeitos e também a sua cegueira. Havia Deus de prodigalizar as suas graças a quem se mostra avaro com ele? Não, diz o Apóstolo: “quem pouco semeia, pouco colhe”.
Declarou o Senhor que aumentará os seus favores aos que lhe testemunham reconhecimento e conservam as suas graças, mas tirará aos ingratos o que primeiro lhes tinha dado.
Noutra parte diz que, o senhor da vinha, quando não tira fruto dela, trata de a confiar a outros vinhateiros, e castiga os primeiros. Depois ajunta: “Por isso vos declaro que o reino de Deus vos será tirado, para ser dado a uma nação que colha fruto dele”. Significa que Deus tirará do mundo o padre tíbio, ao qual havia confiado o cuidado do seu reino, isto é, que tinha encarregado de trabalhar na sua glória, e que dará esse encargo a outros, que lhe sejam reconhecidos e fiéis.
Deve procurar-se na tibieza a razão por que muitos padres colhem pouco fruto, de tantos sacrifícios que oferecem a Deus, de tantas comunhões que fazem, e de tantas orações que recitam no Ofício e na Missa. “Semeastes muito e colhestes pouco… e o que tinha recebido o salário do seu trabalho, lançou-o num saco roto”. Tal é o padre tíbio: os seus exercícios espirituais lança-os ele todos num saco furado, quer dizer que não lhe resta nenhum merecimento; antes, ao fazê-los dum modo tão defeituoso se torna digno de castigo. Não, o padre que vive na tibieza não está longe da sua perda. Segundo Pedro de Blois, deve o coração do padre ser um altar em que não cesse de arder o fogo do amor divino. Mas que sinal de amor ardente dá a Deus esse padre, que se contenta com evitar os pecados mortais e não teme desagradar a Deus com as faltas veniais? Como observa o Pe. Alvarez de Paz, o sinal que dá é antes o de um amor bem tíbio.
Para fazer um bom padre não bastam apenas graças comuns e pouco numerosas; requerem-se graças muito especiais e abundantes. Ora, como quereria Deus prodigalizar os seus favores a quem se pôs a seu serviço, e depois o serve mal? Santo Inácio de Loyola chamou um dia um irmão leigo da sua Companhia, que passava uma vida muito tíbia, e falou-lhe assim: “Dize-me, irmão meu, que vieste fazer à religião?” Ele respondeu-lhe: “Vim para servir a Deus”. “Ah, meu irmão, replicou o Santo, que disseste? Se me tivesses respondido que foi para servir um cardeal, um príncipe da terra, terias mais desculpa; mas, visto que vistes para servir a Deus, — é assim que o serves?
Todo o sacerdote entra na corte, não dum príncipe da terra, mas noutra muito mais alta, — a dos amigos de Deus, onde se tratam continuamente e em confidência os negócios mais importantes para a glória da soberana Majestade. Donde procede que um padre tíbio mais desonra do que honra a Deus; porque dá a entender, pela sua conduta negligente e cheia de defeitos, que o Senhor não merece ser servido e amado com mais diligência; que, procurando agradar-lhe, não encontra prêmio que o faça bastante feliz; e que a sua divina Majestade não é digna dum amor tal, que nos obrigue a preferir a sua glória a todas as nossas satisfações.
Santo Afonso de Ligório, A Selva
O mal da tibieza no Padre, II
O mal da tibieza no Padre, II