Carta de um missionário de Angola
Por Nieves San Martín
LUANDA, segunda-feira, 31 de maio de 2010 (
ZENIT.org).- “Sou um simples sacerdote católico. Sinto-me feliz e orgulhoso pela minha vocação. Vivo em Angola como missionário há vinte anos.” Assim começa a carta que o missionário salesiano uruguaio Martín Lasarte enviou ao New York Times sem obter resposta. Na carta, explica o trabalho silencioso a favor dos mais desfavorecidos da maioria dos sacerdotes da Igreja Católica que, contudo, “não é notícia”.
Na carta remetida a ZENIT pelo Pe. Martín Lasarte, ele explica que a enviou dia 6 de abril ao jornal nova-iorquino e desde então não obteve resposta. Nela, expressa seus sentimentos diante da onda midiática despertada pelos abusos de alguns sacerdotes, enquanto pouco surpreende o interesse que desperta nos meios o trabalho cotidiano de milhares e milhares de sacerdotes.
“É doloroso muito saber que as pessoas que deveriam ser sinais de amor de Deus tenham sido um punhal na vida de inocentes. Não há palavra que justifique tais atos. Não há dúvida de que a Igreja está do lado dos fracos, dos mais indefesos. Portanto, todas as medidas que forem tomadas para a proteção e prevenção da dignidade das crianças serão sempre uma prioridade absoluta”, afirma em sua carta.
Contudo, destaca, “é curiosa a pouca noticiabilidade e desinteresse por milhares e milhares de sacerdotes que trabalham em prol dos milhões de crianças, adolescentes e demais desfavorecidos nos quatros cantos do mundo”.
“Penso que para seu meio de informação não interessa as muitas crianças desnutridas que tive de carregar por caminhos minados em 2002 desde Cangumbe a Luena (Angola), pois nem o governo se dispunha a fazer isso, e as ONGs não estavam autorizadas; tive de enterrar dezenas de pequenos, falecidos entre os deslocados pela guerra e os que retornaram; que salvamos a vida de milhares de pessoas no México mediante o único posto médico a 90 mil km de distância, assim como a distribuição de alimentos e sementes; que demos a oportunidade de educação nestes 10 anos e escolas a mais de 110 mil pequenos…”, afirma.
“Não é de interesse – destaca – que ,como outros sacerdotes, tivemos de socorrer a crise humanitária de cerca de 15 mil pessoas nos quartéis da guerrilha, depois de sua rendição, porque não chegavam os alimentos do governo e da ONU.”
E, em seguida, enumera uma série de ações, muitas vezes em situação de risco ou perda de vida, por seus companheiros que são ignoradas pela mídia.
“Não é notícia um sacerdote de 75 anos, Pe. Roberto, que vai até as cidades de Luanda curando os meninos da rua, levando-os a uma casa de recuperação, para que se desintoxiquem; que alfabetiza centenas de presos; e outros sacerdotes, maltratados e até violentados e buscam um refúgio. Menos ainda que o Frei Maiato, com seus 80 anos, passe de casa em casa confortando os doentes e desesperados.”
“Não é notícia que mais de 60 mil, dos 400 mil sacerdotes e religiosos, deixaram sua terra e sua família para servir seus irmãos em leprosários, hospitais, campos de refugiados, orfanatos para crianças acusadas de bruxaria ou órfãos de pais que faleceram com Aids, em escolas para os mais pobres, em centros de formação profissional, em centros de atenção a portadores do HIV… ou sobretudo em paróquias e missões, dando motivações para as pessoas viverem e amarem.”
“Não é notícia que meu amigo, Pe. Marcos Aurélio, por salvar alguns jovens durante a guerra na Angola, transportou-os de Calulo a Dondo e, voltando à sua missão, foi morto no caminho; que o irmão Francisco, com cinco senhoras catequistas, por ir ajudar as áreas rurais mais escondidas, foram mortos em um acidente na estrada; que dezenas de missionários na Angola morreram por falta de socorro sanitário, por uma simples malária; que outros voaram pelo céu, por motivo de minas terrestres, visitando seus povos. No cemitério de Kalulo estão os túmulos dos primeiros sacerdotes que chegaram à região… Nenhum deles passou dos 40 anos.”
“Não é notícia acompanhar a vida de um sacerdote ‘normal’ em seu dia-a-dia, em suas dificuldades e alegrias, consumindo sem barulho sua vida a favor da comunidade à qual serve.”
“A verdade é que não procuramos ser notícia, mas simplesmente levar a Boa Notícia, essa notícia que sem barulho começou na noite de Páscoa. Há mais ruído por uma árvore que cai do que por um bosque que cresce”, destaca.
“Não pretendo fazer uma apologia da Igreja e dos sacerdotes – afirma. O sacerdote não é nenhum herói nem um neurótico. É um simples homem que, com sua humanidade, busca seguir Jesus e servir seus irmãos. Há miséria, pobreza e fragilidade, como em cada ser humano; e também beleza e bondade, como em cada criatura…”
“Insistir na perseguição obsessiva em um tema, perdendo a visão de conjunto, cria verdadeiramente caricaturas ofensivas do sacerdócio católico, nas quais me sinto ofendido”, afirma.
E conclui: “Só lhe peço, amigo jornalista, que busque a Verdade, o Bem e a Beleza. Isso o tornará nobre em sua profissão”.