Por Francisco Fernández Carvajal
I. O SENTIDO DA FILIAÇÃO divina, efeito do dom de piedade, move-nos a tratar a Deus com a ternura e o carinho de um bom filho para com seu pai, e a considerar e tratar os outros homens como irmãos que pertencem à mesma família.
O Antigo Testamento manifesta este dom de forma muito variada, especialmente nas preces que o Povo eleito dirige constantemente a Deus: louvores e súplicas, sentimentos de adoração perante a infinita grandeza divina, confidências íntimas em que expôe com toda a simplicidade ao Pai celestial as suas alegrias e angústias, a sua esperança... De modo especial, os Salmos são um compêndio de todos os sentimentos que embargam a alma no seu trato confiante com o Senhor.
Ao chegar a plenitude dos tempos, Jesus Cristo ensinou-nos qual havia de ser o tom adequado para nos dirigirmos a Deus. Quando orardes, haveis de dizer: Pai...1 Em todas as circunstâncias da vida, devemos dirigir-nos a Deus com esta confiança filial: Pai, Abba... É uma palavra – abba – que o Espírito Santo quis deixar-nos em arameu em diversos lugares do Novo Testamento, e que era a forma carinhosa com que as crianças hebréias se dirigiam a seu pai. Este sentimento define a nossa atitude e matiza a nossa oração. Deus “não é um ser longínquo, que contemple com indiferença a sorte dos homens, seus anseios, suas lutas, suas angústias. É um Pai que ama os seus filhos até o extremo de lhes enviar o Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, para que, pela sua encarnação, morra por eles e os redima; o mesmo Pai amoroso que agora nos atrai suavemente a Si, mediante a ação do Espírito Santo que habita em nossos corações”2.
Deus quer que o tratemos com total confiança, como filhos pequenos e necessitados. Toda a nossa piedade alimenta-se desta realidade: somos filhos de Deus. E o Espírito Santo, mediante o dom de piedade, ensina-nos e facilita-nos esse trato confiante de um filho com seu Pai.
Considerai com que amor o Pai nos amou, querendo que sejamos chamados filhos de Deus. E nós o somos de fato3. “É como se depois das palavras que sejamos chamados filhos de Deus, São João tivesse feito uma longa pausa, enquanto o seu espírito penetrava profundamente na imensidade do amor que o Pai nos teve, não se limitando a chamar-nos simplesmente filhos de Deus, mas tornando-nos seus filhos no sentido mais autêntico. Isto é o que faz São João exclamar: E nós o somos de fato”4. O Apóstolo convida-nos a considerar o imenso bem da filiação divina que recebemos com a graça do Batismo, e anima-nos a secundar a ação do Espírito Santo que nos impele a tratar o nosso Pai-Deus com inefável confiança e ternura.
II. ESTA CONFIANÇA FILIAL manifesta-se sobretudo na oração que o próprio Espírito Santo suscita em nossos corações. O Espírito Santo ajuda a nossa fraqueza, porque, não sabendo o que devemos pedir nem como convém orar, o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis5. Graças a essas moções, podemos dirigir-nos a Deus no tom adequado, numa oração rica e de matizes tão variados como a vida. Umas vezes, falaremos ao nosso Pai-Deus numa queixa familiar: Por que escondes o teu rosto?6; outras, exporemos os nossos desejos de maior santidade: Procuro-Te com ardor. A minha alma está sedenta de Ti, e a minha carne anela por Ti como terra árida e sequiosa, sem água7; ou a nossa união com Ele: Fora de Ti, nada mais me atrai na terra8; ou a esperança incomovível na sua misericórdia: Tu és o meu Deus e Salvador, em Ti espero sempre9.
Este afeto filial do dom de piedade manifesta-se também nas súplicas que dirigimos ao Senhor, pedindo-lhe as coisas de que precisamos como filhos necessitados, até que no-las conceda. É uma atitude de confiança no poder da oração, que nos faz sentir seguros, firmes, audazes, que afasta a angústia e a inquietação daqueles que somente se apoiam nas suas forças.
O cristão que se deixa conduzir pelo espírito de piedade sabe que seu Pai-Deus quer o melhor para cada um dos seus filhos e que nos preparou todas as coisas para o nosso maior bem. Por isso sabe também que a felicidade consiste em ir conhecendo o que Deus quer de nós em cada momento e em realizá-lo sem dilações nem atrasos. Desta confiança na paternidade divina nasce a serenidade, mesmo no meio das coisas que parecem um mal irremediável, pois contribuem para o bem dos que amam a Deus10. O Senhor nos mostrará um dia por que foi conveniente aquela humilhação, aquele revés econômico, aquela doença...
Este dom do Espírito Santo permite ainda que se cumpram os deveres de justiça e os ditames da caridade com presteza e facilidade. Ajuda-nos a ver os demais homens como filhos de Deus, criaturas que têm um valor infinito porque Deus os ama com um amor sem limites e os redimiu com o Sangue do seu Filho derramado na Cruz. Anima-nos a tratar com imenso respeito os que estão ao nosso redor, a compadecer-nos das suas necessidades e a procurar remediá-las; a julgá-los sempre com benignidade, dispostos também a perdoar-lhes facilmente as ofensas que nos façam, pois o perdão generoso e incondicional é um bom distintivo dos filhos de Deus. Mais do que isso, o Espírito Santo faz-nos ver nos outros o próprio Cristo: Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequenos, foi a mim mesmo que o fizestes11.
III. O DOM DE PIEDADE move-nos ao amor filial à nossa Mãe do Céu, a quem procuramos tratar com o mais terno afeto; à devoção aos anjos e santos, especialmente aos que exercem um especial patrocínio sobre nós12; à oração pelas almas do purgatório, como almas queridas e necessitadas dos nossos sufrágios; ao amor ao Papa, como Pai comum de todos os cristãos...
A virtude da piedade, que é aperfeiçoada por este dom, move-nos também a prestar honra e reverência a todos os que estão constituídos legitimamente em autoridade, às pessoas mais velhas (como Deus premiará a nossa solicitude para com os idosos!), e em primeiro lugar aos pais. A paternidade humana é uma participação e um reflexo da de Deus, da qual, como diz o Apóstolo, procede toda a paternidade no céu e na terra13. “Eles nos deram a vida, e deles se serviu o Altíssimo para nos comunicar a alma e o entendimento. Eles nos instruíram na religião, no relacionamento humano e na vida civil, e nos ensinaram a manter uma conduta íntegra e santa”14.
O dom de piedade estende-se aos atos da virtude da religião e ultrapassa-os15. Mediante este dom, o Espírito Santo dá vigor e impulso a todas as virtudes que de um modo ou de outro se relacionam com a justiça. A sua ação abarca todas as nossas relações com Deus, com os anjos, com os homens e mesmo com as coisas criadas, “consideradas como bens familiares da Casa de Deus”16: o dom de piedade anima-nos a tratá-las com respeito pela sua relação com o Criador.
Movido pelo Espírito Santo, o cristão lê com amor e veneração a Sagrada Escritura, que é como uma carta que seu Pai lhe envia do Céu: “Nos livros sagrados, o Pai que está nos céus vem amorosamente ao encontro dos seus filhos para conversar com eles”17. E trata com carinho as coisas santas, sobretudo as que se prendem com o culto divino.
Entre os frutos que o dom de piedade produz nas almas dóceis às graças do Paráclito, contam-se, enfim, a serenidade em todas as circunstâncias; o abandono cheio de confiança na Providência, porque, se Deus cuida de todas as coisas criadas, muito maior ternura manifestará para com os seus filhos18; a alegria, que é uma característica própria dos filhos de Deus: “Que ninguém leia tristeza nem dor na tua cara, quando difundes pelo ambiente do mundo o aroma do teu sacrifício: os filhos de Deus têm que ser sempre semeadores de paz e de alegria”19.
Se considerarmos muitas vezes ao dia que somos filhos de Deus, o Espírito Santo irá fomentando em nós, cada vez mais, este trato filial e confiante com o nosso Pai do Céu.
(1) Lc 11, 2; (2) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 84; (3) 1 Jo 3, 1; (4) B. Perquin, Abba, padre, Rialp, Madrid, 1986, pág. 9; (5) Rom 8, 26; (6) cfr. Sl 43, 25; (7) Sl 52, 2; (8) Sl 72, 25; (9) Sl 34, 5; (10) cfr. Rom 8, 28; (11) Mt 25, 40; (12) cfr. São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 121; (13) Ef 3, 15; (14) Catecismo Romano, III, 5, 9; (15) cfr. M. M. Philipon, Los dones del Espíritu Santo, pág. 300; (16) ib.; (17) Conc. Vat. II, Const. Dei Verbum, 21; (18) cfr. Mt 6, 28; (19) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 59.
Fonte: hablarcondios.org