Por Francisco Fernández Carvajal I. NINGUÉM TEM MAIOR AMOR do que aquele que dá a vida pelos seus amigos. Vós sois meus amigos [...]. Já não vos chamo servos [...], mas chamei-vos amigos1, diz-nos o Senhor no Evangelho da Missa.
Jesus é o nosso Amigo. NEle os Apóstolos encontraram a sua melhor amizade. Era alguém que os amava, a quem podiam comunicar as suas penas e alegrias, a quem podiam fazer perguntas com toda a confiança. Sabiam bem o que Ele desejava exprimir quando lhes dizia: Amai-vos uns aos outros... como eu vos amei2. As irmãs de Lázaro não encontraram melhor título que o da amizade para solicitarem a sua presença: o teu amigo está doente3, mandam dizer-lhe, cheias de confiança.
Jesus procurou a amizade de todos os que encontrou pelos caminhos da Palestina. Aproveitava sempre o diálogo para chegar ao fundo das almas e cumulá-las de amor. E, além do seu infinito amor por todos os homens, ofereceu a sua amizade a pessoas bem determinadas: aos Apóstolos, a José de Arimatéia, a Nicodemos, a Lázaro e à sua família... Não negou ao próprio Judas o honroso título de amigo, precisamente no momento em que este o entregava às mãos dos seus inimigos. Estimava muito a amizade dos seus amigos; depois da tríplice negação, perguntará a Pedro: Amas-me?4, és meu amigo?, posso confiar em ti? E entrega-lhe a Igreja: Apascenta os meus cordeiros..., apascenta as minha ovelhas.
“Cristo, Cristo ressuscitado, é o companheiro, o Amigo. Um companheiro que se deixa ver apenas entre sombras, mas cuja realidade inunda toda a nossa vida e nos faz desejar a sua companhia definitiva”5. Ele, que compartilhou a nossa natureza, quer compartilhar também os nossos fardos: Eu vos aliviarei6, diz a todos. É o mesmo que deseja ardentemente que partilhemos da sua glória por toda a eternidade.
Jesus Cristo é o Amigo que nunca atraiçoa7; quando vamos vê-lo, falar-lhe, está sempre disponível, dá-nos as boas-vindas sempre com o mesmo calor, ainda que nos veja frios ou distraídos. Ele ajuda sempre, anima sempre, consola em qualquer ocasião.
II. A AMIZADE COM O SENHOR, que nasce e cresce pela oração e pela digna recepção dos sacramentos, faz-nos entender melhor o significado da amizade humana, que a Sagrada Escritura qualifica como um tesouro: Um amigo fiel é uma proteção poderosa; quem o achou descobriu um tesouro. Nada é comparável a um amigo fiel; seu preço é incalculável8.
Compreende-se bem que o trato diário e a amizade com Jesus Cristo nos aumentem a capacidade de ter amigos, pois fomentam em nós uma atitude aberta: a oração afina a alma e torna-a especialmente apta para compreender os outros, aumenta a generosidade, o otimismo, a cordialidade na convivência, a gratidão..., e essas virtudes facilitam ao cristão o caminho da amizade.
A verdadeira amizade é sempre desinteressada, pois consiste mais em dar do que em receber; não procura o proveito próprio, mas o do amigo: “O amigo verdadeiro não pode ter duas caras para o seu amigo; a amizade, se deve ser leal e sincera, exige renúncia, retidão, troca de favores, de serviços nobres e lícitos. O amigo é forte e sincero na medida em que, de acordo com a prudência sobrenatural, pensa generosamente nos outros, com sacrifício pessoal. Do amigo espera-se correspondência ao clima de confiança que se estabelece na verdadeira amizade; espera-se o reconhecimento do que somos e, quando necessário, a defesa clara e sem paliativos”9.
Para que haja uma amizade verdadeira, é necessário que o afeto e a benevolência sejam mútuos10. E então tenderá sempre a tornar-se mais forte: não se deixará corromper pela inveja, não arrefecerá pelas suspeitas, crescerá na dificuldade11, “até fazer sentir o amigo como outro eu. Por isso diz Santo Agostinho: Retratou bem o seu amigo aquele que o chamou metade da sua alma”12. Então compartilham-se com naturalidade as alegrias e as penas.
A amizade é um bem humano e, ao mesmo tempo, ocasião de desenvolver muitas virtudes humanas, porque cria “uma harmonia de sentimentos e gostos que prescinde do amor dos sentidos, desenvolvendo, por outro lado, até graus muito elevados, e mesmo até o heroísmo, a dedicação do amigo ao amigo. Pensamos – ensinava Paulo VI – que os encontros [...] são uma oportunidade para que as almas nobres e virtuosas gozem desta relação humana e cristã que se chama amizade. Ela pressupõe e desenvolve a generosidade, o desinteresse, a simpatia, a solidariedade e, especialmente, a possibilidade de sacrifícios mútuos”13.
O bom amigo não desaparece nas dificuldades, não atraiçoa; nunca fala mal do amigo nem permite que, quando ausente, seja criticado, porque toma a sua defesa. Amizade é sinceridade, confiança, compartilhar penas e alegrias, animar, consolar, ajudar com o exemplo.
III. AO LONGO DOS SÉCULOS, a amizade foi um caminho pelo qual muitos homens e mulheres se aproximaram de Deus e alcançaram o Céu. É um caminho natural e simples, que elimina muitos obstáculos e dificuldades. O Senhor conta com freqüência com esse meio para se dar a conhecer. Os primeiros que o conheceram foram comunicar a boa notícia àqueles que amavam. André trouxe Pedro, seu irmão; Filipe trouxe o seu amigo Natanael; e foi João com certeza quem levou ao Senhor o seu irmão Tiago...
Assim se difundiu a fé em Cristo na primitiva cristandade: através dos irmãos, de pais para filhos, de filhos para pais, do servo para o seu amo e vice-versa, de amigo para amigo. A amizade é uma base excepcional para dar a conhecer Cristo, porque é o meio natural de comunicar sentimentos, de partilhar confidências com os que estão junto de nós por razões de família, trabalho, inclinações...
É próprio da amizade dar ao amigo o melhor que se possui. O nosso valor mais alto, sem comparação possível, é termos encontrado o Senhor. Não teríamos verdadeira amizade pelos nossos amigos se não lhes comunicássemos o imenso dom que é a nossa fé cristã. Em cada um de nós, cristãos que queremos seguir o Senhor de perto, os nossos amigos devem encontrar apoio, fortaleza e um sentido sobrenatural para as suas vidas. A certeza de encontrarem em nós compreensão, interesse, atenção, animá-los-á a abrir o coração confiadamente, cientes de que são estimados, de que estamos dispostos a ajudá-los. E isto enquanto realizamos as nossas tarefas diárias, procurando ser exemplares na profissão ou no estudo, permanecendo abertos ao convívio com todos, movidos pela caridade.
A amizade leva-nos a iniciar os nossos amigos numa verdadeira vida cristã, se estão longe da Igreja, ou a fazê-los reempreender o caminho que um dia abandonaram, se deixaram de praticar a fé que receberam. Com paciência e constância, sem pressas, sem pausas, irão aproximando-se do Senhor, que os espera. Haverá ocasiões em que poderemos fazer juntamente com eles uns minutos de oração, praticar juntos uma obra de misericórdia visitando um doente ou uma pessoa necessitada; pedir-lhes que nos acompanhem numa breve visita a Jesus sacramentado... Quando for oportuno, falar-lhes-emos do sacramento da misericórdia divina, a Confissão, e os ajudaremos a preparar-se para recebê-lo.
Quantas confidências ao abrigo da amizade são caminhos abertos pelo Espírito Santo para um apostolado fecundo! “Essas palavras que tão a tempo deixas cair ao ouvido do amigo que vacila; a conversa orientadora que soubeste provocar oportunamente; e o conselho profissional que melhora o seu trabalho universitário; e a discreta indiscrição que te faz sugerir-lhe imprevistos horizontes de zelo... Tudo isso é «apostolado da confidência»”14.
O Senhor deseja que tenhamos muitos amigos porque o seu amor pelos homens é infinito e a nossa amizade é um instrumento para chegar a eles. Quantas pessoas com quem estamos em contacto todos os dias esperam, mesmo sem o perceberem, que lhes chegue a luz de Cristo! Que alegria de cada vez que um amigo nosso se torna amigo do Amigo!
Jesus, que passou fazendo o bem15 e conquistou o coração de tantas pessoas, é o nosso Modelo. Assim devemos nós passar pela família, pelo trabalho, pelos vizinhos, pelos amigos. Hoje é um dia oportuno para que nos perguntemos se as pessoas das nossas relações se sentem animadas pelo nosso exemplo e pela nossa palavra a aproximar-se do Senhor; se nos preocupamos pelas suas almas, se se pode dizer de verdade que, como Jesus, estamos passando pelas suas vidas fazendo o bem.
(1) Jo 15, 13-15; (2) Jo 13, 14; (3) Jo 11, 3; (4) Jo 21, 16; (5) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 116; (6) Mt 11, 28; (7) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 88; (8) Eclo 6, 14; (9) Josemaría Escrivá, Carta, 11-III-1940, citado por J. Cardona, em Gran Enciclopedia, Rialp, voz Amistad II; (10) cfr. São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 23, a. 1; (11) cfr. Beato Elredo, Trat. sobre la amistad espiritual, 3; (12) São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 28, a. 1; (13) Paulo VI, Alocução, 26-VII-1978; (14) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 973; (15) At 10, 38.
Fonte: http://www.hablarcondios.org/pt/meditacaodiaria.asp