Foi nessa ocasião que o Cardeal Morone sugeriu para generalíssimo dos exércitos cristãos o nome do irmão bastardo de Filipe II, D. João d’Áustria, o qual se havia distinguido extraordinariamente na guerra contra os mouros no norte da África. Chegou-se enfim ao acordo de que o Papa tomaria a iniciativa de convocar outros príncipes, e especialmente o Imperador; que nenhum dos confederados poderia ajustar a paz; e que o Pontífice deveria ser o supremo juiz nos litígios da Liga.
Fez-se então um esboço dos itens do acordo. Enquanto isso os espanhóis consultavam seu Rei sobre se as três esquadras — espanhola, pontifícia e veneziana — deviam ser unificadas num só corpo. Em fins de julho Veneza aceitava D. João como generalíssimo, e dias depois era apresentado ao Pontífice o projeto da Liga.
A perda de tempo com as reivindicações de vantagens e com as disputas sobre pontos de vista divergentes já se fazia sentir. Enquanto a peste dizimava a esquadra veneziana, em setembro os turcos atacavam a Ilha de Chipre e sitiavam Nicósia, a qual caía depois de 48 dias de resistência heróica.
O desânimo começava a espalhar-se pela Cristandade. Quando Granvela chegou a dizer ao Papa que os turcos eram excessivamente fortes, e que talvez só pudessem ser vencidos se atacados em diversas frentes, incluindo a África, a Albânia e a Hungria, São Pio V, tomado de forte emoção e com lágrimas nos olhos, retrucou-lhe que a culpa disso era dos príncipes católicos, os quais deviam arrepender-se de sua atitude antes que fosse tarde demais, e só expiariam sua falta se se resolvessem afinal a unir-se na defesa da causa da Cristandade. Falou ainda de São Ladislau e de Scanderbeg, na Polônia e na Albânia, como exemplos da força dos que põem sua confiança na poderosa justiça do Altíssimo. Que se armassem e se unissem, pois Deus os ajudaria: sua causa era a de Deus.
No fim do ano o Papa resolveu escrever uma carta de próprio punho a Filipe II. Nela o Pontífice traduzia suas mais amargas queixas. Dizia que, depois que se tinha conseguido contornar as últimas dificuldades com os venezianos, eram os comissários espanhóis que procuravam entravar a conclusão da aliança. Qualificava essa atitude de estranha e suspeita. Tendo intimado o Núncio de Madrid — o qual devia entregar a missiva — a não aceitar evasivas do Rei, Pio V aguardou com sublime paciência a resposta. Enquanto isso, chegavam as piores notícias: Os turcos sitiavam Famagusta, ameaçavam Corfu e Ragusa; o Núncio em Veneza, Facchinetti, anunciava em fevereiro de 1571 que, se não se ultimasse imediatamente a Liga, havia perigo de que a Senhoria ajustasse as pazes com a Sublime Porta, ainda que à custa da perda de Chipre.
"Qui seminant in lacrimis, in exsultatione metent"
"Quem semeia nas lágrimas, colhe na alegria" — diz o Salmo do real Profeta (Sl.125,5). Os sofrimentos morais do Santo Padre iriam encontrar o consolo merecido.
Em março chegaram, com diferença de dias, as respostas do Rei da Espanha e do Doge de Veneza. Havia ainda algumas graves discordâncias, mas um último esforço dos auxiliares do Papa superou-as. Afinal, em meados de maio, do rigoroso segredo em que se desenvolviam as tratativas emergiu a boa nova: estava concluída a Santa Liga. A aliança ajustada entre o Papa, o Rei da Espanha e a República de Veneza devia ser estável, ter caráter ofensivo e defensivo e dirigir-se não somente contra o sultão, mas também contra seus Estados tributários: Argel, Túnis e Trípoli.
A tríplice aliança contaria com duzentas galeras, cem transportes, 50 mil infantes espanhóis, italianos e
alemães, 4.500 cavalos ligeiros e o número de canhões necessário. Em cada outono se celebraria um convênio em Roma, sobre a campanha do ano seguinte. Espanha e Veneza deviam defender-se mutuamente em caso de ataque. O Papa arcaria com uma sexta parte dos gastos, a Espanha com três sextos, e Veneza com o restante. O generalíssimo D. João d’Áustria aconselhar-se-ia com os comandantes das tropas venezianas e pontifícias, e nas deliberações decidiria a maioria dos votos. O lugar-tenente de D. João seria o Príncipe Colonna. Era facultado ao Imperador e aos demais príncipes católicos ingressar na Liga.
O Sumo Pontífice transbordava de santa alegria. Publicou um Jubileu geral, para atrair as bênçãos do Deus das batalhas sobre o exército cristão. Tomou parte nas procissões rogatórias, que se realizaram ainda no mês de maio em Roma, e mandou cunhar uma medalha comemorativa.
Por tua mão será abatida a soberba do inimigo
Tratava-se agora de acelerar os preparativos da tríplice armada, acertar o ponto de encontro e os planos da batalha. Ao mesmo tempo o incansável São Pio V enviou legados ao Imperador e aos outros príncipes, a fim de instá-los a ingressarem na Liga.
Além disso, nomeara ele uma Congregação cardinalícia especialmente incumbida das providências da guerra. Um documento da época relata que naqueles dias só se viam soldados nas ruas da Cidade Eterna.
Em meados de junho a esquadra pontifícia fazia-se à vela para o sul, ancorando em Nápoles, onde devia encontrar-se com as naus espanholas. Já no mês anterior o Papa havia escrito uma carta a Filipe II, pedindo-lhe para apressar a partida de D. João, a fim de não se perder a boa ocasião.
Como os espanhóis tardassem para adiantar a empresa, os navios do Papa zarparam novamente em julho rumo a Messina, ponto convencionado para o encontro das três armadas. Poucos dias depois chegavam os venezianos, comandados pelo valoroso veterano Sebastião Veniero. Enquanto isso, vinham notícias de que o inimigo acuava Creta, Citera, Zanta e Cefalônia.
Como entre a nobreza de Roma, também entre os fidalgos da Espanha reinava vivo entusiasmo pela Cruzada, tendo-se alistado numerosos deles. Zarpando de Barcelona com 46 galeras, Dom João d’Áustria chegou a Gênova em meados de julho. Dali enviou um emissário a Veneza, a fim de comunicar que já estava a caminho de Messina, e outro ao Papa (o Rei Filipe II negara-lhe a permissão de passar por Roma), para agradecer a escolha para o posto de generalíssimo e escusar-se do atraso. Quando o representante do príncipe espanhol se despediu do Pontífice, este encarregou-o de dizer a D. João que se lembrasse sempre de que ia combater pela Fé católica, e de que por isso Deus lhe daria a vitória. Ao mesmo tempo o Papa enviou ao generalíssimo o estandarte da Liga.
O estandarte era de damasco de seda azul e ostentava a imagem do Crucificado, tendo aos pés as armas do Papa, da Espanha, de Veneza e de D. João. O Príncipe recebeu-o solenemente em Nápoles das mãos do Vice-Rei, o Cardeal Granvela, na Igreja de Santa Clara, com a presença de muitos nobres, entre os quais os príncipes de Parma e de Urbino. "Toma, ditoso Príncipe — disse-lhe o Cardeal — a insígnia do verdadeiro Verbo humanado. Toma o sinal vivo da santa Fé, da qual és o defensor nesta empresa. Ele te dará uma vitória gloriosa sobre o ímpio inimigo, e por tua mão será abatida sua soberba. Amém!" Um forte clamor ecoou da multidão que enchia a nave: "Amém! Amém!"
Vivamente angustiado ante as notícias do avanço turco, São Pio V mandou no dia 17 uma carta de próprio punho ao generalíssimo, exortando-o a sair sem demora ao encontro do inimigo. D. João zarpou então para Messina, onde foi recebido com júbilo indizível.
De uma formosura varonil, louro e de olhos azuis, no esplendor da juventude — tinha 24 anos de idade — profundamente aristocrático, o filho de Carlos V causou enorme impressão nos sicilianos que o estavam recepcionando. O porto, juncado de naus cristãs, assemelhava-se a uma floresta de mastros que balouçavam serenamente sobre o mar, à espera do momento em que deveriam singrar águas tintas de sangue. Era uma terrível ameaça para o inimigo e um irresistível chamado para aqueles novos cruzados.
Os soldados preparam-se por três dias de jejum
Nos primeiros conselhos de guerra, D. João empenhou-se em comunicar seu ardor aos setenta oficiais ali reunidos e em beneficiar-se, em troca, de sua prudência e maturidade. Mesmo aí, não deixou de haver alguns desentendimentos, que fizeram perder mais três semanas em deliberações.
Alguns generais achavam que a campanha iria ser meramente defensiva, dado o poderio do inimigo. Outros afirmavam que as naus turcas não eram muito eficientes. O próprio D. João mostrou-se hesitante, até que o Núncio Odescalchi, que viera distribuir partículas do Santo Lenho para que houvesse uma partícula em cada nau, comunicou ao Príncipe que o Pontífice lhe prometia em nome de Deus a vitória, por cima de todos os cálculos humanos. Mandava dizer que, se a esquadra se deixasse derrotar, iria ele mesmo à guerra, com seus cabelos brancos, para vergonha dos jovens indolentes.
D. João tomou uma série de medidas para preservar o caráter sacral da expedição. Proibiu a presença de mulheres a bordo e cominou pena de morte para as blasfêmias. Enquanto se esperava o regresso de uma esquadrilha de reconhecimento, todos jejuaram três dias, e nenhum dos 81 mil marinheiros e soldados deixou de confessar-se e comungar, o mesmo fazendo os condenados que remavam nas galeras. Jesuítas, franciscanos, capuchinhos, dominicanos, iam e vinham no meio daquela gente rude, para purificar os corações e preparar um exército verdadeiramente de cruzados.
Nos dias 16 e 17 de setembro, nos quais se deu a partida de Messina, o espetáculo foi deslumbrante. As naus começaram a mover-se duas a duas, encimadas por bandeiras cujas cores as distinguiam segundo a posição que assumiriam na batalha. À frente tremulavam as bandeiras verdes de Andrea Doria, o comandante dos espanhóis. Em seguida vinha a batalha ou centro, com suas bandeiras azuis, e o gonfalão de Nossa Senhora de Guadalupe sobre a nau de D. João d’Áustria. Os estandartes do Papa e da Liga ficaram guardados para o momento do embate. À direita da batalha vinha Marco Antonio Colonna na nau capitânia do Papa; à esquerda, o veneziano Sebastião Veniero, grande conhecedor das lides do mar, vigoroso com seus setenta anos, altivamente em pé na popa de sua nau.
A divisão de Veneza, comandada pelo nobre Barbarigo, seguia atrás, com bandeiras amarelas; as bandeiras brancas de D. Álvaro de Bazán, Marquês de Santa Cruz, fechavam aquele imponente cortejo naval. Uma figura toda vestida de púrpura destacava-se de entre a multidão reunida no porto. Era o Núncio papal, que dava a bênção a cada barco que passava, com seus cruzados piedosamente ajoelhados na ponte: nobres revestidos de armaduras refulgentes, soldados de variados uniformes, marinheiros de roupas e gorros vermelhos. Os remos compassados e as velas que se iam enfunando levavam-nos em demanda do inimigo da Fé. Na sua armadura dourada, terrível como um anjo vingador, avultava a figura de D. João d’Áustria, a quem o próprio São Pio V aplicaria depois da vitória o que o Evangelho diz de São João Batista: "Fuit homo missus a Deo, cui nomen erat Ioannes" — Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João (Jo. 1,6).
O estandarte da Liga é içado na nau capitânia
Deixando o estreito de Messina, as naus da Liga costearam o litoral da Calábria e da Apúlia, e de lá seguiram para a ilha de Corfu, depois para Gomenitsa, nas costas da Albânia, onde aportaram no último dia do mês de setembro.
Ao longo desse percurso foram encontrando sinais da passagem dos turcos: restos carbonizados de igrejas e casas, objetos de culto profanados, corpos dilacerados de sacerdotes, mulheres e crianças covardemente assassinadas. A inconformidade com o crime e o desejo de uma santa vingança faziam-se sentir no coração de todos os cruzados e revigoravam neles a vontade de lutar.
Nesse meio tempo os espias informaram que a esquadra inimiga estava ancorada em Lepanto, um porto localizado pouco mais ao sul, no estreito de igual nome, o qual liga o Golfo de Patras ao de Corinto. Tratava-se agora de tomar a iniciativa da luta, indo ao encalço do inimigo.
Feitos todos os preparativos para a batalha, no dia 6 de outubro os navios da Liga deixaram a costa da Albânia em direção a Cefalônia, ilha do Arquipélago Jônico situada defronte ao Golfo de Patras, ao fundo do qual se achavam os navios turcos. Foi aí que os católicos receberam a notícia de que Famagusta, capital de Chipre, caíra em poder do Crescente, e que o general Mustafá cometera as piores atrocidades com o comandante da praça, Marco Antonio Bragadino, a quem mandara esfolar vivo, e cuja pele cheia de palha fizera conduzir por toda a cidade. A narração dessas crueldades acendeu o ódio da tropa cristã, que ansiava por defrontar-se com os otomanos.
O embate já então era iminente, dada a proximidade em que se encontravam os dois exércitos. O vento soprava do Levante, o céu estava encoberto e o mar era cinzento e cheio de névoa naquele sexto dia do mês. Os católicos não sabiam que o vento que os detinha era o mesmo que convidava o inimigo a deixar seu refúgio em Lepanto, e assim tornava possível a batalha. Com efeito, se os turcos não se resolvessem a sair, seria muito difícil desalojá-los de seu reduto. O estreito de Lepanto era protegido por duas fortalezas, cujos canhões fariam grande estrago à armada da Liga. A noite caiu, envolta em um silêncio misteriosamente cheio de prenúncios.
Às duas horas da madrugada do domingo, 7 de outubro, um vento fresco vindo do poente limpou completamente o céu, prometendo um dia ensolarado. Antes do amanhecer, D. João mandou levantar âncoras e soltar as velas. Quando as naus cristãs, tendo passado pelo canal que ficava entre a ilha de Oxia e o cabo Scrofa, desembocavam no golfo de Patras, uma fragata ligeira mandada em reconhecimento veio ao seu encontro, com a informação de que a esquadra turca estava a poucas milhas de distância. A bandeira que devia sinalizar a presença do inimigo tremulou no mastro da capitânia vanguarda. Depois de uma rápida deliberação com Veniero, o generalíssimo ordenou que todos se dispusessem em ordem de batalha. Fez-se ouvir o troar de um canhão, enquanto era içado o estandarte da Santa Liga no mastro mais alto da galera capitânia.
"Aqui venceremos ou morreremos" — bradou D. João entusiasmado, ao acompanhar as evoluções da esquadra católica.
Seis pesadas galeras venezianas, comandadas por Francisco Duodo, rumaram lentamente para seus postos, na vanguarda. Como que no desejo de esmagar os otomanos num terrível amplexo, a esquadra católica procurou estender-se o quanto pôde, desde o litoral até o alto mar. À esquerda o veneziano Barbarigo, com 64 galeras, alargou seu flanco em direção ao litoral, para evitar um envolvimento dos inimigos pelo norte. Dom João comandava o centro, ladeado por Colonna e Veniero; o catalão Requeséns vinha um pouco mais atrás. A esquadra espanhola de Andrea Doria, com 60 naus, formava a ala direita, em direção ao mar alto. As 35 embarcações do Marquês de Santa Cruz aguardavam ordens à retaguarda, para uma eventual intervenção.
Também o almirante otomano — Kapudan-Pachá Muesinsade Ali, que passou à História como Ali-Pachá — dispôs sua esquadra para o combate. A ala direita, que devia defrontar-se com Barbarigo, compunha-se de 55 galeras e era comandada por Maomé Shaulak, governador de Alexandria; a ala esquerda, à qual cabia opor-se a Andrea Doria, era formada por 73 unidades às ordens do temível corsário Uluch Ali (Occhiali), um renegado calabrês que, segundo se dizia, fora frade; o centro, finalmente, com 96 galeras, estava sob o mando direto do próprio Ali-Pachá e constituía a elite da armada infiel. Uma divisão de reserva ficara à retaguarda.
O generalíssimo turco parecia querer investir resolutamente pelo centro, e ao mesmo tempo envolver os cristãos, aproveitando-se da sua superioridade numérica sobre estes (286 naus contra 208). O vento soprava de leste, favorável aos infiéis, enquanto os católicos tinham que se mover à força de remos. Decorreram quatro horas até que as duas armadas estivessem prontas para o confronto. O vento amainara.
A essa altura, Doria chegava à nau de D. João d’Áustria para propor um conselho de guerra, no qual se discutisse se convinha ou não dar combate a um inimigo numericamente superior. O generalíssimo limitou-se a responder-lhe: "Não é mais hora de falar, mas de lutar!" Doria voltou ao seu posto, tendo antes proposto a D. João que mandasse cortar o enorme esporão que pesava na proa das galeras. A vantagem desta medida, indicada pelo astuto genovês, revelou-se enorme: aliviou as naus, facilitando as manobras, e ademais permitiu que o canhão central, em vez de atirar por cima, visasse diretamente o alvo, com maior impacto.
Os turcos procuravam dar a maior amplitude a seu deslocamento, para envolver um dos flancos do adversário. Doria tenta impedir-lhes a manobra, mas afasta-se demais da zona que lhe havia sido designada, abrindo um perigoso vão entre a ala sob seu comando e o centro da esquadra cristã.
Os 264 canhões de Duodo, abrindo fogo, conseguem romper a linha inimiga. Começam as abordagens.
O apóstata italiano Uluch Ali entra pelo vazio deixado por Doria. Com suas melhores naves, lança-se no combate em que o centro dos cristãos estava engajado, e com algumas galeras pesadas mantém Doria afastado. Neste lance iam sendo aniquiladas as tropas de Doria, e a reserva do Marquês de Santa Cruz não podia socorrê-las, pois estava empenhada em auxiliar os venezianos da ala esquerda, junto ao litoral.
Ali-Pachá, reconhecendo pelos estandartes a galera de D. João, abalroou-a com seu próprio navio, proa contra proa, e lançou sobre ela toda uma tropa de janízaros escolhidos. Neste momento o conselho de Doria provou sua eficácia: desembaraçada do esporão, a artilharia da nau católica pôs-se a dizimar a tripulação da "Sultana", a nave de Ali-Pachá. Em socorro desta acorreram mais sete galeras turcas, que despejaram mais janízaros sobre a ponte ensangüentada da capitânia de D. João. Duas vezes a horda turca penetrou nesta até o mastro principal, mas os bravos veteranos espanhóis obrigaram-na a recuar. Dom João contava agora com apenas dois barcos de reserva, sua tropa tinha sofrido muitas baixas, e ele mesmo fora ferido no pé. A situação ia-se tornando cada vez mais perigosa, quando o Marquês de Santa Cruz, tendo liberado os venezianos, veio em socorro do generalíssimo e este pôde repelir os janízaros.
A batalha chegara ao seu auge. As águas tingiam-se de sangue, ressoavam gritos e gemidos dos que lutavam, dos feridos, mutilados e agonizantes. O estrondo das armas de fogo entrecruzava-se com o tinir das lâminas de aço, num concerto trágico e grandioso. Sucediam-se umas às outras as proezas. O sangue nobre corria. Um após outro caíram Juan de Córdoba, Fábio Graziani, Juan Ponce de León. O velho Veniero lutava de espada na mão, à frente de seus soldados. O general veneziano Barbarigo tombara ferido por uma flecha no olho, quando, para dar ordens a seus homens, afastara o escudo que o protegia. "É um risco menor do que o de não conseguir fazer-me entender numa hora destas!" — respondera a alguém que o advertia do perigo. O jovem Alexandre Farnese, Duque de Parma, entrou sozinho numa galera turca, e não morreu. De sua parte, o inimigo tentava toda espécie de manobras e dava inegáveis provas de valor.
O momento era crítico, e ainda deixava muitas dúvidas quanto ao desenlace da batalha, quando Ali-Pachá, defendendo a "Sultana" de mais uma investida cristã, caiu morto por uma bala de arcabuz espanhol (ou suicidou-se, segundo outra versão). Eram 4 horas da tarde.
O corpo do generalíssimo dos infiéis foi arrastado até os pés de D. João. Um soldado espanhol avançou sobre ele e cortou-lhe a cabeça. Esta, por ordem do Príncipe, foi então erguida na ponta de uma lança, para que todos a vissem. Um clamor de alegria vitoriosa levantou-se da capitânia católica. Os turcos estavam derrotados, e o pânico espalhou-se celeremente entre suas hostes, a partir do momento em que o estandarte de Cristo começou a drapejar sobre a "Sultana".
Uluch Ali ainda investiu sobre a ala direita comandada por Andrea Doria. Mas, atacado pelo Marquês de Santa Cruz, tratou de fugir.
O veneziano Girolamo Duodo conta que "uma grande parte dos escravos cristãos, que se encontravam nos navios inimigos, compreendeu que os turcos estavam perdidos. Apesar dos guardas, esses infelizes multiplicaram seus esforços para buscar a salvação na fuga e favorecer a vitória dos nossos. Em pouco tempo, ei-los combatendo em todos os setores onde há guerra, com uma coragem sem igual. Seu ardor é decuplicado pelos gritos que ecoam de todos os lados: "A vitória é nossa!". Nos navios da Liga, os galés — que tinham sido armados de espada — abandonavam os remos quando havia abordagem e lutavam valentemente contra os turcos.
Uma Senhora de aspecto majestoso e ameaçador
Os restos da esquadra inimiga batem em retirada e se dispersam, enquanto as trombetas católicas proclamam a todos os ventos a vitória da Santa Liga, na maior batalha naval que a História jamais registrara.
A tarde começava a cair e prometia um mar agitado. No crepúsculo daquele santo dia, os navios da Liga se reagrupavam e mal podiam navegar através dos restos da batalha: cadáveres, remos e mastros espalhados bizarramente pela água. As embarcações apresadas vinham à retaguarda das galeras católicas, arrastadas humilhantemente pela popa.
As perdas dos infiéis tinham sido enormes: 30 a 40 mil mortos, 8 ou 10 mil prisioneiros (entre os quais dois filhos de Ali-Pachá e quarenta outros membros das famílias principais do império), 120 galeras apresadas e cinqüenta postas a pique ou incendiadas, numerosas bandeiras e grande parte da artilharia em poder dos vencedores. Doze mil cristãos escravizados alcançaram a liberdade. A Liga perdeu doze galeras e teve menos de 8 mil mortos.
Soube-se depois que, no maior fragor da batalha, os soldados de Mafoma tinham avistado acima dos mais altos mastros da esquadra católica uma Senhora, que os aterrava com seu aspecto majestoso e ameaçador.
É hora de dar graças a Jesus Cristo pela vitória
Bem longe dali, o Papa aguardava ansioso notícias da esquadra católica. Desde a chegada de D. João a Messina, redobrara de orações e jejuns pela vitória das armas cristãs, e instava para que monges, cardeais e fiéis rezassem e jejuassem na mesma intenção. Confiava sobretudo na eficácia do rosário, para obter o socorro onipotente da Virgem.
No dia 7 de outubro ele trabalhava com seu tesoureiro, Donato Cesi, o qual lhe expunha problemas financeiros. De repente, separou-se de seu interlocutor, abriu uma janela e entrou em êxtase. Logo depois voltou-se para o tesoureiro e disse-lhe: "Ide com Deus. Agora não é hora de negócios, mas sim de dar graças a Jesus Cristo, pois nossa esquadra acaba de vencer". E dirigiu-se à sua capela.
As notícias do desfecho da batalha chegaram a Roma, por vias humanas, duas semanas depois, por um correio que vinha de Veneza. Na noite de 21 para 22 de outubro o Cardeal Rusticucci acordou o Papa, para confirmar a visão que ele tinha tido. No meio de um pranto varonil, São Pio V repetiu as palavras do velho Simeão: "Nunc dimittis servum tuum, Domine, in pace" (Luc.2,29). No dia seguinte, a notícia foi dada em São Pedro, após uma procissão e um solene "Te Deum".
Soube-se depois que, no maior fragor da batalha, os soldados de Mafoma tinham avistado acima dos mais altos mastros da esquadra católica uma Senhora, que os aterrava com seu aspecto majestoso e ameaçador.