23.11.2010 - “Concentrar-se apenas no preservativo equivale a banalizar a sexualidade, e é justamente esta banalização o motivo de tantas pessoas não enxergarem na sexualidade uma expressão do amor, e sim uma espécie de droga, que aplicam a si mesmas.”
“Pode haver certos casos em que o uso do preservativo se justifique, por exemplo, quando uma prostituta usa um profilático. Este pode ser o primeiro passo no sentido de uma moralização, um primeiro ato de responsabilidade, consciente de que nem tudo está perdido e não se pode fazer tudo aquilo que se deseja.”
As duas falas acima são do papa Bento 16 em entrevista ao escritor alemão Peter Seewald. O encontro deu origem a um livro: “A Luz do Mundo, O Papa, A Igreja e Os Sinais dos Tempos – Uma Conversa com Bento XVI”. O trecho sobre o uso da camisinha ganhou as manchetes do mundo inteiro porque seria
a) uma mudança de postura da Igreja;
b) um avanço que contribuiria para combater a disseminação da Aids.
Incrível! De algum modo, as duas leituras revelam má consciência em relação ao pensamento da Igreja. Cuidemos da suposta mudança de opinião do papa. Não aconteceu. Segue a mesma no que concerne à sexualidade, e não há hipótese, nem agora nem depois, de o chefe da Igreja “liberar” o uso da camisinha porque não lhe cabe. Ele não é autoridade em saúde pública ou membro de algum comitê de controle da natalidade. É o líder espiritual de uma Igreja e uma referência moral.
Ocorre que todo católico — sejamos mais amplos: todo cristão —, confrontado com o inevitável, tem um compromisso com o mal menor, SEM, NO ENTANTO, JAMAIS ABRIR MÃO, COMO FAZ O PAPA, DE DEFENDER O PRINCÍPIO E DENUNCIAR O DESVIO. Convenham: dada a situação concreta, esperavam que o papa dissesse o quê?
Disseminação da Aids
Vamos ao segundo aspecto: aquela que seria uma nova opinião da Igreja Católica contribuiria para diminuir a disseminação da doença. Isso só seria verdade caso se admitisse como fato que a suposta posição anterior contribuiria para espalhá-la. O uso da camisinha é um aspecto de uma doutrina maior que diz respeito ao amor e à sexualidade. Pode-se achar errado, contraproducente ou irrealista o pensamento da Igreja, mas não se deve tomar a parte pelo todo. É estúpido afirmar que a Igreja “é contra a camisinha”; esta é tomada apenas como um sinal do que ela considera a banalização do sexo. Mas ainda não se chegou ao essencial.
A camisinha é condenada como a evidência material de uma decisão que é de natureza moral. Para a Igreja, se há uma relação sexual amorosa, entre cônjuges, que convivem num clima de fidelidade e confiança, o preservativo não se explica. “Ah, mas isso também é polêmico!” Pode até ser, mas a polêmica é outra. É estúpido afirmar que a opinião da Igreja sobre a camisinha contribui para disseminar a Aids pela simples e óbvia razão de que, seguidas as suas recomendações, a transmissão do vírus pela via sexual seria zero. O que não é aceitável é que os indivíduos se esqueçam da Igreja ao ignorar a castidade antes do casamento e a fidelidade no matrimônio para argumentar que seguiram a sua recomendação só na hora de evitar a camisinha. Essa falácia lógica é repetida mundo afora por inimigos da Igreja e comprada pelo jornalismo sem questionamento.
Aids e África
Organizações ligadas ao combate à Aids na África saudaram a “mudança de opinião”. Huuummm… Curioso! Em muitos países do continente, a contaminação chega a atingir até 40% da população. Em Uganda, caiu para 7% — índice ainda escandaloso caso se considere a realidade mundial. E qual é a particularidade desse país? Um forte programa oficial que prega abstenção sexual aos solteiros e fidelidade aos casados. A camisinha é apenas o terceiro elemento na pregação oficial. Em suma, Uganda exerce aquela que seria, caso se lhe coubesse tal papel, o programa do Papa de combate à Aids. E o efeito é positivo. Contra os fatos e contra os números, a Human Rights Watch afirma que a política ungandense atenta contra os direitos humanos…
Edward Green é uma das maiores autoridades mundiais no estudo das formas de combate à expansão da AIDS. Ele é diretor do Projeto de Investigação e Prevenção da AIDS (APRP, na sigla em inglês), do Centro de Estudos sobre População e Desenvolvimento de Harvard. O que ele diz? O PAPA ESTÁ CERTO. AS EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS CONFIRMAM O QUE DIZ SUA SANTIDADE. Ora, como pode o papa estar certo? Em entrevistasa concedidas no ano passado aos sites National Review Online (NRO) e Ilsussidiario.net, Green afirma que as evidências que existem apontam que a distribuição em massa de camisinha não é eficiente para reduzir a contaminação na África.
Na verdade, ao NRO, ele afirmou que não havia uma relação consistente entre tal política e a diminuição da contaminação. Ao Ilsuodiario, ele fala como cientista, como estudioso, não como religioso: “O que nós vemos de fato é uma associação entre o crescimento do uso da camisinha e um aumento da AIDS. Não sabemos todas as razões. Em parte, isso pode acontecer por causa do que chamamos ‘risco compensação” – literalmente, nas palavras dele ao NRO: “Quando alguém usa uma tecnologia de redução de risco, freqüentemente perde o benefício (dessa redução) correndo mais riscos do que aquele que não a usa”.
O papa, em última instância, está afirmando o óbvio: se o indivíduo DECIDIU ter uma relação de risco, é claro que ele deve se proteger. A Igreja não atua nessa área. Seu papel é buscar interferir nos mecanismos que o levam àquela decisão.
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À PROPÓSITO,VEJA O QUE O JORNALISTA AUTOR DO LIVRO DECLAROU:
AFP
O jornalista alemão Peter Seewald, autor de um livro-entrevista com o Papa Bento XVI, qualificou de “penoso e ridículo” o enfoque dado pela mídia à questão do uso do preservativo, apesar “da amplidão dos temas abordados” na obra.
“Nosso livro aborda a sobrevivência do planeta ameaçado, o papa faz um apelo a toda a humanidade, nosso mundo desmorona, e a metade dos jornalistas não se interessa senão pela questão do preservativo”, lamentou Seewald durante entrevista à imprensa na apresentação, no Vaticano, do livro intitulado “Luz do Mundo”.
“Admitiu, no entanto, que o uso do preservativo se trata de uma “questão importante”.
Os jornalistas, europeus em maioria, vieram em massa para assistir à apresentação do livro, que já deu muito o que falar: a sala de imprensa do Vaticano estava lotada. Os dispositivos de tradução – Seewald só fala alemão – foram logo tomados por profissionais e chegaram a faltar.
“A vida de nosso planeta vai terminar e nós nos atemos à questão de saber se o preservativo é permitido pela Igreja”, insistiu o jornalista, que falou de “crise do jornalismo”.
Na obra, a pergunta: “a Igreja católica não é fundamentalmente contra a utilização de preservativos?”, o pontífice responde “em alguns casos, quando a intenção é reduzir o risco de contaminação, podendo ser um primeiro passo para abrir o caminho a uma sexualidade mais humana, vivida de outro modo”.
Bento XVI cita o caso de um prostituto, na versão alemã, e uma prostituta, na versão italiana.
A este respeito, o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, confirmou que a versão italiana trazia um erro; “a versão de referência é a alemã”.
Mas, acrescentou, “quer se trate de homem, mulher, ou transexual, é a mesma coisa: a mensagem é a de que se deve evitar um risco grave à vida do outro, uma responsabilidade”.
O destaque dado ao preservativo, objeto de numerosas perguntas da imprensa, levou o cardeal Rino Fisichella, presidente do Conselho pontifical para a Nova Evangelização, afirmar que “os problemas morais não são condensados no preservativo: há questões morais dominantes como a bioética e a genética”.
Para Peter Seewald, o livro “tem qualquer coisa de novo: chegamos a conhecer pessoalmente este papa, vimos Bento XVI como ele é, sem falsas interpretações, e aprendemos sua maneira de abordar e de ver seu pontificado”.
“É um homem idoso, de 83 anos, fatigado, que tem uma tarefa muito pesada” mas “é autêntico e não mudou sua essência, sua personalidade” com a eleição, afirmou o autor, que já escreveu dois livros-entrevistas com o então cardeal Joseph Ratzinger antes de ele aceder ao papado.
Em sua opinião, o papa “não se apresenta como um ditador, um cardeal panzer” (uma abreviação de “Panzerkampfwagen”, um substantivo alemão que se traduz como “Veículo Blindado de Combate”). “É um homem do diálogo que não tem problema ante a questões cruciais ou críticas, um homem dotado de enorme força intelectual, genial, simples e muito piedoso”, acrescentou, considerando que “estas características maravilhosas de Joseph Ratzinger tornam-se manifestas, agora que é papa”.
“Não houve censura: na versão escrita, reproduzimos a linguagem oral e o papa forneceu algumas precisões”, explicou.
Para ele, “o livro tem por objetivo fazer um balanço du pontificado na metade do caminho” e “representa uma ajuda importante para melhor compreendê-lo”.
Por Reinaldo Azevedo
Fonte: http://www.comshalom.org/blog/carmadelio
www.rainhamaria.com.br