"Manifestais Vossa obra aos Vossos servidores e a Vossa glória aos seus filhos!" (Sl 89, 16)
"Morrer com a invocação da Virgem é sinal de salvação!" São Boaventura
Meu pai, Osvaldo Janine Mayer * 16/07/1941 - + 01/05/2011 |
Há 7 anos atrás, quando o Beato Papa João Paulo II faleceu eu fiquei comovida com os cuidados do Senhor para com a sua alma. Aquele amado homem, que viveu até as últimas consequências de seu ministério, escravizou-se livremente à Santíssima Virgem e sempre lembrou-se de recomendar a si e a todos os filhos de Deus à Divina Misericórdia. Teve a mais brilhante graça: faleceu no Sábado, após às 18h, quando já se iniciava a liturgia de Domingo, que era festa da Divina Misericórdia. Era, também, o primeiro sábado do mês, portanto, dedicado ao Imaculado Coração de Maria, coração este a quem este homem santo consagrou a Alemanha e fez cair, em seguida, o muro de Berlim.
Confesso que sempre desejei este mesmo mérito. Claro que eu sempre tive a certeza do merecimento dele, contudo, eu ficava olhando e meditando: Deus amado! Como eu queria ter esta mesma sorte!
Não sei se terei esta sorte um dia, mas sei de alguém que a teve: meu pai.
Filho mais velho de seis irmãos, meu pai nasceu no dia de Nossa Senhora do Carmo, 16 de julho. Seu pai, alemão fugido da primeira guerra, e sua mãe, uma italiana de primeira, lhe ensinaram os caminhos do serviço, fosse ele profissional ou serviçal (no sentido de servidor, de doar-se ao outro). Ajudou meus avós a criarem os filhos e por isso não pôde estudar. Quis ser padre, mas meu avô dizia que isso era coisa de tolos. Pensou no serviço militar, porém, como contava, um cachorro o retirou da fila. Casou-se novo com minha mãe. Tinha só 18 anos. Era tão bonito... ruivo, olhos azuis... Morria de ciúmes da minha velha. Juntamente com minha mãe,
sustentava a família com o serviço que aprendeu do pai: metalurgia. Era um soldador de primeira! As máquinas industriais que fazia causavam desespero nos estagiários de engenharia. Como pode um senhor sem primário completo saber construir máquinas que na faculdade mau damos conta? Pois é! Esse era o meu pai...
Quinze anos após casaram-se, meu pai entendeu que ele deveria tratar-se para minha mãe engravidar. Ela já havia feito todos os exames e tudo estava ok com ela. Depois do tratamento, aos 33 anos, minha mãe ganhava minha irmã. Paparicaram-na até os nove anos, quando minha mãe descobriu que seria mãe de gêmeos aos 42 anos (meu irmão e eu!). Quando chegou da fazenda onde montava as máquinas, meu irmão e eu já tínhamos 15 dias de nascido. Chegou tarde da noite. Admirava-nos no berço. Minha mãe pulou da cama assustada, achando que era um bandido... hahaha... Cuidou de nós como pôde. Amou-nos como pôde.
Quando fiz catorze anos, vivemos tempos turbulentos. "Odiávamos" mutuamente. Até que um dia, após um retiro, liguei pra ele e disse que o amava muito. Que o perdoava por tudo. Pedia perdão por tudo. Foi o único momento em minha vida que fiz isso com ele. Chorávamos tanto... No outro dia, na Santa Missa, lá estava ele! Que alegria!
Ciumento que era, levou semanas pra engolir que a filhinha tinha crescido e estava namorando. Como que eu podia ter crescido? Eu ainda tinha dezessete anos... Mas o cansaço venceu. E aos 21 anos, fui levada por ele ao altar. Que dia emocionante pra nós dois. Ele chorava tanto. E eu pedia tanto pra ele não chorar... "Pai, eu vou entrar cantando. O Senhor não pode chorar, senão eu não vou conseguir cantar." "Ô, filha! Pai não vai chorar não (snif... snif...) A gente só chora quando tá triste... (snif... snif...)".
Fiquei cinco anos morando longe dele e da minha família. Este ano, por motivos financeiros, bem como por uma inquietação na alma, decidi voltar. Ficamos um tempinho juntos. Conversávamos à noite, já que era mais fresco, dado o calor que fazia. Até que uma semana antes da Páscoa, um fazendeiro veio buscá-lo no portão de casa, pedindo urgentemente para que fosse montar umas máquinas. O pai foi animado.
Minha mãe, eu e meu pai, no meu casamento, há cinco anos atrás |
Na véspera da Páscoa ligou. Não falamos muito. Ele sempre ligava tão depressinha... queria a mãe. Trocamos algumas palavrinhas. As últimas. Ah, se eu soubesse...
Na segunda-feira, às 0h30min, o telefone toca. Um amigo dele comunicando a morte. Não cri. Era difícil acreditar naquilo. Como assim? Meu pai?! Morto?! É. Morto.
A angústia foi enorme. Um infarto fuminante vetava a vida do meu velho. Estava em outro estado, há três horas de casa. O velório começou ali. Saber que meu pai estava morto e longe era demais. Mas o que é que eu podia fazer? Fiz o que pude! Corri atrás de tudo, juntamente com meus irmãos. Enquanto um estava na funerária, o outro estava atrás das documentações, e eu fazia os telefonemas,anotava os recados, transmitia-os aos meus irmãos, avisava os parentes. Enquanto isso a minha mãe fazia o que podia, principalmente porque a sua mãe, que já está com 93 anos, corria atrás dela o tempo inteiro. "Goia, que é que tá acontecendo? Por que é que tá todo mundo aqui a essa hora?"...
Depois de 17 horas entre a notícia e a chegada do corpo, finalmente vi meu pai. Estava inchado, roxo e com uma expressão de dor. Chorei muito. Reclamei. Pensei por que que Deus não deixou que eu sentisse aquela dor ao meu pai. Queria consolá-lo. Não podia mais. Não fisicamente. A dor já o havia levado.
Fizemos um plano para que a preparação do corpo de meu pai fosse tal que pudéssemos velá-lo durante à noite. Assim foi. Estava tão bonito. Depois que os especialistas retiraram o roxo e a expressão de dor, vestiram-no com uma camisa cinza que acentuou sua loirisse. Mariano que era, pus em suas mãos o terço que havia esquecido no quarto. Beijei-lhe a testa. Rezei por ele durante a noite. Vários amigos, familiares e conhecidos vieram despedir-se. As exéquias também foram realizadas. O espírito estava encomendado.
Às vésperas de ser enterrado, chamei os que ali se faziam presentes para rezarmos um último terço com o corpo do meu pai presente. Puxei os mistérios gloriosos, pois sabia que a glória de Deus se manifestava na morte de meu pai. Após o terço, resolvi testemunhar.
Meu pai sempre foi devoto da Virgem Santíssima. Sempre carregava uma capelinha que tinha e a beijava com muita humildade. Não era esse católico que esperamos: de visitar os sacramentos, cuidar dos enfermos, assistenciar as viúvas... Tinha suas ranhices, mas era um homem simples e de coração grande. Coração este que tantas vezes julguei, e que só Deus conhecia.
No dia primeiro de maio, Deus o chamou. Era Domingo da Divina Misericórdia. Era mês de maio, dedicado à Nossa Senhora. Era o Domingo cujo o Papa João Paulo II fora beatificado. Era o dia do trabalhador. Como é que eu poderia reclamar algo com Deus? Como eu poderia não agradecê-lo tamanha sorte que meu pai teve? Quantos de nós teremos esta graça?
Então lembrei aos presentes que meu pai não era um santo como João Paulo II, mas que fora agraciado tanto quanto este neobeato, pois morrera no dia da misericórdia, sob os cuidados da Virgem. Fora contemplado com a graça divina. Lembrei aos demais quão importante é para nós cuidarmos da nossa salvação. Concluí louvando Nosso Senhor Jesus Cristo pela sua misericórdia para conosco, bem como à Virgem Santíssima por advogar por nós.
Não temo o destino eterno de meu pai. Não tenho motivos para isso. A misericórdia do Senhor manifestou-se. Sei que também a sua justiça. O que faço agora é apenas rezar. Rezo para que o quanto antes meu pai esteja na glória juntamente com os anjos e santos, os mártires e os inocentes, bendizendo o Santo dos santos.
Há, sim, uma dor. A saudade 'dói doído'. Ver as roupas, lembrar os gestos... sempre vem uma lágrima. O que me consola é lembrar a misericórdia do Senhor para com ele. É saber que a Virgem puríssima não o abandonou, nem na hora da morte.
Só desejo que ele descanse em paz. E que eu também tenha a mesma sorte que ele.
Te amo, Pai! E você morreu sabendo disso.
Como bem cantou a Ziza Fernandes: "Pai, sempre haverá um lugar. Eu estarei a te esperar. Você sempre foi o meu herói. Você me faz falta".
Até logo, Pai! Até a eternidade!
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Sábado será o sétimo dia de sua morte. Se puder, reze por ele, encomendando uma Santa Missa em sua honra.