I. O SENHOR PROPÕE‑NOS no Evangelho da Missa a parábola do trigo e do joio1. O mundo é o campo em que o Senhor semeia continuamente a semente da sua graça: semente divina que, ao arraigar nas almas, produz frutos de santidade. Com que amor Jesus nos dá a sua graça! Para Ele, cada homem é único, e, para redimi‑lo, não vacilou em assumir a nossa natureza humana. Preparou‑nos como terra boa e deixou‑nos a sua doutrina salvadora. Mas enquanto os homens dormiam, veio o inimigo, semeou joio no meio do trigo e foi‑se.
O joio é uma planta que nasce geralmente no meio dos cereais e que cresce ao mesmo tempo que eles. É tão parecido com o trigo que se torna muito difícil ao olho experiente do lavrador distingui‑lo do trigo antes de se formarem as espigas. Mais tarde, diferencia‑se pela sua espiga mais fina e pelo fruto minúsculo; distingue‑se sobretudo porque o joio não só é estéril como, além disso, misturado com a farinha boa, contamina o pão e é prejudicial ao homem2. Semear joio entre o trigo era um caso de vingança pessoal que se dava não poucas vezes no Oriente. As pragas de joio eram muito temidas pelos camponeses, pois podiam chegar a inutilizar toda a colheita.
Os Santos Padres viram no joio uma imagem da má doutrina, do erro3, que, sobretudo nos começos, pode confundir‑se com a própria verdade, “porque é próprio do demônio misturar o erro com a verdade”4 e é difícil distingui‑los; mas, depois, o erro sempre produz conseqüências catastróficas no povo de Deus.
A parábola não perdeu atualidade: muitos cristãos dormiram e permitiram que o inimigo semeasse a má semente na mais completa impunidade; surgiram erros sobre quase todas as verdades da fé e da moral. É necessário que vigiemos dia e noite, e não nos deixemos surpreender; que vigiemos para podermos ser fiéis a todas as exigências da vocação cristã, para não deixarmos prosperar o erro, que leva rapidamente à esterilidade e ao afastamento de Deus. É necessário que vigiemos sobretudo o nosso coração, sem falsas desculpas de idade ou de experiência, pois o coração é um traidor, e tem que estar fechado a sete chaves5.
II. O ERRO E A IGNORÂNCIA produziram muitos estragos. O profeta Oséias, olhando para o seu povo e vendo‑o longe da felicidade para a qual estava chamado, escreveu: O meu povo definha por falta de ciência6. Quantas pessoas não andam metidas na tristeza, no pecado, no desconsolo, na maior das desorientações, por desconhecerem a verdade de Deus! Quantos não se deixam arrastar por modas ou pelas idéias que uns poucos homens situados em lugares de influência impõem, ou são arrastados por falsos raciocínios, com a cumplicidade tão freqüente das más paixões!
O inimigo de Deus e das almas sempre lançou mão de todos os meios humanos possíveis. Vemos, por exemplo, que ora se desfiguram umas notícias, ora se silenciam outras; ora se propagam idéias demolidoras sobre o casamento, por meio dos seriados de televisão de grande alcance, ora se ridiculariza o valor da castidade e do celibato; propugna‑se o aborto ou a eutanásia, ou semeia‑se a desconfiança em relação aos sacramentos e se dá uma visão pagã da vida, como se Cristo não tivesse vindo redimir‑nos e lembrar‑nos que o Céu nos espera. E tudo isto com uma constância e um empenho incríveis. O inimigo não descansa.
Nós, que queremos seguir os passos do Mestre, não vamos ficar calados, como se as coisas fossem irreparáveis e já nada tivesse remédio. Pode‑se imprimir um rumo diferente à história, porque não está predestinada para o mal e Deus nos deu a liberdade para que saibamos conduzi‑la até Ele.
É uma tarefa de todos: a cada cristão, esteja onde estiver, compete‑lhe a missão de tirar os homens da sua ignorância e dos seus erros. Ainda que haja profissões que possam ter uma maior influência na vida pública, todos podemos e devemos semear a boa semente com simpatia, com amabilidade, com oportunidade, na própria família, entre os amigos, entre os colegas de trabalho ou de estudo: esclarecendo os erros com a serenidade e a segurança de quem tem a verdade do seu lado, facilitando aos outros os meios de formação oportunos, como umas palestras de formação religiosa, aconselhando‑lhes um bom livro de conteúdo doutrinal sério, animando‑os com o exemplo pessoal a comportar‑se como bons cristãos.
Muitos sentir‑se‑ão fortalecidos pela nossa conduta serena e firme, e estimulados por sua vez a enfrentar essa avalanche de má doutrina que parece irreprimível: eles próprios se converterão em focos de luz para muitos que andam na escuridão. E veremos como em tantos casos se cumprirão aquelas palavras dirigidas por Tertuliano ao mundo pagão que rejeitava a doutrina de Jesus Cristo: Deixam de odiar os que deixam de ignorar7.
Devemos tirar o máximo proveito das mil oportunidades que a vida ordinária nos oferece, para semear a boa semente de Cristo: numa viagem, ao ler o jornal, ao falar com os vizinhos, a propósito da educação dos filhos, ao participar nos organismos de classe... Em muitas ocasiões, elas surgirão espontaneamente, como parte da vida; noutras, com a ajuda da graça e com garbo humano, saberemos provocá‑las. Assim estaremos a serviço de Cristo; somos a sua voz no mundo. Assim não cairemos no sono, que foi a ocasião que o inimigo aproveitou para semear o joio.
III. A ABUNDÂNCIA DE JOIO só pode ser enfrentada com maior abundância ainda de boa doutrina: vencer o mal com o bem8, com o exemplo da vida e a coerência da conduta. O Senhor chama‑nos para que procuremos a santidade no meio do mundo, no cumprimento dos deveres quotidianos; e esta chamada reclama de nós uma presença ativa nas realidades humanas nobres que de alguma maneira nos dizem respeito. Não basta lamentar‑se perante tantos erros e perante meios tão poderosos para difundi‑los, sobretudo num momento em que “uma sutil perseguição condena a Igreja a morrer de inanição, expulsando‑a da vida pública e, sobretudo, impedindo‑a de intervir na educação, na cultura, na vida familiar.
“Não são direitos nossos: são de Deus, e foi Ele que os confiou a nós, os católicos..., para que os exerçamos!”9
É hora de sairmos à luz do dia de peito descoberto, com todos os meios, poucos ou muitos, que tenhamos ao nosso alcance, e com a disposição de não deixar de aproveitar uma só ocasião que se nos apresente. Devemos também dizer aos nossos amigos, aos que seguem ou começam a dar os primeiros passos em seguimento do Mestre, que Ele precisa de nós para que tantas pessoas não fiquem sem conhecê‑lo e sem amá‑lo. Hoje podemos perguntar‑nos na nossa oração: o que posso eu fazer – na minha família, no meu trabalho, na escola, no agrupamento social ou esportivo a que pertenço, entre os meus vizinhos... – para que Cristo esteja realmente presente com a sua graça e a sua doutrina nessas pessoas? De que meios posso servir‑me com mais proveito para aproximá‑los de Deus?
As modas passam, e, quanto àqueles aspectos contrários à doutrina de Jesus Cristo que possam perdurar, nós os mudaremos com empenho, com alegria, com santa persistência humana e sobrenatural. A primeira Leitura da Missa anima‑nos a confiar no poder de Deus: Tu mostras o teu poder àqueles que duvidam de que sejas soberanamente poderoso, e confundes a audácia dos que não te reconhecem10. Nada é inevitável, tudo pode tomar outro rumo, quando há homens e mulheres que amam a Cristo e estão santamente empenhados em fazer com que os costumes estejam mais de acordo com o querer de Deus.
Para isso é necessária a ajuda da graça, que não falta, e é necessário que cada um, cada uma, queira realmente ser instrumento do Senhor no lugar em que está, para mostrar com o seu exemplo e com a sua palavra que a doutrina de Jesus Cristo é a única que pode trazer a felicidade e a alegria ao mundo:
“«Influi tanto o ambiente!», disseste‑me. E tive que responder: – Sem dúvida. Por isso é mister que [...] saibais levar convosco, com naturalidade, o vosso próprio ambiente, para dar o «vosso tom» à sociedade em que viveis.
“– E, então, se apreendeste esse espírito, tenho a certeza de que me dirás com o pasmo dos primeiros discípulos ao contemplarem as primícias dos milagres que se operavam por suas mãos em nome de Cristo: «Influímos tanto no ambiente!»”11
(1) Mt 13, 24‑43; (2) cfr. F. Prat, Jesucristo, su vida, su doctrina, su obra, 2ª ed., Jus, México, 1948, vol. I, pág. 289; (3) cfr. São João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de São Mateus, 47; Santo Agostinho, em Catena aurea, vol. II, pág. 240; (4) São João Crisóstomo, em Catena aurea, vol. II, pág. 238; (5) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 188; (6) Os 4, 6; (7) Tertuliano, Ad nationes, 1, 1; (8) cfr. Rom 12, 21; (9) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 310; (10) Sab 12, 17; (11) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 376.
Fonte: http://www.hablarcondios.org/pt/meditacaodiaria.asp