Depois de partilhar algumas particularidades a uma amiga, esta me emprestou - sem eu pedir - o livro A Cabana, que está em auge nos dias atuais. Pediu que eu o lesse, sem fazer exigências. Apenas que eu lesse.
Confesso que peguei o livro meio que sem a mínima vontade de ler. É que não sou fã de best sellers. Acho-os sempre muito no nível do senso comum, não consigo aproveitar ao máximo. Mas como esta amiga é alguém especialíssima pra mim, não me senti no direito de recusar.
Li o livro em 04 dias. Como gosto de ler, não foi assim tão difícil. Faço agora as minhas observações.
Para mim, o livro traz uma mensagem (que é a mensagem central do texto) em que nós devemos ter um relacionamento de liberdade com Deus, e que isto so é possível se confiarmos nEle inteiramente, tal qual uma criança confia em sua mãe. E será esta confiança o ponto de partida para um relacionamento de amor abundante, curador e restaurador. Porém, o livro faz uma sopa de letrinhas a respeito de Deus. Explico.
O autor é amigo do personagem principal que vive uma experiência significativa com a Santíssima Trindade. Ele conta a história de seu amigo que perdeu sua filha num acampamento. Ela foi capturada por um homem e assassinada em uma cabana. A partir disto, o pai nunca mais foi mesmo. Sentia-se culpado, bem como uma de suas filhas, que estava presente no acampamento. Um belo dia ele encontra na caixinha de correspondências um bilhete em que constava um chamado de Deus para que ele fosse à cabana. Relutante, o homem foi. Lá ele se encontrou com a Santíssima Trindade, sendo curado e transformado.
Até aí parece tudo bem, mas a forma como o autor os expõe é um tanto "diferente". Deus Pai se apresenta como uma mulher, bem como o Espírito Santo. Durante a conversa que tem com eles, a imagem de Jesus é um tanto desligada da imagem divina, como se Cristo fosse um homem que foi divinizado, e não um Deus que quis fazer-se homem. Também passa no livro uma impressão de que Deus não está nem aí para a religião e para as leis. Em suma, o livro quer que aquele que o ler acredite que podemos encontrar a Deus em qualquer lugar sem que para isso precisasse uma Igreja ou algo do tipo.
Fique intrigada com isso. Ora seja, se Deus, então, não quer que haja uma religião, então porque Cristo fundou Sua Igreja em Pedro? É verdade que hoje temos zilhões de crenças, mas Cristo fundou uma única Igreja, que após 1.500 anos Lutero rebelou-se e fundou a sua, como bem fez Calvino e até Edir Macedo, R.R. Soares e afins. O que todos os reformadores admitem? Que foram instigados pelo Espírito Santo a fundarem sua fé. Mas... seria este Espírito tão cofuso, que a um dissesse algo completamente diferente do outro, e ainda assim fazendo crer que tudo é a mesma verdade? Se assim for, então, o que é a verdade? A verdade em si? Sabemos bem que é Cristo, e nEle não pode haver confusão. Logo, tudo o que vem depois dEle não procede. Há sim as sementes do Verbo e Sua graça alcança a todos graças à Sua Misericórdia, mas o que Ele é, é e pronto. Portanto, a confusão do autor da obra procede da "achologia" humana, aquele pensamento pré-concebido do que eu ACHO de Deus, e não do que Ele É.
É verdade que podemos encontrar a Deus em qualquer lugar? Sim, é verdade. Porém, não é verdade que Cristo não nos queira em Sua Casa. Quando Cristo funda Sua Igreja e institui Seus Sacramentos, elevando-os para nos santificar, Ele quer com isso nos dizer que é lá na Sua Casa que receberemos todo o gás necessário para prosseguirmos em nossa caminhada. Devemos ter em mente que é a partir dos Sacramentos que nos santificamos. Não basta apenas rezar em casa. Se Ele a instituiu é porque precisamos dela. É certo que se não tivermos orações constantes em casa, se não fizermos práticas de misericórdia, se formos hipócritas, de nada adiantará comungar todos os finais de semana. Entretanto, é nossa obrigação estarmos lá, e isso não é porque alguém exigiu, mas Cristo assim o quis e viu que era bom e necessário para nossa salvação.
Outro ponto que me intrigou foi a questão de desconstruir o pensamento hierárquico. Segundo o autor, Deus não quer hierarquia. Isto é uma falácia. Que não haja hierarquia dentro da Santíssima Trindade é uma coisa, mas que Deus a criou é outra completamente diferente. Se Deus não desejasse isso, não teria chamado Pedro a ser o cabeça dos apóstolos, nem contemporizado o valor dos pais e os anciãos. A hierarquia é uma bênção criada por Deus porque Ele sabe que dela precisamos para entender o valor que Ele tem na Criação. É óbvio que muitos, movidos pelos desejo de poder, usaram da autoridade para agirem de autoritarismo, mas aí reduzirmos a religião a apenas um jogo de interesse é desonestidade intelectual. Jamais, mesmo quando Deus tornou-se homem para nos salvar, estaremos no mesmo nível que Ele, mesmo tendo um relacionamento intimíssimo conforme o autor sugere no livro, pois somos criaturas e fomos submetidas ao amor do Criador. E Criador sempre estará acima da criatura, seja em que lugar for.
Por fim eu percebi que o autor põe na boca da Santíssima Trindade uma série de desconstruções: políticas, filosóficas e teológicas. A descontrução do pensamento é algo contemporâneo no meio ocidental. Isto é um fato olulante. Porém, o que deve ficar claro, é que os "intelequituaissss" dos nossos dias descontroem algo que não conseguem construir. E deveriam se lembrar que cada pensamento, fosse na esfera política, teológica ou filosófica, demorou anos para ser contruído. Não surgiu de um sonho ou de uma experiência num final de semana. São João Evangelista, por exemplo, só foi começar a escrever após 90 anos da ressusrreição do Senhor. Como então agora alguém se arvora em "desmistificar" todo este trabalho árduo, feito em oração, em estudo, discussões e pensamentos? A impressão que me deu foi a de que Deus não passa de um ser anárquico. Uma anarquia do bem, alá paz e amor, mas não deixa de ser anárquico.
Talvez não fosse esta análise que minha amiga esperava de mim, e peço-a aqui, neste blog, para que todos vejam, perdão se a ofendi ou magoei. Contudo, foi impossível passar estes detalhes desapercebidos.
Minha humilde opinião? O livro deve ser lido como uma obra ficcional. Há coisas que podem ser levadas a sério? Sim, muitas. A questão da confiança no relacionamento com Deus é a mais importante e séria na obra. Dar a Deus o que Lhe compete fica nítido. E o que mais me emocionou foi a forma em que o autor explicitou a necessidade de entregarmos a Deus tudo mesmo, inclusive a nossa independência, para que Ele trabalhe abundantemente em nós. Isto é algo que o Senhor SEMPRE nos falou, fosse em Suas Palavras na Bíblia, no testemunho dos Santos ou na História. A reforçada que é dada neste quesito é espetacular. Mas de resto é bom tomar cuidado. A quem não tem o devido alicerce teológico e filosófico NÃO recomendo a leitura.