Por Francisco Fernández Carvajal.
Santo Afonso Maria de Ligório nasceu em Nápoles em 1696. Doutorou-se em Direito civil e em Direito Canônico. Recebeu a ordenação sacerdotal e fundou a Congregação do Santíssimo Redentor. Para fomentar a vida cristã no povo, dedicou-se à pregação e publicou diversas obras, especialmente sobre a Virgem, a Eucaristia, a vida cristã, e de Teologia Moral, matéria pela qual recebeu o título de Doutor da Igreja. A sua vida longeva constitui um admirável exemplo de trabalho, de simplicidade, de espírito de sacrifício e de preocupação por ajudar os outros a alcançar a salvação eterna. Foi eleito Bispo de Sant’Ágata de Goti, mas uns anos depois renunciou ao cargo e morreu entre os seus em Pagani, perto de Nápoles, em 1787.
I. O ESPÍRITO DO SENHOR está sobre mim; por isso me ungiu e me enviou para anunciar a boa nova aos pobres e curar os doentes1.
A longa vida de Santo Afonso “esteve repleta de um trabalho incessante: trabalho de missionário, de bispo, de teólogo e de escritor espiritual, de fundador e superior de uma congregação religiosa”2. Viveu num tempo em que a descristianização aumentava continuamente. Por isso, o Senhor levou-o a entrar em contacto com o povo, culturalmente desatendido e espiritualmente necessitado, por meio de missões populares. Pregou incansavelmente, ensinando a doutrina e animando a todos, com a palavra e com os seus escritos, à oração pessoal, “que devolve às almas a tranqüilidade da confiança e o otimismo da salvação. Entre outras coisas, escreveu: «Deus não nega a ninguém a graça da oração, mediante a qual se obtém ajuda para vencer toda a concupiscência e toda a tentação. E digo, e repito, e repetirei sempre enquanto viver – sublinhava o Santo –, que toda a nossa salvação está na oração». Daí o famoso axioma: «Quem reza salva-se, quem não reza condena-se»”3. A oração sempre foi o grande remédio para todos os males; é ela que nos abre as portas do Céu. É um ensinamento contínuo das almas que estiveram muito perto de Deus.
Santo Afonso procurou que os fiéis cristãos orientassem a sua vida para o Sacrário, que desenvolvessem uma íntima piedade para com Jesus Sacramentado, e deu particular importância às visitas ao Santíssimo, chegando a escrever um pequeno tratado sobre elas4. Pela retidão e profundidade da sua doutrina, especialmente em matéria moral, foi declarado Doutor da Igreja5.
Compreendeu também que o caminho que leva à perda da fé começa muitas vezes pela tibieza e frialdade na devoção à Virgem. E, em sentido contrário, o retorno a Jesus começa por um grande amor a Maria. Por isso, difundiu por toda a parte a devoção mariana e preparou para os fiéis, e em especial para os sacerdotes, um arsenal de “materiais para a pregação e propagação da devoção a essa Mãe divina”. A Igreja sempre entendeu que “um ponto totalmente particular na economia da salvação é a devoção à Virgem, Medianeira das graças e Corredentora, e por isso Mãe, Advogada e Rainha. Na verdade – afirma o Papa João Paulo II –, Afonso sempre foi todo de Maria, desde o começo da sua vida até à morte”6.
Cada um de nós deve ser também “todo de Maria”, tendo-a presente nos seus afazeres ordinários, por pequenos que sejam. E não devemos esquecer-nos nunca, sobretudo se alguma vez tivermos a desgraça de afastar-nos, de que “a Jesus sempre se vai e se «volta» por Maria”7. Ela conduz-nos ao seu Filho rápida e eficazmente.
II. SANTO AFONSO morreu muito idoso, e o Senhor permitiu que os últimos anos da sua vida fossem de purificação. Entre as provas pelas quais passou, uma muito dolorosa foi a perda da vista. E o Santo distraía as horas rezando e pedindo que lhe lessem algum livro piedoso. Conta-se que certo dia, entusiasmado com um livro que lhe liam, perguntou quem tinha escrito tais maravilhas, tão cheias de piedade e de amor a Nossa Senhora. Como resposta, quem o acompanhava leu o título: “As Glórias de Maria, por Afonso Maria de Ligório”. O venerável ancião cobriu o rosto com as duas mãos, lamentando uma vez mais a perda da memória8, mas alegrando-se imensamente com aquele testemunho de amor à Santíssima Virgem. Foi um grande consolo que o Senhor lhe concedeu no meio de tantas trevas.
Os conhecimentos teológicos do Santo e a sua experiência pessoal levaram-no à convicção de que a vida espiritual e a sua restauração nas almas devem ser alcançadas – conforme o plano divino que o próprio Deus preestabeleceu e realizou na história da salvação – por meio da mediação de Nossa Senhora, por quem nos veio a Vida e que é o caminho fácil de retorno ao próprio Deus.
Deus quer – afirma o Santo – que todos os bens que procedem dEle nos cheguem por meio da Santíssima Virgem9. E cita a conhecida sentença de São Bernardo: “É vontade de Deus que tudo obtenhamos por Maria”10. Ela é a nossa principal intercessora no Céu, quem consegue tudo aquilo de que necessitamos. Mais ainda: muitas vezes, a Virgem adianta-se às nossas orações, protege-nos, sugere no fundo da alma essas santas inspirações que nos levam a viver mais delicadamente a caridade; anima-nos e dá-nos forças nos momentos de desânimo, vem em nossa defesa quando recorremos a Ela nas tentações... É a nossa grande aliada no apostolado: concretamente, permite que as nossas palavras, tantas vezes ineptas e mal amanhadas, encontrem eco no coração dos nossos amigos. Foi esta a freqüente descoberta de muitos santos: com Maria, chegamos “antes, mais e melhor” às metas sobrenaturais que nos tínhamos proposto.
III. A FUNÇÃO DO MEDIADOR consiste em unir ou pôr em comunicação os dois extremos entre os quais se encontra. Jesus Cristo é o único e perfeito Mediador entre Deus e os homens11, porque, sendo verdadeiro Deus e Homem verdadeiro, ofereceu um sacrifício de valor infinito – a sua própria morte – para reconciliar os homens com Deus12.
Mas isto não impede que os anjos e os santos, e de modo inteiramente singular Nossa Senhora, exerçam essa função. “A missão maternal de Maria a favor dos homens não obscurece nem diminui de maneira nenhuma a mediação única de Cristo, antes mostra a sua eficácia. Porque todo o salutar influxo da Bem-aventurada Virgem a favor dos homens não é exigido por nenhuma necessidade interna, mas resulta do beneplácito divino e flui dos superabundantes méritos de Cristo”13. A Virgem, por ser Mãe espiritual dos homens, é chamada especialmente Medianeira, pois apresenta ao Senhor as nossas orações e as nossas obras, e faz-nos alcançar os dons divinos.
Maria corrige muitas das nossas petições que não estão totalmente bem orientadas, a fim de que obtenham o seu fruto. Pela sua condição de Mãe de Deus, faz parte, de um modo peculiar, da Trindade de Deus, e, pela sua condição de Mãe dos homens, tem a missão confiada por Deus de cuidar dos seus filhos que ainda somos peregrinos14. Quantas vezes não a teremos encontrado no nosso caminho! Em quantas ocasiões não terá saído ao nosso encontro, oferecendo-nos a sua ajuda e o seu consolo! Onde estaríamos se Ela não nos tivesse tomado pela mão em circunstâncias bem determinadas?
“Por que as súplicas de Maria têm tanta eficácia diante de Deus?”, pergunta-se Santo Afonso. E responde: “As orações dos santos são orações de servos, mas as de Maria são orações de Mãe, e daí procedem a sua eficácia e o seu caráter de autoridade; e como Jesus ama imensamente a sua Mãe, Ela não pode pedir sem ser atendida”. E, para prová-lo, recorda as bodas de Caná, em que Jesus realizou o seu primeiro milagre por intercessão de Nossa Senhora: “Faltava vinho, com a conseqüente aflição dos esposos. Ninguém pediu à Santíssima Virgem que intercedesse junto do seu Filho pelos consternados esposos. Mas o coração de Maria, que não pode deixar de compadecer-se dos infortunados [...], impeliu-a a encarregar-se pessoalmente do ofício de intercessora e a pedir ao Filho o milagre, apesar de ninguém lho ter pedido”. E o Santo conclui: “Se a Senhora agiu assim sem que lho pedissem, o que teria feito se lhe tivessem suplicado?”15 Como não há de atender às nossas súplicas?
Pedimos hoje a Santo Afonso Maria de Ligório que nos alcance a graça de amarmos Nossa Senhora tanto como Ele a amou enquanto esteve nesta terra, e nos anime a difundir a sua devoção por toda a parte. Aprendamos que, com Ela, alcançamos antes, mais e melhor aquilo que, sozinhos, nunca alcançaríamos: metas apostólicas, defeitos que devemos dominar, intimidade com o seu Filho.
(1) Lc 4, 18; cfr. Is 61, 1; Antífona de entrada da Missa; (2) João Paulo II, Carta Apostólica Spiritus Domini, no segundo centenário da morte de Santo Afonso Maria de Ligório, 1-VIII-1987; (3) ib.; (4) Santo Afonso Maria de Ligório, Visitas ao Santíssimo Sacramento; (5) Pio IX, Decr. Urbis et orbis, 23-III-1871; (6) João Paulo II, op. cit.; (7) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 495; (8) P. Ramos, no Prólogo de As Glórias de Maria, Perpétuo Socorro, Madrid, 1941; (9) cfr. Santo Afonso Maria de Ligório, As Glórias de Maria, V, 3-4; (10) São Bernardo, Sermão sobre o Aqueduto; (11) cfr. 1 Tim 2, 51; (12) cfr. São Tomás, Suma Teológica, III, q. 26, a. 2; (13) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 60; (14) cfr. ib., n. 62; João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 2-IV-1987, n. 40; (15) Santo Afonso Maria de Ligório, Sermões abreviados, 48.