Exorcismo

Padres Exorcistas explicam

Consagração a Virgem Maria

Escravidão a Santissima Virgem, Orações, Devoção

Formação para Jovens

Espiritualidade, sexualidade, diverção, oração

4 de jun. de 2011

Mês de Junho - 4º dia

Coração Filial



Jesus é o filho de Deus e de Maria. É Deus Filho, gerado pelo Pai desde a eternidade. É Deus Filho do homem (cf. Lc 6,22), gerado por Maria Virgem no tempo.
O coração de Jesus é o coração perfeito do filho que tem um Pai e uma Mãe para amar.
Quem poderá imaginar a ternura e a delicadeza, a imensidão e a intensidade do amor filial de Jesus pelo Seu Pai: "Abba" (Gl 4,6) e pela sua Mãe, Maria?
Aos doze anos, quando Se perdeu e foi achado no Templo, Jesus pronunciou as primeiras palavras que os Evangelhos nos relatam, dizendo a Maria e a José: "Não sabeis que Eu devo cuidar das coisas de meu Pai?" (Lc 2,49).
Os intereses primários de Jesus são aqueles do Pai. Todo filho deve viver pelo amor do Pai, em perene círculo vital, que tem sua raiz na geração. Aquele que nos transmite a vida deve ter o primeiro lugar não só cronológico, mas também psicológico na vida do homem.
Jesus demonstra este círculo de amor com o Pai duma maneira indescritível. Nos Evangelhos fala do Pai mais de 150 vezes. O chama com doçura e dignidade: "Pai meu" (cf. Jo 8,54), "vive e opera pela sua glória" (cf. Jo 8,49), é todo um com Ele: "Eu e o Pai somos um" (cf. Jo 10,30), as últimas palavras antes de morrer são dirigidas ainda ao Pai com o grito final: "Pai, em Tuas mãos eu entrego o meu espírito" (cf. Lc 23,46).
Para com a sua Mãe, Maria, Jesus não é menos pródigo de amor. Se todo filho quer o bem da mãe. Jesus demonstrou o Seu bem por Maria de maneira divina e portentosa. Jesus tornou sua mãe Imaculada, sempre Virgem, Esposa do Espírito Santo, Medianeira, Co-Redentora, Mãe universal, Assunta em corpo e alma ao céu, Rainha do céu e da terra.
Podia o Coração de Jesus fazer mais? Poderia um filho amar ainda mais a própria mãe? E Se nos deu este exemplo, como poderia não desejar que nós também a amássemos Nossa Senhora com todas as nossas forças? Não exagera Santa Margarida Alacoque quando chega a dizer que "nenhum ato de culto é mais agradável a Deus quando honramos a Sua Mãe". E ainda, a cada alma, dizia: "Sejais em tudo verdadeiros filhos de Maria e a Virgem vos tornará perfeitos discípulos do Sagrado Coração". O amor filial a Maria leva sempre e rapidamente a Jesus. Se Maximiliano Maria Kolbe afirma com decisão: "A Imaculada é aquela escada que nos conduz ao Sagrado Coração de Jesus. E aquele que remove esta escada não subirá às alturas, mas precipitará na terra".


Coração insensível


Nós também somos filhos de Jesus e de Maria. Nós também temos um coração de filhos. Mas de que modo nos mostramos filhos carinhos e sensíveis para com Deus e para com Maria?
No Evangelho Jesus narrou a mais esplêndida parábola sobre a figura do 'filho pródigo' (Lc 15,11-32). Este filho de coração insensível ao amor paterno, indiferente ao sofrimento que magoa o coração do pai, este filho que prefere bater a porta de casa e abandonar amoradia paterna para se perder nos imundos prazeres da carne; este filho que à convivência com quem o ama e protege, prefere a companhia de quem o desfruta sem limites; este filho de coração duro e fechado ao amor, não sou talvez eu mesmo?
O que foram e o que são os meus pecados se não ofensas e feridas ao Coração de Deus e da Mãe Celeste?
Até o nosso comportamente para com os nossos pais não é o melhor. Muitos se fala do problema de relação entre pais e filhos. Mas este problema existe somente quando o coração está vazio de amor.
Na Rússia, em Moscou, existe um monumento erguido a um jovem, Pavlik Morosov, e uma rua em sua homenagem. Por que? Porque o jovem denunciou aos chefes do partido comunista os próprios pais que eram contrários à coletivização. Os pais foram presos e fuzilados. Ao rapaz, ergueram um monumento.
Quando no coração existe ódio e egoísmo, só podemos esperar egoísmo e ódio até para com os próprios pais.
São Tomás Morus, Chanceler da Inglaterra, quando jovem, e depois, quando pai de família, antes de sair de casa, pedia bênção ao pai idoso. São Pio X usou até a morte um velho relógio de níquel, lembrança de sua santa mãe. Um dia, um Arcebispo, vendo aquele pobre relógio, ofereceu ao Pontífice um precioso relógio de ouro, pedindo-lhe aceitá-lo em troca. "Oh, não! Jamais! - Respondeu o Papa - Este relógio pertencia à minha mãe e assinalou na hora de sua morte. Eu o conservarei sempre com estima".
O amor filial a Deus, "Pai Nosso" (Mt 6,9), a Maria, nossa Mãe (Jo 19,27), ao Vigário de Cristo, aos nossos pais, Sacerdotes que santificam as nossas almas com os sacramentos: em síntese, o amor Filial do Coração de Jesus seja a fonte do nosso amor filial.


Propósitos


- Rezar pelos pais e tratá-los com particular afeto.
- Rezar as seguintes orações (clique aqui).

João Paulo II: virtudes de um Papa santo

Amados irmãos e irmãs,
Salve Maria Santíssima!
Que seu final de semana seja abençoado e feliz na presença de Deus.
O Padre Faus publicou um texto fenomenal no seu site, mostrando as virtudes heroicas do Beato João Paulo II, um texto grande, mas que vale a pena a sua leitura.

Leia na íntegra:


UMA TOCHA DE FÉ

O instinto do povo não se enganava quando, desde o início do pontificado de João Paulo II, via no Papa Wojtyla um homem de Deus. A fé notava-se-lhe no calor sereno e viril da voz, no olhar profundo, afetuoso e calmo, na paz com que abraçava o seu serviço sacrificado e incansável e com que aceitava as adversidades, doenças e dores como vindas da mão de Deus.

A fé, uma fé segura, sólida e feliz, pode-se dizer que lhe saía por todos os poros do corpo e da alma. Acreditava mesmo em Deus, acreditava mesmo em Jesus Cristo, único Salvador do mundo; acreditava plenamente no chamado de todos à salvação que está em Cristo Jesus; acreditava, com confiança de filho, na intercessão da santíssima Virgem Maria, em cujos braços maternos se abandonara muito cedo, declarando-se Totus tuus! -”Todo teu!”.


A ORAÇÃO, ESPELHO DA FÉ


Diz-se, com toda a razão, que a oração é o espelho da fé. É pela oração que a alma se une a Deus, em plena intimidade; é pela oração amorosamente contemplativa que os traços de Cristo se imprimem na alma; é pela oração que os olhos vêem o mundo, a história, os homens - cada homem - com a própria visão de Deus; e é pela oração que se pode chegar a dizer, como São Paulo: Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim (Gál 2, 20).

Pois bem, João Paulo II vivia literalmente mergulhado na oração. E isso, mesmo para os que o ignoravam, se notava de uma forma indisfarçável. Desde o início do seu pontificado - continuando, aliás, com seus antigos hábitos de padre e de bispo - , levantava-se às 5,30 horas e, depois de se arrumar, ia imediatamente à capela para fazer mais de uma hora de oração íntima, ajoelhado diante do sacrário, perante um crucifixo e uma imagem da Virgem Negra de Czestokowa [1].

No seu penúltimo livro, Levantai-vos! Vamos![2], o próprio Papa fala da alegria de ter a capela tão perto das dependências onde trabalhava: “A capela fica tão próxima para que na vida do bispo tudo - a pregação, as decisões, a pastoral - tenha início aos pés de Cristo, escondido no Santíssimo Sacramento [...]. Estou convencido de que a capela é um lugar de onde provém uma inspiração particular. É um privilégio enorme poder habitar e trabalhar no espaço dessa Presença, uma Presença que atrai, como um potente ímã”. “Todas as grandes decisões - comentava um dos seus ajudantes - tomava-as de joelhos em frente ao santíssimo Sacramento”.

A capela era, realmente, o ímã constante, irresistível, do dia-a-dia de João Paulo II. Nela, além da oração matutina e da celebração da Santa Missa, rezava todos os dias a Liturgia das Horas. Na capela, muitas vezes, das 9,30 às 11,00 horas, dedicava-se a escrever, anotando sempre no cabeçalho de cada folha uma oração abreviada, uma jaculatória. Na capela, guardava o que ele chamava a “geografia da sua oração”, pois, no interior da parte de cima do genuflexório, as freiras que cuidavam da casa pontifícia deixavam centenas de folhas datilografadas, com pedidos de oração pessoal enviados por carta ao Papa por fiéis de todo o mundo, intenções pelas quais fazia questão de rezar. Conta-se que um dos seus secretários, o Pe. John Magee, procurou certa data o Papa nos seus aposentos e não o encontrou. Foi-lhe indicado que o procurasse na capela, mas não o viu. Sugeriram-lhe, então, que olhasse melhor, e lá descobriu efetivamente o Papa, prostrado no chão, em adoração, diante do Sacrário.

Esse clima de oração estendia-se, como uma onda cálida, a todas as atividades do dia. João Paulo II rezava constantemente: entre as diversas reuniões, a caminho das audiências, no carro, num helicóptero… Num terraço do Palácio Apostólico, onde mandara colocar as catorze estações da Via Sacra, praticava essa devoção todas as sextas-feiras do ano e, na Quaresma, todos os dias. Rezava o terço em diversos momentos da jornada, até completar o Rosário. Um detalhe simpático: só dedicava ao descanso, após o almoço, uns dez minutos; depois dos quais, enquanto outros repousavam, passeava pelos jardins do Vaticano rezando o terço [3].


COM OS OLHOS DA FÉ

A oração, a intimidade com Deus, é a condição imprescindível para que permaneçam abertos e argutos os olhos da fé. Na Missa inicial do Conclave, dia 18 de abril de 2005, o cardeal Ratzinger dizia uma verdade grande e simples: “Quanto mais amamos Jesus, tanto mais o conhecemos”. E na Missa de exéquias, o mesmo cardeal dizia: “O amor de Cristo foi a força dominante em nosso querido Santo Padre. Quem o viu rezar, quem o viu pregar, sabe disso”.

Isso explica a serena firmeza com que João Paulo II se empenhou sem descanso, ao longo dos seus vinte e seis anos de pontificado, em aprofundar na autêntica doutrina católica - muitas vezes chegando, como exímio filósofo e teólogo que era, a profundidades deslumbrantes - e em difundi-la por todo o mundo. A fé, enraizada no amor, dava-lhe autenticidade. Todos sabiam que pregava sobre aquilo em que firmemente acreditava, sobre aquilo que vivia, sobre aquilo que sinceramente amava e sentia, quer fossem as verdades da fé relativas ao Redentor do homem, ao Espírito Santo, à Eucaristia, ao sacramento da Reconciliação, ao sentido do sacerdócio, ao Ecumenismo, à missão maternal de Maria…, quer às verdades morais que exprimem o plano de Deus sobre a família, sobre o amor humano e o sexo, sobre a dignidade inviolável da vida desde o primeiro instante da concepção até à morte natural, sobre o valor permanente dos Mandamentos do Decálogo, etc.[4]

Muitos experimentavam o impacto dessas verdades, e mudavam. Outros, vibravam com elas e admiravam o Papa, mesmo que não se decidissem a praticá-las. Alguns, desorientados, as contestavam. Mas afora uns poucos sectários, todos - a começar pelos não católicos e os não crentes - captavam que o Papa tinha, nas suas falas, a transparência de Deus, a “longitude de onda” da Palavra de Deus. Era como se vissem nele, feito realidade, o louvor que Cristo dirigiu a Pedro em Cesaréia de Filipe:Feliz és Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos Céus (Mat 16, 17), bem como a oração que Jesus fez por Pedro na Última Ceia: Simão…, eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos (Luc 22, 32).


COM A FORTALEZA DA FÉ

A fé, quando autêntica, é uma certeza amorosa que, depois de elevar até Deus a alma agradecida, aninha-se no coração e o torna capaz de amar a todos. Aí está a diferença entre fé e fanatismo, entre convicção e “fundamentalismo”. O fanático, o fundamentalista exasperado, não é capaz de compreender os que não pensam como ele; despreza-os e chega a odiá-los.

Pelo contrário, quem tem a alma iluminada pela fé de Jesus Cristo só sabe amar e, como ama loucamente Jesus, que veio ao mundo - como Ele dizia a Pilatos - para dar testemunho da verdade (Jo 18, 37), conjuga em perfeita harmonia a firmeza na fé (sem “espaço para cedências nem para um recurso oportunista à diplomacia humana” [5]), com a compreensão e o afeto sincero para com os que divergem e erram. A afirmação da sua fé nunca foi, em João Paulo II, uma imposição irada, mas um convite, como o que marcou o início do seu pontificado: “Não tenhais medo! Abri as portas a Cristo!”

Assim foi João Paulo II, forte na fé - como pedia São Pedro (I Pdr 5, 9), de quem foi sucessor -, “com uma fé corajosa e sem medo, uma fé temperada na provação, pronta para seguir com generosa adesão qualquer chamado de Deus”[6]; e, ao mesmo tempo, um homem de braços abertos, disposto incansavelmente a sofrer todas as dificuldades, e até mesmo vexames e desprezos (como sucedeu, por exemplo, com alguns episódios indelicados na Nicarágua marxista, em Cuba e na Grécia), para avançar passo a passo, sem nunca desfalecer, pelo caminho do diálogo com os representantes das outras confissões cristãs, com os não-cristãos e com os não-crentes.

Numa breve biografia sobre João Paulo II, o então cardeal Ratzinger terminava dizendo: “Hoje também os espíritos críticos sentem com uma clareza sempre maior que a crise do nosso tempo consiste na «crise de Deus», no desaparecimento de Deus do horizonte da história humana. A resposta da Igreja deve ser uma só: falar sempre menos de si mesma e sempre mais de Deus, dando testemunho dEle e sendo a porta para Ele. Este é o verdadeiro conteúdo do pontificado de João Paulo II que, com o passar dos anos, torna-se sempre mais evidente” [7].


UMA TOCHA DE CARIDADE

“AMOU ATÉ O FIM”


Os últimos anos, os últimos meses, os últimos dias de João Paulo II, evidenciaram de uma maneira impressionante e crescente, aos olhos de todos, que aquele ancião doente, combalido, encurvado, sofredor, cada vez mais limitado, depois de ter dado a vida inteira ao serviço de Deus e de seus irmãos os homens, estava disposto a entregar até a última gota, até o último alento, enquanto Deus não viesse buscá-lo.

Seguindo as pegadas de Cristo, decidiu-se a levar a sua caridade, o seu amor, até ao extremo, como Jesus, de quem diz o Evangelho que, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim (Jo 13, 1).

Ele próprio deixara escritas no seu testamento, no ano 2000, as seguintes palavras: “Segundo os desígnios da Providência, foi-me concedido viver no difícil século que está ficando no passado e agora, no ano em que a minha vida alcança os oitenta anos, é necessário perguntar-me se não chegou a hora de repetir com o bíblico Simeão: «Nunc dimittis» [refere-se à oração do ancião Simeão que, no dia da apresentação do Menino Jesus no Templo, diz a Deus que agora já o pode levar em paz deste mundo: cfr. Luc 2, 29]“.

O escrito continua: “No dia 13e de maio de 1981, o dia do atentado contra o Papa durante a audiência geral na Praça de São Pedro, a Divina Providência me salvou milagrosamente da morte. O mesmo único Senhor da vida e da morte me prolongou esta vida e, em certo sentido, voltou a dar-ma de novo. A partir desse momento, pertence-lhe ainda mais [...]. Peço-lhe que me chame quando Ele quiser. «Se vivemos, vivemos para o Senhor; e se morremos, morremos para o Senhor… Somos do Senhor (Cf. Rom 14,8)». Espero que até que possa completar o serviço petrino [de sucessor de Pedro] na Igreja, a Misericórdia de Deus me dê forças para este serviço”.

E assim foi. A sua entrega foi como a de uma lamparina que se extingue só depois de consumir-se inteiramente. Mas, à medida em que sua vida se ia apagando, o seu amor resplandecia com mais força. Quem não se lembra do seu derradeiro esforço por se comunicar, por levar a Palavra aos fiéis, naquele dia de abril em que, o rosto emoldurado pela janela de onde tinha falado tantas vezes, só pôde abrir a boca para exprimir silenciosamente a dor, a agonia, as lágrimas silenciosas de um pastor esgotado, que já não mais conseguia articular uma palavra?

Deixou-nos assim um reflexo extraordinário da imagem do Bom Pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas (Jo 10, 11). Na homilia das exéquias, o Cardeal Ratzinger recordava essa figura evangélica em que João Paulo II ficava retratado: “Foi sacerdote até o final, porque ofereceu a sua vida a Deus por suas ovelhas e por toda a família humana, numa entrega cotidiana ao serviço da Igreja e, sobretudo, nas duras provas dos últimos meses. Assim se converteu em uma só coisa com Cristo, o Bom Pastor que ama as suas ovelhas”.


“AQUELE QUE DÁ A VIDA POR SEUS AMIGOS”

Eis aqui outras palavras de Cristo, na Última Ceia, que ajudam a captar essa tocha de caridade: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos (Jo 15, 15).

Cristo deu a vida com a sua dedicação infatigável aos homens - Não vim para ser servido, mas para servir e dar a vida para salvação de muitos (cfr. Mat 20, 28) -, mas a sua entrega chegou ao ápice no sacrifício da Cruz. Com efeito, foi na Cruz, quando já do corpo dilacerado escorriam as últimas gotas do sangue derramado para a remissão dos pecados (Mt 26, 28), que Jesus pôde dizer: Tudo está consumado! (Jo 19, 30).

Nos últimos anos, João Paulo II foi-se configurando, cada vez mais plenamente, com Jesus sofredor, com a sua Paixão e Morte, viveu uma intensa “consciência” do valor salvador da Cruz , que ele sempre amara: “Nunca me aconteceu - escrevia - de colocar com indiferença a minha Cruz peitoral de bispo. É um gesto que sempre acompanho com a oração. Há mais de quarenta e cinco anos que a Cruz pousa em meu peito, ao lado do meu coração. Amar a Cruz quer dizer amar o sacrifício”[8].

À medida que os seus sofrimentos físicos foram aumentando, até envolvê-lo, por assim dizer, como uma espessa malha torturante, o Papa foi compreendendo com mais profundidade que a sua dor, em união com a de Jesus crucificado, seria, por desígnio divino, a nova forma de cumprir a missão de pastor de um rebanho imenso, espalhado pelo mundo, entre perigos, incertezas e ameaças.

Deixemos a palavra, mais uma vez, ao cardeal Ratzinger, na homilia das exéquias de João Paulo II: “Precisamente nesta sua comunhão com o Senhor que sofre, o Papa anunciou, infatigavelmente e com renovada intensidade, o Evangelho, o mistério do amor até o fim”. E, neste ponto, o cardeal citava palavras do próprio João Paulo II no seu último livro “Memória e Identidade” (págs. 189-190): “Cristo, sofrendo por todos nós, conferiu um novo sentido ao sofrimento, introduziu-o em uma nova dimensão, em uma nova ordem: a do amor… É o sofrimento que queima e destrói o mal com a chama do amor, e até do pecado tira um florescimento multiforme de bem”.

É tocante perceber como João Paulo II ia crescendo nessa profunda visão sobrenatural. Após a queda no banheiro, em 28 de abril de 1994, com graves fraturas, o Papa sofreu uma nova intervenção cirúrgica na Policlínica Gemelli, que, no entanto, não pôde resolver satisfatoriamente o problema. Passou, então, a usar bengala. As dores não cederam, ao contrário. Os movimentos tornaram-se mais trôpegos e penosos.

Quando voltou a dirigir-se aos fiéis presentes na Praça de São Pedro, à hora do Ângelus, em 29 de maio, agradeceu publicamente a Cristo e Maria o “dom do sofrimento”, que via como “um dom necessário”. Explicava-lhes, falando especialmente às famílias: “Meditei vezes sem conta sobre tudo isso durante a minha estadia no hospital… Compreendi que tenho de conduzir a Igreja de Cristo até este terceiro milênio através da oração, de vários programas de atuação, mas vi que não é suficiente: tem de ser guiada pelo sofrimento, pelo ataque de há treze anos [o atentado de Ali Agca] e por este novo sacrifício [...]. O Papa tinha de ser atacado, o Papa tinha de sofrer, de modo que todas as famílias e o mundo possam ver que existe um Evangelho mais grandioso: o Evangelho do sofrimento, pelo qual o futuro é preparado, o terceiro milênio das famílias, de cada família e de todas as famílias” [9]

No dia primeiro de abril, pressentindo-se um próximo desenlace, o Arcebispo Angelo Comastri, Vigário para o Estado da Cidade do Vaticano e grande amigo do Papa, foi chamado com urgência ao quarto do pontífice agonizante. Diante dele, como comentou depois pela Rádio vaticana, experimentou uma emoção indescritível: “Ao vê-lo no leito do sofrimento, disse-lhe: «És verdadeiramente o Vigário de Cristo até o final, na paixão que estás vivendo, de modo tão edificante que comove o mundo». O Papa - continuou a narrar -, com a sua dor, escreveu a encíclica mais bela da sua vida, fiel a Jesus até o final”, a “encíclica nunca escrita” [10].

A sua morte espantou o mundo, pois viu nela um “Evangelho da vida”. O Papa alegre, que amou entranhadamente a juventude, pouco antes de expirar soube que multidões de jovens rezavam e velavam a sua agonia ao pé da sua janela, e então disse, com um fio de voz apenas perceptível: “Vi ho cercato, adesso siete venuti da me, e per questo vi ringrazio” (”Eu procurei vocês, jovens, agora vocês vieram ter comigo; e por isso lhes dou as graças”). Foram as últimas palavras que pronunciou.


“A MIM O FIZESTES”

A tocha ardente e clara do exemplo de caridade de João Paulo II ficaria incompleta se não acenássemos, pelo menos, a um dos empenhos mais característicos do seu pontificado: a veneração, o imenso respeito, o amor pela “dignidade do homem, de cada homem, de cada mulher”. Extasiava-se ao pensar no “milagre da pessoa, da semelhança do homem com Deus Uno e Trino”[11]. Tinha assimilado plenamente as palavras de Cristo: Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes (Mat 25, 40).

Daí a sua defesa vigorosa da vida, desde que começa a alvorecer recém-concebida, e a fortaleza com que se opôs a qualquer destruição ou rebaixamento do ser humano como se fosse um objeto, desde as manipulações genéticas e experiências destrutivas de embriões e fetos, e o uso do corpo como mero instrumento de prazer, até a defesa da morte natural digna - de que deu exemplo com sua própria morte -, que rejeita como uma indignidade a eutanásia direta, expediente egoísta e cômodo de uma sociedade hedonista que só pensa em livrar-se de problemas do modo mais expeditivo.

Sofria ao constatar que, na sociedade materializada atual, “o homem ficou só”, e que a sua liberdade divinizada, transformada num ídolo sem Deus, sem verdades nem valores firmes, acaba sendo uma fonte de “nefastas conseqüências morais, cujas dimensões são às vezes incalculáveis”[12].


Só sabia ver as pessoas, cada uma delas, sob a luz de Deus. “Eu simplesmente rezo por todos a cada dia. Basta encontrar uma pessoa, oro por ela, e isso facilita sempre o contato [...]. Sigo o princípio de acolher cada um como uma pessoa que o Senhor me envia e que, ao mesmo tempo, me confia” [13].

E quando se tratou de um assassino a soldo, que friamente fez tudo para matá-lo, que ficou frustrado ao ver que o Papa sobrevivia ao atentado e que jamais esboçou sequer um pedido de perdão? O seu amor não mudava. O valor que dava a cada pessoa humana não mudava, e até mesmo atingia o cume do amor, conseguindo perdoar de todo o coração, devolver bem por mal, amor por ódio, bondade por maldade. Desde o primeiro instante, após o atentado, João Paulo II perdoou Mehmet Ali Agca e rezou por ele. Voltou a dar o perdão publicamente, na primeira audiência que pôde ter com os fiéis. Foi visitá-lo na prisão e ofereceu-lhe seu abraço sincero. Várias vezes, como contava o secretário particular do Papa, Mons. Stanislaw Dziwisz, “recebeu a mãe e os familiares de Agca e perguntava freqüentemente por ele aos capelães da prisão” [14].

Esta é, mais uma vez, a luz de Cristo, a tocha fascinante de amor cristão, irradiando sobre o mundo inteiro pelo exemplo, pela chama de amor de um homem de Deus: Senhor - perguntou a Jesus o “primeiro Pedro” -, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Respondeu Jesus: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete»” (Mat 18, 21-22).



UMA TOCHA DE ESPERANÇA

«AINDA QUE ATRAVESSE O VALE ESCURO, NÃO TEMEREI…»


Desde que iniciou a sua preparação para o sacerdócio, Karol Wojtyla foi colocado por Deus numas circunstâncias dramáticas, em que só podia ser fiel à sua vocação “atravessando o vale escuro”, como diz o Salmo 23. A sua terra, a Polônia, esteve dominada durante boa parte do século XX pelas duas “ideologias do mal”[15]que mais acirradamente se propuseram aniquilar o Cristianismo: o nazismo e o marxismo-leninismo. A “aventura” heróica, empolgante, que significou para o seminarista, o padre e o bispo Wojtyla a vida no ambiente de guerra, de ditaduras e perseguições desencadeadas por essas duas ideologias está bem descrita nas boas biografias já existentes[16].

O perigo nazista foi derrotado em 1945, mas a sombra do marxismo totalitário e ateu cresceu e pairou opressivamente sobre a Polônia dominada, e ameaçava o mundo inteiro até a sua decomposição e queda, acontecida no final dos anos oitenta.

Contudo, quase vinte anos antes dessa falência do “comunismo real”, outras sombras escuras estavam surgindo, densas e igualmente agressivas contra Cristo e a sua Igreja, contra a fé e a moral cristãs: as sombras do materialismo hedonista e consumista do ocidente, cada vez mais alicerçado na ideologia laicista, que hoje ataca a Igreja quase com a mesma ferocidade ideológica que o nazismo e o marxismo.

João Paulo II, no seu livro evocativo “Memória e identidade”, comenta que, ao cessarem os campos de extermínio - os campos de concentração nazistas e os gulagcomunistas - , assistimos hoje ao “extermínio legal de seres humanos concebidos e ainda não nascidos; trata-se de mais um caso de extermínio decidido por parlamentos eleitos democraticamente, apelando ao progresso civil das sociedades e da humanidade inteira. E não faltam outras formas graves de violação da Lei de Deus; penso, por exemplo, nas fortes pressões [...] para que as uniões homossexuais sejam reconhecidas como uma forma alternativa de família, à qual competiria também o direito de adoção. É lícito e mesmo forçoso perguntar-se se aqui não está atuando mais uma ideologia do mal, talvez mais astuciosa e encoberta, que tenta servir-se, contra o homem e contra a família, até dos direitos humanos” [17]

A essa realidade, é preciso somar o fato de que João Paulo II assumiu a cátedra de Pedro em tempos (que vêm se prolongando, em parte, até aos nossos dias) em que a crise do chamado “falso pós-Concílio” grassava na Igreja, gerando um ambiente amplamente estendido de desorientação doutrinal, disciplinar e moral, em que não faltavam erros graves e rebeldias mesmo entre os eclesiásticos.

O quadro seria de molde a encolher os ânimos e suscitar o uma visão pessimista do futuro. Pois bem, é justamente sobre estas sombras de fundo que resplandece mais, com fulgor de santidade, a esperança alegre, serena e segura que animou, em todos os momentos, a alma e o trabalho de João Paulo II, até ao dia da sua morte. Nunca nele se viu um gesto de desalento, uma lamúria, um comentário negativo ou amargo. Viu-se sempre, pelo contrário, um otimismo juvenil, criativo, inabalável, fundamentado numa fé igualmente jovem, renovada e inquebrantável.


NÃO TENHAIS MEDO: ABRI AS PORTAS A CRISTO!

O otimismo do Papa não era coisa temperamental, nem era uma “posição” adotada para ajudar os fiéis a superar tempos difíceis. Era a manifestação da esperança sobrenatural cristã, que vive apoiada em Deus. Essa esperança possuía raízes profundamente fincadas na alma de João Paulo II.

Todos os que vivemos, de perto ou de longe, a surpresa da eleição de João Paulo II, guardamos a lembrança do dia 22 de outubro de 1978, data do início solene do seu pontificado. Como, depois, nos dias da sua morte, uma multidão apertava-se na Praça de São Pedro. O Papa começou a pronunciar a sua homilia, no meio de um silêncio total. Pouco depois de iniciá-la, os fiéis sentiram um estremecimento no coração, porque João Paulo II, esboçando um leve sorriso, encarou o povo de frente e, com um ar jovial, seguro, tranqüilo, lançou com voz clara e forte um apelo: - “Não tenhais medo! Abri as portas ou, melhor, escancarai as portas a Cristo!”

Este apelo, que conclamava os católicos e os homens de boa vontade a olhar para o futuro com esperança, tornou-se para o Papa como que o “refrão” do seu pontificado. Dezesseis anos mais tarde, em 1994, ele mesmo glosou essas palavras numa entrevista concedida ao jornalista Vittorio Messori, transcrita no livro “Cruzando o limiar da esperança”[18]:

“Não tenhais medo!, dizia Cristo aos Apóstolos (Lc 24, 36) e às mulheres (Mt 28, 10), depois da Ressurreição [...]. Quando pronunciei estas palavras na praça de São Pedro não me podia dar conta plenamente de quão longe elas acabariam levando a mim e à Igreja inteira. Seu conteúdo provinha mais do Espírito Santo, prometido pelo Senhor Jesus aos Apóstolos como Consolador, do que do homem que as pronunciava. Todavia, com o passar dos anos, eu as recordei em várias circunstâncias. Tratava-se de um convite para vencer o medo na atual situação mundial [...]. Talvez precisemos mais do que nunca das palavras de Cristo ressuscitado: “Não tenhais medo!”. Precisa delas o homem [...], precisam delas os povos e as nações do mundo inteiro. É necessário que, em sua consciência, retome vigor a certeza de que existe Alguém que tem nas mãos a sorte deste mundo que passa; Alguém que tem as chaves da morte e do além; Alguém que é o Alfa e o Ômega da história do ser humano. E esse Alguém é Amor, Amor feito homem, Amor crucificado e ressuscitado. Amor continuamente presente entre os homens. É Amor eucarístico. É fonte inesgotável de comunhão. Somente Ele é que dá a plena garantia às palavras: «Não tenhais medo».”

É emocionante verificar que a mesma esperança da primeira mensagem de João Paulo II animou a sua última mensagem. No domingo, dia 3 de abril de 2005, a primeira vez em que era celebrado o “Domingo da Divina Misericórdia”, o arcebispo Sandrini leu à multidão congregada na praça de São Pedro a última alocução preparada com antecedência pelo Papa, que falecera no dia anterior. Ele desejava ter podido pronunciá-la no encontro tradicional da hora do Angelus desse dia (do Regina Caeli, pois era tempo pascal): “…À humanidade - dizia - , que às vezes parece perdida e dominada pelo poder do mal, do egoísmo e do medo, o Senhor ressuscitado oferece a sua misericórdia como dom do seu amor que perdoa, reconcilia e reabre o ânimo à esperança. É um amor que converte os corações e doa a paz. Quanta necessidade tem o mundo de compreender e acolher a Divina Misericórdia! Senhor, que com a vossa morte e ressurreição revelais o amor do Pai, nós acreditamos em Ti e hoje te repetimos com confiança: «Jesus, confio em Ti! Tem misericórdia de nós e do mundo inteiro!»”. A mensagem terminava convidando a “contemplar com os olhos de Maria o imenso mistério desse amor misericordioso que brota do coração de Cristo”.



OS SEGREDOS DA ESPERANÇA

A Epístola aos Hebreus diz que “a fé é o fundamento da esperança” (Hebr 11, 1). Assim foi, sem dúvida, na vida de João Paulo II.

No livro “Cruzando o limiar da esperança”, o Papa pergunta-se: “Por que não devemos ter medo?”. E responde: “Porque o ser humano foi redimido por Deus [...].Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho Unigênito (Jo 3, 16). Este Filho continua na história da humanidade como Redentor. A revelação divina perpassa toda a história do ser humano, e prepara o seu futuro… É a luz que resplandece nas trevas(cfr. Jo 1, 5). O poder da Cruz de Cristo e da sua Ressurreição é maior que todo o mal de que o homem poderia e deveria ter medo” - conclui, grifando explicitamente a última frase [19].

Na verdade, é nesta última frase que se encerra todo o segredo da esperança cristã. O biógrafo Jorge Weigel, referindo-se a um comentário feito pelo dissidente iugoslavo Milovan Djilas, no sentido de que aquilo que mais lhe havia impressionado no Papa foi perceber que era um homem totalmente destemido, esclarecia o verdadeiro caráter dessa coragem: “Trata-se de uma audácia inequivocamente cristã. Na fé cristã o medo não é eliminado, mas transformado através de um encontro pessoal profundo com Cristo e com a sua Cruz. A Cruz é o lugar onde todo o medo humano foi oferecido pelo Filho ao Pai, livrando-nos a todos do medo” [20].

Alguns anos depois, em 2005, João Paulo II corroborava essa interpretação. No livro “Memória e Identidade”, diz: “Porventura não é o mistério da Redenção [da Cruz, da Morte e da Ressurreição de Cristo] a resposta ao mal histórico que retorna, sob as mais variadas formas, nos acontecimentos do homem? Não será a resposta também ao mal do nosso tempo? [...]. Se olharmos, com olhos mais clarividentes, a história dos povos e das nações que passaram pela prova dos sistemas totalitários e das perseguições por causa da fé, descobriremos que foi então precisamente que se revelou com clareza a presença vitoriosa da Cruz de Cristo [...], como promessa de vitória [...]. Se a Redenção constitui o limite divino posto ao mal, isso se verifica apenas porque nela o mal fica radicalmente vencido pelo bem, o ódio pelo amor, a morte pela ressurreição” [21].

Cristo vence o mundo do mal, do pecado, vence o Inimigo, vence a morte. E a sua vitória é nossa: Esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé (I João 5, 4).

Com essa mesma esperança bem fundada, o Papa entrava - e nos ajudava a entrar com ele - no novo milênio, oferecendo-nos, na Carta apostólica “Novo millennio ineunte” (”No início do novo milênio”), de 6 de janeiro de 2001, todo um programa vibrante e otimista para o período que se iniciava. Também nessa Carta, a alegre esperança brotava da fé em Cristo Redentor, ressuscitado, vivo, que “não nos deixou órfãos” (cfr. Jo 14, 18), que nos prometeu “estar conosco todos os dias até o fim do mundo” (cfr. Mat 28, 20). “Agora é para Cristo ressuscitado que a Igreja olha” - escrevia. “Passados dois mil anos desses acontecimentos (Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo), a Igreja revive-os como se tivessem sucedido hoje. No rosto de Cristo, ela - a Esposa - contempla o seu tesouro, a sua alegria [...]. Confortada por essa experiência revigoradora, a Igreja retoma agora o seu caminho para anunciar Cristo ao mundo no início do terceiro milênio: ele é o mesmo ontem, hoje e sempre(Hebr 13, 8)” (n. 28).



UM LUMINOSO AMANHECER

Quem lê esse documento (e é importante relê-lo e meditá-lo muitas vezes!), pode ter inicialmente a impressão de um excesso de otimismo. O Papa fala com tanto entusiasmo do futuro da Igreja! Vê o mundo como um mar aberto diante dos cristãos, imenso, fabuloso, um mar para o qual Cristo acena, enquanto olha para nós e nos lança para ele com mesma palavra de ordem que dirigiu a Pedro, pescador, no mar da Galiléia, após uma noite triste de fracassos: Duc in altum! - Avança para águas mais profundas e lança as tuas redes para a pesca! (Luc 5, 3-4).

Esperança não é ilusão. Otimismo não é fechar os olhos e achar que tudo é azul. O Papa João Paulo II tinha plena consciência da presença abundante do mal no nosso mundo, da grande quantidade de joio, de planta daninha, misturada no meio do bom trigo. Mas não se esquecia de que Jesus, com a parábola do trigo e o joio (cfr. Mat 13e, 24 ss.), quis garantir-nos que haverá trigo e promessa de belas colheitas até o fim do mundo. O pessimista vê o joio. O otimista vê o trigo, e sente a responsabilidade de cuidá-lo, aumentá-lo, estendê-lo, fazê-lo crescer. “O modo como o mal cresce e se desenvolve no terreno sadio do bem - escreve o Papa Wojtyla - constitui um mistério; e mistério é também aquela parte de bem que o mal não conseguiu destruir e que se propaga apesar do mal, e cresce no mesmo terreno [...]. O trigo cresce juntamente com o joio e, vice-versa, o joio com o trigo. A história da humanidade é o palco da coexistência do bem e do mal. Isto significa que, se o mal existe ao lado do bem, então está claro que o bem, ao lado do mal, persevera e cresce”.[22].

Da mesma forma, na Carta Mane nobiscum Domine para o Ano da Eucaristia (2005), João Paulo II reafirmava o otimismo da Carta do novo milênio, sem deixar de registrar o fato de que o mal, não só não diminuiu, como até parece ter crescido em vários aspectos, desde que o novo milênio começou.

Evoca nessa Carta as celebrações do Jubileu do ano 2000 e diz: “Sentia que essa ocasião histórica se delineava no horizonte como uma grande graça. Não me iludia, por certo, que uma simples passagem cronológica, ainda que sugestiva, pudesse por si mesma comportar grandes mudanças. Os fatos, infelizmente, se encarregaram de pôr em evidência, depois do início do milênio, uma espécie de crua continuidade dos acontecimentos precedentes e, com freqüência, dos piores dentre esses”. Mas nem por isso deixa de incentivar os cristãos a “testemunhar com mais força a presença de Deus no mundo”, e proclama, “mais convencido que nunca”, a certeza de que Cristo “está no centro, não apenas da história da Igreja, mas também da história da humanidade” e de que, por isso, só “nele o homem encontra a redenção e a plenitude” [23].

João Paulo II já está com Deus, na vida que não morre mais. Mas a sua esperança continua a ser luz que ilumina os olhos da alma e enche de coragem o coração. O novo Papa Bento XVI sente-se devedor dessa esperança e quer ser o novo porta-voz dela. Na sua primeira mensagem, dirigida na Capela Sixtina aos cardeais que o elegeram, em vinte de abril de 2005, disse: “Tenho a impressão de sentir a mão forte do meu Predecessor, João Paulo II, que estreita a minha. Parece que vejo seus olhos sorridentes e que ouço as suas palavras, dirigidas neste momento particularmente a mim: «Não tenhais medo!».

A bandeira da esperança de João Paulo II continua desfraldada: “Sigamos em frente com esperança” - repete-nos. “Diante da Igreja abre-se um novo milênio como um vasto oceano onde se aventurar com a ajuda de Cristo. O Filho de Deus, que se encarnou há dois mil anos por amor do homem, continua também hoje em ação [...]. Agora Cristo, por nós contemplado e amado, convida-nos uma vez mais a pormo-nos a caminho [...], convida-nos a ter o mesmo entusiasmo dos cristãos da primeira hora. Podemos contar com a força do mesmo Espírito que foi derramado no Pentecostes e nos impele hoje a partir de novo sustentados pela esperança, que não nos deixa confundidos (Rom 5, 5)” [24]

No verão de 1997, João Paulo II convidou a passar uns dias com ele, em Castelgandolfo, um casal de amigos poloneses, velhos companheiros na juventude da luta pela fé e a liberdade, Piotr e Teresa Malecki. “O quarto deles - relata George Weigel - ficava mesmo por baixo do seu e, todas as manhãs antes de amanhecer, sabiam pelo baque surdo da sua bengala que já se tinha levantado. Certo dia, na hora do café da manhã, o Papa perguntou-lhes se o barulho os incomodava. Não, responderam, de qualquer forma já tinham de se levantar para a missa. «Mas,Wujek[25] - perguntaram -, por que você se levanta naquela hora da manhã?»

“Porque - disse Karol Wojtyla, 264º bispo de Roma - gosto de contemplar o amanhecer”[26] .


Trecho do livro “A força do exemplo”, incluído neste site.[27]



[1] Cfr. George Weigel, Testemunho da Esperança, Bertrand Editora, Lisboa, 2000, pág. 227

[2] Ed. Planeta, São Paulo 2004, págs. 147-148

[3] Cfr. George Weigel, obra citada, págs. 227, 228 e 337; e Carl Bernstein e Marco Politi, Sua Santidade, Ed. Objetiva, Rio de Janeiro 1996, págs. 383 e 540

[4] Os documentos de João Paulo II (Encíclicas, Exortações apostólicas, Cartas, etc.) podem ser consultados no site www.vatican.va . Há também várias coleções de encíclicas publicadas no Brasil: Encíclicas de João Paulo II, Ed. Paulus, São Paulo 2003;João Paulo II. Encíclicas, Ed. LTr, 3ª edição, São Paulo 2003

[5] João Paulo II, Levantai-vos! Vamos!, citado, pág. 186

[6] Ibid.

[7] Joseph Ratzinger, João Paulo II. Vinte anos na história, Ed. Paulinas, São Paulo 2000, pág. 31

[8] Levantai-vos! Vamos!, pág. 193

[9] Cfr. George Weigel, obra citada, pág. 582

[10] Revista Nuestro Tiempo, n. 610, abril 2005, págs. 38 e 39

[11] Levantai-vos! Vamos!, pág. 102

[12] Memória e identidade, citado, págs. 21 e 55

[13] Levantai-vos! Vamos!, págs. 76-77

[14] Apêndice de Memória e Identidade, pág. 185

[15] Ver João Paulo II, Memória e Identidade, pág. 15 e ss.

[16] Ver, por exemplo, a citada biografia de George Weigel, Testemunho de esperança

[17] Obra citada, págs. 22-23

[18] Livraria Francisco Alves editora, Rio de Janeiro 1995, págs. 201 ss.

[19] Obra cit., pág. 202

[20] Testemunha de esperança, cit., pág. 696

[21] Obra cit., págs. 30-33

[22] Memória e Identidade, já citada, pág. 14

[23] Carta apostólica Mane nobiscum Domine, 07.10.2004, nn. 6 ss.

[24] Carta apostólica Novo millennio ineunte, n. 58

[25] Durante a perseguição comunista, quando fazia excursões com jovens, o padre Woytila, para evitar problemas com a polícia, pedia aos jovens: - Não me chamem padre, “me chamem wujek” (tio), frase conhecida de uma célebre epopéia polonesa do escritor Henryk Sienkiewicz.

[26] George Weigel, Testemunha de esperança, citado, pág. 696

O significado teológico da Ascensão do Senhor

Por Don Henrique Soares


Façamos antes de tudo duas observações: (1) Jesus ressuscitado tem uma vida divina, o Espírito Santo que ele recebeu do Pai na ressurreição e, agora, impregna toda a sua natureza humana, corpo e alma. Ora, esta vida divina do Ressuscitado é a força criadora e sustentadora de todo o tempo: Jesus entrou, pela ressurreição e imediatamente após a ressurreição, no princípio dos tempos, acima de todos os tempos, trazendo em seu presente todos os tempos. Sendo a vida divina o suporte de todo o tempo e seu eterno presente, o Cristo ressuscitado não somente pode interferir no tempo, mas também manifestar-se nele progressivamente pelas aparições, ascensão e pentecostes. (2) O «céu» ao qual se alude na ascensão não é um lugar físico, mas a própria vida na comunhão trinitária: é o âmbito do Deus Uno e Trino, o estar do Filho com o Pai no Espírito Santo, numa comunhão plena e inenarrável de vida e amor, de plenitude e glória.

Biblicamente os dados sobre a ascensão são variados e complexos: (a) Mateus não fala dela porque deseja sublinhar a presença contínua de Jesus entre os seus discípulos: "Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!" (Mt 28,20). (b) Para Marcos a ascensão, apresentada logo depois do colóquio com os discípulos no Cenáculo, é vista como o ingresso definitivo de Jesus, também com a sua humanidade, na onipotência divina (cf. Mc 16,19). O «sentar-se à direita» indica a participação de Cristo, também com sua natureza humana, na potência real de Deus. Já São João Damasceno notava que a Direita do Pai não é um lugar, mas imagem da sua potência criadora. O “sentar-se à direita” significa, em última análise, que Cristo entrou, também com a sua natureza humana, na potência onicompreensiva de Deus. (c) Lucas, por sua vez, coloca a ascensão na mesma tarde da ressurreição (cf. Lc 24,13.19). (d) Em João, esta acontece na manhã mesma da ressurreição (cf. Jo 20,17). (e) É para os Atos dos Apóstolos – cujo autor é também Lucas - que a ascensão ocorre somente quarenta dias após a páscoa (cf. At 1,2s) e com uma descrição muito diferente da do Terceiro evangelho (cf. At 1,9-11)! Uma coisa é certa: no pensamento do Novo Testamento, a ascensão deve ser colocada em relação com a ressurreição, tratando-se, portanto, de um evento que sublinha a glorificação celeste de Cristo. Esta é a sua primeira especificidade em relação à ressurreição. Ao afirmarmos a ressurreição, queremos dizer que Cristo foi vivificado, que venceu a morte, que o Pai não o abandonou e glorificou sua humanidade. Ao proclamarmos a ascensão, dizemos que este Cristo está com o Pai, imerso na sua glória e participando do seu senhorio sobre todos os tempos e toda a criação.

A diversidade temporal entre ressurreição e ascensão, apresentada nos textos do Novo Testamento (um espaço de quarenta dias nos Atos, enquanto no próprio Evangelho do mesmo Lucas, ela é colocada no mesmo dia da ressurreição – cf. 24,50s!) não é importante e deve-se à diferença tempo-eternidade. Cristo, ressuscitado e subido ao céu no mesmo dia da Páscoa, não cessou, por algum tempo, de dar instruções aos seus discípulos (cf. At 1,2) – é isto que os textos bíblicos querem dizer. Note-se que o evento enquanto tal é real e possui um significado próprio; em outras palavras: a ascensão não é um mito; é uma realidade e um mistério de fé bem concreto. O modo como ela é narrada nos Atos é que tem um forte tom alegórico para exprimir uma realidade que nos ultrapassa totalmente! Logo Lucas, tão preocupado com a dimensão histórica (cf. Lc 1,1-4), propositalmente apresenta a ascensão de dois modos tão diversos (no Evangelho e nos Atos) exatamente para chamar atenção para a finalidade teológica de sua apresentação: a ressurreição não significa que a história humana tenha chegado ao seu termo e que o retorno de Jesus seja imediato. Lucas deseja mostrar que, a partir da Páscoa, Deus concede à Igreja espaço e tempo para desenvolver-se além de Jerusalém, da Judéia e da Samaria, até os confins da terra (cf. At 1,18). Assim, a ascensão não pode ser pensada como uma viagem espácio-temporal de um Jesus voando pelo espaço sideral, mas como entrada de Jesus-homem no âmbito do Pai, na sua glória divina. Sua humanidade, igual à nossa, agora está divinizada e entrou no âmbito de Deus uno e trino! Assim, trata-se de um caminho para o Pai, sendo um evento meta-histórico, transcendente, que se realiza no silêncio santo do mistério de Deus. É importante insistir: a ascensão não acontece na história humana; é um evento real, mas não é um evento histórico, pois ocorre no seio do Deus-Trindade! Note-se que aquele que ascende já não mais pertencia a este mundo: não é alguém deste mundo, mas o Ressuscitado – aquele que saiu do mundo na sexta-feira santa, entrando na morte, e saiu da morte, ressuscitado no domingo de páscoa, para entrar no Pai! Por isto mesmo, não se trata de um caminho visível, podendo ser narrado somente metaforicamente. Efetivamente, é o que São Lucas faz nos Atos dos Apóstolos!

Teologicamente, podemos apontar quatro significados para este evento salvífico:

1 - A ascensão como presença permanente de Cristo glorioso na Igreja. Neste sentido move-se o silêncio de Mateus: para ele a ascensão é um evento invisível aos homens, que se realizou em relação com a ressurreição. Mateus a compreende como presença contínua e misteriosa de Jesus entre os discípulos mesmo após a ressurreição: "Toda autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi entregue. Ide, e fazei que todas as nações se tornem discípulos... E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos" (Mt 28,18-20). Assim, Mateus interpreta a vida do cristão na espera da Vinda do Senhor como uma existência em sua companhia já agora (cf. Mt 18,20): Cristo está presente também na ação apostólica da Igreja. Esta convicção está presente também nos outros textos neotestamentários: após a ascensão, são os discípulos que se tornam a manifestação da presença do Senhor no mundo. A ascensão é, portanto, um mistério de transformação íntima: até então Jesus tinha se dirigido ao mundo de modo visível; a partir de sua subida, ele encontra o mundo através dos seus discípulos; é neles que o Senhor se dirige ao mundo. A ascensão não é um perder-se de Jesus na imensidão do céu, mas sua plena imersão na Igreja, Comunidade dos seus discípulos, nos quais ele efunde o seu Espírito. Isto quer dizer que o Cristo está muito mais íntimo e interior à sua Igreja, aos seus discípulos e ao próprio mundo que antes da ressurreição!

2 - A ascensão como evento escatológico. A narrativa dos Atos sublinha este sentido: as nuvens podem evocar a parusia final, Vinda gloriosa do Senhor (cf. Lc 21,27; Ap 1,7; 14,14) em conexão com a presença e as palavras dos anjos: "Este Jesus, que foi arrebatado dentre vós para o céu, assim virá, do mesmo modo como o vistes partir para o céu (At 1,11). Note-se que aqui são indicados dois importantes momentos da historiada salvação: ascensão e parusia; ambos são aspectos da mesma dignidade messiânica de Jesus - no primeiro momento (ascensão) ele entra no âmbito de Deus para tomar posse do reino escatológico, cuja potência descerá manifestamente ao mundo no Último Dia (parusia). A Igreja, novo povo de Deus vive, então, com o olhar para o céu, numa atitude de espera, de modo que a ascensão sublinha esta ânsia escatológica da Igreja e seu desejo de estar novamente com o Senhor.

3 - Ascensão como retorno ao Pai. Para João, a ascensão torna-se visível no levantamento da cruz (cf. Jo 3,14; 8,28; 12,32s): trata-se do momento do retorno de Jesus ao Pai. Assim, todo o destino de Jesus é finalizado à ascensão: sua descida pela encarnação é já endereçada à subida: "Saí do Pai e vim ao mundo; de novo deixo o mundo e vou para o Pai" (Jo 16,28); "Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem" (Jo 3,13). Deste modo, a ascensão é o cumprimento da encarnação e da redenção: o Ressuscitado já subiu ao céu, já foi entronizado à Direita do Pai, atraindo seus discípulos a esta comunhão divina (cf. Jo 14,20; 17,23). Jesus, entronizado junto ao Pai, e Senhor de tudo e pólo de atração de toda a história humana e de todo o universo!

4 - A ascensão no seu aspecto cósmico e sacerdotal. Para Paulo, a ascensão leva a cumprimento um caminho cósmico de Cristo, que do mais profundo dos abismos conduziu-o à Direita de Deus: "O que desceu é também o que subiu acima de todos os céus, a fim de plenificar todas as coisas" (Ef 4,10). A partir de agora, tudo, no céu e na terra, está debaixo do senhorio do Ressuscitado e tudo caminha para ele. Ele é a plenitude e a consumação de todas as coisas! Na mesma linha move-se a 1Pd 3,22: "Tendo subido ao céu está à Direita de Deus, estando-lhe sujeitos os anjos, as Dominações e as Potestades". A Epístola aos Hebreus, por sua vez, compreende este ingresso de Cristo no céu como exercício do seu sumo sacerdócio no Santuário celeste (cf. 4,14; 6,19s): "Cristo não entrou num santuário feito por mão humana, réplica do verdadeiro, e sim no próprio céu, a fim de comparecer, agora, diante da face de Deus em nosso favor" (9,24). Isto é, Aquele que entrou na plenitude da glória é o nosso eterno Salvador e Intercessor. É a mesma idéia do Apocalipse, ao falar do Cordeiro de pé como que imolado (cf. 5,4), isto é, o Cristo ressuscitado e glorificado diante do Trono do Pai, num esterno estado de imolação-intercessão por toda a humanidade.

Concluindo, a ascensão é o retorno vitorioso de Cristo ao Pai: é o «dia no qual o Cristo vitorioso subiu ao Pai», sendo constituído Senhor dos homens e do universo. Esta partida, contudo, não significa distanciamento dos seus discípulos nem ausência de sua Igreja: ele não só está conosco até o fim dos tempos (cf. Mt 28,20), mas também está «em nós» e nós «nele», para sempre (cf. Jo 14,20; 17,23). Em certo sentido, a subtração do seu ser junto a nós visivelmente é o que torna possível o seu ser «em nós» - e isto é a participação no seu Espírito (cf. Jo 16,7), de modo que a ascensão é premissa para o dom do Espírito: "É do vosso interesse que eu parta, pois se eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas se eu for, enviá-lo-ei a vós" (Jo 16,7).