É urgente tomarmos consciência que a fé trinitária deve ecoar em toda a existência cristã. A relação do discípulo de Jesus com a Santa Trindade começa no Batismo: aí fomos mergulhados (=batizados) no Santo Espírito do Ressuscitado. Este Espírito nos une real e intimamente a Cristo, faz-nos uma só coisa com ele, de modo que, nele, nos tornamos filhos do Pai, temos acesso ao Pai: “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito” (Jo 2,5-6). O sentido é claro: não basta nascer humanamente, segundo a natureza; não basta ter uma alma imortal, uma inteligência; é necessário abrir-se para uma vida divina, nova, que o Pai nos dá pelo Filho Jesus. Esta vida é-nos dada pelo Santo Espírito; ou melhor: esta vida é o próprio Santo Espírito dado na água do Batismo: o que nasce do Espírito vive uma nova relação com o Pai de Jesus; é “espírito”, quer dizer é aberto para Deus! Ora, batizados no Santo Espírito de Cristo, simbolizado pela água, fomos revestidos de Cristo: “Todos vós que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo” (Gl 3,27); “Fostes sepultados com ele no Batismo, também com ele ressuscitastes, pela fé no Poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos” (Cl 2,12).
É significativo Paulo falar aqui em Poder de Deus, que equivale ao Santo Espírito. Não se trata de algo, mas de Alguém! Assim, o mesmo Espírito, Poder de Deus, que ressuscitou Jesus, age no nosso Batismo, fazendo, nossa vida cristiforme e, portanto, é vida filial: “Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Com efeito, não recebestes um espírito de escravos, para recair no temor, mas recebestes um Espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: Abbá! Pai. O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus” (Rm 8,14-16).
Este texto é claramente trinitário: o cristão recebeu o Espírito do Filho Jesus, Espírito de filiação. Este Espírito nos une ao Filho Jesus e, com ele, nós podemos dizer: Abbá! Isto é: pelo Espírito o cristão é unido a Jesus e passa a participar da sua relação filial com o Pai. Por isso mesmo São João vai afirmar: “Vede que prova de amor que nos deu o Pai: sermos chamados filhos de Deus. E nós o somos!” (1Jo 3,1).
Assim, toda a vida do cristão torna-se vida “espirituada”, vida segundo o Santo Espírito, conduzida pelo Espírito. E o que faz este Espírito em nós? Se é Espírito de Cristo, nos cristifica: dá-nos os sentimentos e atitudes do Cristo Jesus. Por isso, falando do Espírito, Jesus afirmou: “Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará” (Jo 16,14). Tendo os sentimentos e atitudes de Cristo, sendo cada vez mais semelhantes a Cristo pela potência do Espírito, nós entraremos sempre mais na relação filial: faremos a experiência de viver nos braços do Pai do céu, sabendo que nossa vida é preciosa aos seus olhos e caminha para ele: “Eu vos digo: Não vos preocupeis com vossa vida, com o que comereis, nem com o corpo, com o que vestireis. Não será a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que as vestes? Olhai os pássaros do céu: não semeiam, nem colhem, nem guardam em celeiros, mas o Pai celeste os alimenta. E vós não valeis muito mais do que eles? Quem de vós, com suas preocupações, pode aumentar a duração de sua vida de um momento sequer? E por que vos preocupais com as vestes? Observai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam. Mas eu vos digo que nem Salomão com toda a sua glória se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje cresce e amanhã será lançada ao fogo, quanto mais a vós, gente de pouca fé! Por isso não vos preocupeis, dizendo: ‘O que vamos comer? O que vamos beber? Com que nos vamos vestir?’ São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. Buscai, pois, em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas de acréscimo” (Mt 6,25-33).
Jesus aqui não está convidando à malandragem nem à irresponsabilidade imprevidente, mas a um abandono confiante no amor do Pai. Para isto não basta nosso esforço nem nossa boa vontade: é no Espírito do Filho Ressuscitado que temos a certeza interior que o Pai de Jesus é nosso Pai! Note-se bem: não se trata somente de um sentimento; trata-se de uma realidade impressionante e maravilhosa: porque recebemos o Espírito do Filho, participamos da sua filiação, participamos da natureza divina (cf. 2Pd 1,4).
Pois bem: toda a vida do cristão é vida no Espírito, na docilidade a ele, para que ele nos cristifique e nos leve ao Pai. Tudo em nós é no Espírito, através do Filho para o Pai. A oração do cristão, por exemplo, é trinitária. Não se trata tanto de rezar à Trindade, mas de rezar na Trindade: se nós oramos, é porque o Espírito ora em nós (cf. Rm 8,26-27) e, sendo ele Espírito do Filho, a sua oração é filial, é a mesma do Filho, isto é, é nos fazer clamar como o Filho: Abbá! Pai! (cf. Rm 8,15). Assim, toda oração nossa vai sempre terminar no Pai. Mesmo quando rezamos ao Filho é como aquele que é nosso Mediador junto do Pai. Rezamos ao Pai pelo Filho! Toda oração nossa é no Espírito. A Igreja quase não ora ao Espírito, porque ora sempre no Espírito, através do Filho, para a glória do Pai: Ó Pai, “por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo!”
Trinitária nossa vida, trinitária nossa oração, trinitária será também nossa morte: para o cristão morrer é “morrer em Jesus” (1Ts 4,14), é “partir para estar com Cristo” (Fl 1,23). Morreremos não na morte, mas em Jesus morto e ressuscitado! Isto é, aquele mesmo Espírito que recebemos no Batismo e que ressuscitou Jesus, nos ressuscitará também como ressuscitou Jesus: “Se o Espírito dAquele (do Pai) que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, Aquele (o Pai) que ressuscitou Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais, mediante o Espírito que habita em vós” (Rm 8,11).
A idéia é claríssima: se temos o Espírito do Cristo morto e ressuscitado, seremos mortos e ressuscitados no mesmo Espírito no qual Jesus morreu e ressuscitou; seremos transfigurados pelo Espírito que o Pai derramou sobre nós através do Filho! Aí sim, seremos plenamente filhos, com o Filho, no único Espírito, para a glória do Pai. Era o que João dizia: “Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas o que nós seremos ainda não se manifestou. Sabemos que por ocasião desta manifestação (do Filho) seremos semelhantes a ele (ao Filho), porque o veremos tal como ele é” (1Jo 3,2).
Fonte: http://costa_hs.blog.uol.com.br