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5 de jul. de 2009

O Santo Rosário


Uma reflexão sobre a história e a importância da recitação do Rosário pelos cristãos à luz da Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, do Papa João Paulo II.
“Papa muda o terço depois de quinhentos anos” “Papa renova o terço depois de séculos”. `João Paulo II altera modo de rezar o terço”. Estas e outras manchetes – mais ou menos exatas – encabeçaram as páginas de jornais de todo o mundo quando o Papa João Paulo II publicou, no dia 16 de outubro de 2002, a sua Carta ApostólicaRosarium Virginis Mariae (1) sobre o Santo Rosário, em que incluía a possibilidade de rezar novos mistérios e estimulava uma renovação dessa tradicionalíssima devoção mariana.



(1) Daqui por diante, as referências a essa Carta apostólica serão indicadas apenas pelo número do parágrafo entre parênteses.





[...]


BREVE HISTÓRIA DO ROSÁRIO

É difícil dizer quando começa a história do Rosário, pois foi nascendo como algo natural e espontâneo no povo cristão. Na Idade Média, faz-se referência à Virgem Maria com o título de “Rosa”. Num manuscrito medieval francês lê-se, por exemplo: “Quando a bela rosa Maria começa a florescer, o inverno das nossas tribulações se desvanece e começa a brilhar o verão da eterna alegria”. As imagens de Nossa Senhora são adornadas com uma coroa de rosas, e nos hinos cantados em sua homenagem é designada como um “jardim de rosas” (em latim medieval, rosarium).

Nessa época, nasceu o costume de rezar cento e cinqüenta Ave-Marias em substituição dos cento e cinqüenta Salmos do Ofício divino. Para contá-las, utilizavam-se grãos enfileirados num barbante, em grupos de dez, ou nós feitos numa corda. Ao mesmo tempo, meditava-se e pregava-se a vida da Virgem Maria.

Embora haja diferentes opiniões sobre o modo como o Rosário se formou gradualmente, não há dúvida de que São Domingos (1170-1221) foi o homem que, no seu tempo, mais contribuiu para essa formação, não sem a inspiração da própria Santíssima Virgem. Esta oração foi a grande arma de que o santo se valeu para combater a heresia albigense: na sua pregação, narrava os mistérios evangélicos e depois recitava com os ouvintes as Ave-Marias.

Por volta de fins do século XV, os dominicanos de Flandres e de Colônia deram ao Rosário uma estrutura similar à que se passou a utilizar daí por diante: rezavam cinco ou quinze mistérios, cada um composto de dez Ave-Marias. A Ave-Maria, recomendada desde antes do século XII pelos Concílios numa versão mais breve do que a que conhecemos, adquire então a sua forma definitiva, com o acréscimo da petição de uma boa morte: “rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte”. Por essa época, ganha forma também a contemplação dos mistérios, divididos em gozosos, dolorosos e gloriosos, procurando-se assim repassar semanalmente os fatos centrais da vida de Jesus e de Maria, como um resumo do Evangelho. Em último lugar, acrescenta-se a ladainha, cuja origem na Igreja é independente e muito antiga.

A partir de então, o Rosário estende-se graças às aprovações pontifícias e à difusão das Confrarias do Santo Rosário. O Papa São Pio V atribuiu a vitória da batalha de Lepanto contra os turcos, a 7 de outubro de 1571, à intercessão de Nossa Senhora por meio do Rosário. Com o tempo, vir-se-ia a celebrar a festa de Nossa Senhora do Rosário nesse dia 7 de outubro.

Houve um notável impulso dessa devoção em tempos de Leão XIII, chamado, como vimos, “o Papa do Rosário”. Todos os Pontífices dos últimos séculos promoveram aquela que é provavelmente a devoção mais praticada pelos fiéis católicos. Nos últimos tempos, contribuíram de maneira especial para a propagação dessa devoção mariana as aparições de Lourdes e Fátima. Aos três pastorzinhos de Fátima, Nossa Senhora pedia expressamente: “Rezem o Rosário”.

[...]


O ROSÁRIO E A VIDA CRISTÃ

Na sua Carta apostólica, o Santo Padre João Paulo II mostra a imensidade de tesouros que contém em si essa oração tão tradicional na Igreja. Riquezas para o desenvolvimento da vida cristã, para o aprofundamento no conhecimento de Cristo, para a revitalização da Igreja e da sociedade em geral. Por isso, quis o Papa comemorar os seus vinte e cinco anos de pontificado estabelecendo um Ano do Rosário, de outubro de 2002 a outubro de 2003.

Considerar esta Carta nos seus pontos principais pode ser um ótimo meio de incluirmos ou revitalizarmos essa devoção na nossa vida, e de sermos, também nós, propagadores do amor a Maria.

Crise?
O Rosário atravessa uma crise? O Papa fala de “uma certa crise desta oração” (n. 4), referindo-se a uma compreensão errônea por parte de alguns, que os leva a considerar o Rosário uma devoção própria de épocas passadas. Daí a revitalização que João Paulo II procura fomentar, criando novos mistérios e propondo este ano do Rosário.

Se o Rosário está realmente em crise, talvez seja porque está em crise o amor, que é o mais terrível tipo de crise do coração humano e da sociedade. Justamente por isso impõe-se um esforço de renovação, pois o Rosário é – digamos assim – uma “grande canção de amor”.

Uma das maiores resistências que alguns experimentam diante desta oração mariana é a repetitividade das Ave-Marias. “Considerando superficialmente uma tal repetição, pode-se ser tentado a ver o Rosário como uma prática árida e aborrecida. Chega-se, porém, a uma idéia muito diferente quando se considera o terço como expressão daquele amor que não se cansa de voltar à pessoa amada com efusões que, apesar de semelhantes na sua manifestação, são sempre novas pelo sentimento que as permeia [...]. Para entender o Rosário, é preciso entrar na dinâmica psicológica do amor” (n. 26).

Não dizem as canções de amor sempre a mesma coisa? Isso é mau, por acaso? Os namorados não repetem sempre as mesmas frases: “eu te amo”, “eu te adoro”, “você é o meu amor”? Com Maria Santíssima e com Jesus Cristo não há de ser diferente.

Para quem ama, a repetição das Ave-Marias no Rosário não é vazia nem monótona. Para os que ainda não amam devidamente, essa repetição pode ser um bom caminho para aprenderem a amar. João Paulo II não se recata em mostrar a sua preferência: “O Rosário é a minha oração predileta. Oração maravilhosa! Maravilhosa na simplicidade e na profundidade” (n. 2).

Para confirmar esta realidade, basta pensar que é “oração amada por numerosos santos” (n. 1), que são os campeões no amor. O Beato Bártolo Longo tomou-o como ponto princípal da sua missão e esteio da sua piedade. São Luís Maria Grignion de Monfort sustentava que é “ó método mais fácil de meditação” e “a mais difícil das orações vocais”. São Josemaría Escrivá chamava-lhe “arma poderosa para vencer na luta interior e para ajudar todas as almas”(2).



(2) São Josemaría Escrivá, Santo Rosário, 3a. ed., Quadrante, São Paulo, 2001, Introdução.




Mesmo para os santos, essa oração tão simples era um desafio. É o que relata com tanta espontaneidade Santa Teresa de Lisieux: “Sozinha (envergonho-me de confessá-lo), a recitação do terço custa-me mais do que servir-me de um instrumento de penitência... Sinto que o rezo tão mal! Esforço-me em vão por meditar os mistérios do Rosário, não consigo fixar o meu espírito... Fiquei durante muito tempo desolada com esta falta de devoção que me espantava, pois amo tanto a Santíssima Virgem que me deveria ser fácil recitar em sua honra as orações que lhe são agradáveis. Agora, desconsolo-me menos, penso que a Rainha dos Céus, sendo minha Mãe, deve ver a minha boa vontade e contentar-se com isso” (3). Que consoladoras são estas palavras para tantos que, embora desejando ser bons filhos de Nossa Senhora, notam que ainda teriam tanto a crescer nessa oração!

(3) História de uma alma, man. B., fol. 25.





Oração para todos
A variedade de santos canonizados e de almas santas que testemunham a favor do Rosário mostra a riqueza dessa oração, que “tem não só a simplicidade de uma oração popular, mas também a profundidade teológica de uma oração adaptada a quem sente a exigência de uma contemplação mais madura” (n. 39). Pode ser rezado por milhares de pessoas numa catedral, no doce aconchego do lar, ou por um sacerdote sozinho no silêncio do confessionário. Reza-o a bisavó analfabeta num casebre no sertão, o bispo na sua residência episcopal, o estudante num vagão de trem do metrô, o doente no hospital, a enfermeira e o médico cristão. Os próprios jovens são “capazes de surpreender uma vez mais os adultos, assumindo esta oração e recitando-a com o entusiasmo típico da sua idade” (n. 42).

Se a alguém o terço poderia parecer uma oração para pessoas sem instrução, valha aquele conselho de São Josemaria Escrivá: “Para os que empregam como arma a inteligência e o estudo, o terço é eficacíssimo. Porque, ao implorarem assim a Nossa Senhora, essa aparente monotonia de crianças com sua Mãe vai destruindo neles todo o germe de vanglória e de orgulho” (4). E mais uma razão de peso do Santo para os que nos sabemos pecadores: “bendita monotonia de ave-marias, que purifica a monotonia dos teus pecados!”(5)



(4) São Josemaría Escrivá, Sulco, Quadrante, São Paulo, 1987, n. 474.
(5) Ibid., n. 475.






Por outro lado, como ressalta o Santo Padre, “longe de constituir uma fuga dos problemas do mundo, o Rosário leva-nos a vê-los com olhar responsável e generoso, e alcança-nos a força de enfrentá-los com a certeza da ajuda de Deus” (n. 40). Em tantas coisas em que, à primeira olhada, nos pareceria que não podemos fazer nada, o Rosário é como uma “arma” que permite entrar na batalha como bons soldados de Cristo.
É, sem dúvida, uma oração “destinada a produzir frutos de santidade” (n. 1) nos cristãos individualmente e em toda a Igreja. Por isso vale a pena repassar as contas do terço uma e outra vez, e sempre. Conta-se que Santa Bernadette Soubirous, depois de ter tido o privilégio de ver Nossa Senhora nas aparições de Lourdes, procurava viver uma vida normal. Mas as pessoas que conviviam com ela gostavam de ter um objeto que ela tivesse tocado. Um dia, uma amiga sua, querendo que ela tocasse o seu terço mas não encontrando nenhum motivo plausível, disse-lhe: “Veja como o meu rosário está enferrujado”, enquanto lho estendia. Ao que Bernadette respondeu, bem-humorada: “Minha boa amiga, recite-o mais vezes e ele não enferrujará”... E não o tocou.

O conselho vale para todos nós. Recitemos o terço mais vezes e o nosso amor não enferrujará.

Contemplação
O Rosário “é uma oração marcadamente contemplativa. Privado desta dimensão, perderia o sentido, como sublinhava Paulo VI.: «Sem contemplação, o Rosário é um corpo sem alma e a sua recitação corre o perigo de se tornar uma repetição mecânica de fórmulas [...]. Requer um ritmo tranqüilo e uma certa demora em pensar, que favoreçam, naquele que ora, a meditação dos mistérios da vida do Senhor»” (n. 12).

A contemplação pede serenidade. É assim que a mãe contempla calmamente o seu filhinho que dorme; que o artista contempla durante um longo tempo uma obra de arte numa exposição; que o músico contempla uma bela canção. O terço pode ter exatamente esta função: conferir o “ritmo”, o “tempo”, o “compasso” de contemplação que é tão necessário numa época corrida como a que vivemos. Para não poucos, tentar interromper a agitação da vida moderna repentinamente e pôr-se a refletir não é tarefa nada fácil. A imaginação agita-se amalucadamente, a memória traz mil eventos ou imagens, e não deixa o mundo interior serenar. E a pessoa sente-se tentada a abandonar o seu esforço de concentração e de recolhimento do coração junto de Deus. Mas a oração serena do terço pode ajudar justamente a prender o mundo interior à volta de uma oração repetitiva, deixando espaço para que a alma se aconchegue junto do Senhor. A memória fica levemente entretida na oração vocal, a imaginação não se sente solta e perdida ao considerar os mistérios que estão sendo rezados, e o coração encontra-se livre para entabular um diálogo sereno com Deus sobre tantas e tantas coisas de que gostaria de falar, mas para as quais parecia não haver ocasião.

Por isso, o Rosário é “um método para contemplar” (n. 28). Não o único método, já que há muitos e muito bons. Mas um método útil e comprovado por tantas e tantas almas. Aproveitar os textos do Beato Bártolo Longo sobre os mistérios do Rosário pode ser para nós uma excelente oportunidade de nos introduzirmos nessa contemplação, a fim de – conduzidos por boas mãos – chegarmos por Maria a Jesus Cristo.

Compêndio do Evangelho
Quando a televisão anuncia como chamada para o próximo bloco: “Logo após os comerciais, não perca: finalmente solucionado o mistério de...”; fica em nós uma ponta de curiosidade sobre o tal mistério: “Que será?” Talvez nos esclareçam então quem foi o autor daquele antigo crime, ou que o tão falado OVNI não era mais do que um balão meteorológico, ou que finalmente saiu a escalação da seleção nacional. O conceito de “mistério” tem hoje uma carga de sensacionalismo, de manchete jornalística, mas nem sempre foi assim. A palavra grega “mistério” está ligada originariamente às cerimônias religiosas dedicadas aos deuses. Como poucos eram os “iniciados” que sabiam dar amplas explicações sobre os complicados deuses gregos, havia sempre muito de desconhecimento, e um halo místico envolvia aquelas cerimônias.

O cristianismo assumiu a palavra aplicando-a às verdades da fé que não podem ser completamente compreendidas, por ultrapassarem a capacidade do ser humano: assim, por exemplo, o mistério da Santíssima Trindade. É no mesmo sentido que se aplica a palavra aos “mistérios da salvação”, àquelas realidades que, dizendo respeito a Cristo e ao nosso destino eterno, nunca são perfeitamente compreendidas. “Cada passagem da vida de Cristo, como é narrada pelos Evangelistas, reflete aquele Mistério que supera todo o conhecimento (cfr. Ef 3, 19). É o Mistério do Verbo feito carne, no qual «habita corporalmente toda a plenitude da divindade» (Col 2, 9). Por isso, o Catecismo da Igreja Católica insiste tanto nos mistérios de Cristo, lembrando que «tudo na vida de Jesus é sinal do seu Mistério» (n. 515)” (n. 24).

É ainda neste sentido que se utiliza a palavra “mistérios” do Rosário. Trata-se de passar “diante dos olhos da alma os principais episódios da vida de Jesus Cristo” (n. 2), a fim de compreender mais a fundo o seu significado para a nossa vida interior e a nossa relação com Deus. É uma forma de repassar constantemente os acontecimentos que se deram na passagem de Deus entre os homens e que guardam em si os elementos essenciais para a vida cristã.

Os diversos ciclos de mistérios criados pela tradição cristã – Gozosos, Dolorosos, Gloriosos e, agora, Luminosos – “não são certamente exaustivos, mas apelam para o essencial, introduzindo o espírito no gosto de um conhecimento de Cristo que brota continuamente da fonte límpida do texto evangélico” (n. 24).

Devoção cristológica
Devoção tipicamente mariana, o Rosário é, sem dúvida, uma devoção muito cristológica, porque não se pode separar Maria do seu Filho, Jesus. “É o caminho de uma devoção mariana animada pela certeza da relação indivisível que liga Cristo à sua Mãe Santíssima: os mistérios de Cristo são também, de certo modo, os mistérios da Mãe, mesmo quando não está diretamente envolvida, pelo fato de Ela viver dEle e para Ele” (n. 24).

Na bela expressão de João Paulo II, “recitar o Rosário nada mais é senão contemplar com Maria o rosto de Cristo” (n. 3). A atitude contemplativa, em que tanto insiste o Santo Padre, é contemplação do rosto de Cristo. Mas quem nos poderia ensinar melhor a contemplá-lo do que a sua Mãe? Ela nos irá desvendando os mistérios encerrados nessa contemplação. Porque “as recordações de Jesus estampadas na sua alma acompanharam-na em cada circunstância, levando-a a percorrer novamente com o pensamento os vários momentos da sua vida junto com o Filho. Foram estas recordações que constituíram, de certo modo, o «rosário» que Ela mesma recitou constantemente nos dias da sua vida terrena” (n. 11).

Por isso, “percorrer com Ela as cenas do Rosário é como freqüentar a «escola» de Maria para «ler» Cristo, penetrar nos seus segredos, compreender a sua mensagem” (n. 14). Seria impossível encontrar melhor Mestra na matéria mais fundamental da nossa vida cristã. Porque Ela, mais do que ninguém, quer que meditemos nos mistérios da vida de Cristo.

Mas este conhecimento não se limita a um aprendizado teórico ou meramente externo. “No itinerário espiritual do Rosário, fundado na incessante contemplação – em companhia de Maria – do rosto de Cristo, este ideal exigente de configuração com Ele alcança-se através do trato, podemos dizer «amistoso»” (n. 15). Assim como a amizade íntima nos vai “assemelhando” ao amigo, assim a amizade com Cristo adquirida pela recitação do Rosário nos vai “configurando” com Ele. Tornamo-nos mais e mais semelhantes a Cristo, que é uma maneira sintética de dizer que nos. vamos santificando.

Petição através de Maria
Não esqueçamos, porém, que “numerosos sinais demonstram quanto a Virgem Maria quer, também hoje, precisamente através desta oração, exercer aquele cuidado maternal ao qual o Redentor prestes a morrer confiou, na pessoa do discípulo predileto, todos os filhos da Igreja: «Mulher, eis aí o teu filho» (Jo 19, 26)” (n. 7). Ela nunca abandona essa tarefa definitiva que lhe foi confiada pelo seu Filho amado. Cuida de nós como Mãe carinhosa, atenta a todas as nossas necessidades e pedidos.

“Mediante o Rosário, o fiel alcança a graça em abundância, como se a recebesse das próprias mãos da Mãe do Redentor” (n. 1). Não percamos esta oportunidade, portanto, já que são muitas as nossas necessidades. Tanto pessoais, como familiares ou da sociedade em geral.

Dizia Nossa Senhora – falando como de uma terceira pessoa –, nas aparições de Fátima: “Quero que [...] continuem a rezar o terço todos os dias, em honra de Nossa Senhora do Rosário, para obter a paz do mundo e o fim da guerra, porque só Ela lhes poderá valer”(6). Para as grandes necessidades mundiais, Ela é a grande intercessora. Mas também para as pequenas dificuldades pessoais Ela se apresenta como a Mãe que se ocupa das “tolices” da criança como se fossem a coisa mais importante do mundo.



(6) William Thomas Walsh, Nossa Senhora de Fátima, Quadrante, São Paulo, 1996, pág. 69.





“A imploração insistente à Mãe de Deus apóia-se na confiança de que a sua materna intercessão tudo pode no coração do Filho. Ela é «onipotente por graça» como, com expressão audaz a ser bem entendida, dizia o Beato Bártolo Longo na sua Súplica à Virgem” (n. 16). Esta expressão significa que, por graça e disposição divina, Deus concede tudo o que Ela pede. Sendo onipotente o seu Filho, Ela de certa forma o é também, pois alcança fruto para todos os seus pedidos.

Não devemos entender esse poder intercessor apenas quanto à concessão de graças para curas materiais ou para a solução de questões econômicas e materiais em geral. A intercessão de Maria é particularmente poderosa no que se refere às graças espirituais, pois mais importantes e necessárias do que as curas do corpo são as da alma. Assim, o Rosário é um importante instrumento de apostolado cristão. Por isso, João Paulo II diz que “o Rosário conserva toda a sua força e permanece um recurso não descurável na bagagem pastoral de todo o bom evangelizador” (n. 17). Será, portanto, a grande arma para alcançar a conversão à fé daquela pessoa da família que hoje se encontra distante; ou para conseguir que um conhecido participe de uma atividade de formação cristã, ou pelo bem das almas em geral.

Por isso, “se adequadamente compreendido, o Rosário é certamente uma ajuda, não um obstáculo, para o ecumenismo” (n. 4). No diálogo com os não-católicos, Maria, muito mais do que um “obstáculo”, poderá ser uma “medianeira”, facilitando o entendimento mútuo. Com efeito, não são poucos os evangélicos, espíritas ou judeus que têm um carinho todo particular pelo terço, caminho para a aproximação e o diálogo.

A paz e a família
Ao incentivar a devoção do Rosário, o Santo Padre João Paulo II tem no coração dois “alvos” a serem diretamente atingidos, como ele mesmo afirma: “À eficácia desta oração, confio de bom grado hoje [...] a causa da paz no mundo e a causa da família” (n. 39).

Se, historicamente, o Rosário esteve muito ligado à vitória em muitas batalhas que os cristãos tiveram de enfrentar, hoje a vitória mais necessária é a vitória da paz. Peçamos a Maria esse maravilhoso dom e sintamo-nos envolvidos pessoalmente na causa da paz, pois “não se pode recitar o Rosário sem sentir-se chamado a um preciso compromisso de serviço à paz” (n. 6). E comecemos esta tarefa pelo âmbito das pessoas mais próximas de nós, já que a grande paz” se constrói a partir das “pequenas pazes”.

“Análoga urgência de empenho e de oração surge de outra realidade crítica da nossa época, a da família, célula da sociedade, cada vez mais ameaçada por forças desagregadoras em nível ideológico e prático, que fazem temer pelo futuro desta instituição fundamental e imprescindível e, conseqüentemente, pela sorte da sociedade inteira. Propõe-se o relançamento do Rosário nas famílias cristãs, no âmbito de uma pastoral mais ampla da família, como ajuda eficaz para conter os efeitos devastadores desta crise da nossa época” (n. 7).

“O Rosário foi desde sempre também oração da família e pela família. Outrora, esta oração era particularmente amada pelas famílias cristãs e favorecia certamente a união. É preciso não abandonar esta preciosa herança. Importa voltar a rezar em família e pelas famílias, servindo-se ainda desta forma de oração” (n. 41). Velhos hábitos tornam-se novos e atualíssimos quando remoçados devidamente, e assim pode e deve acontecer com a oração do Rosário em família. O quadro tradicional da família reunida à volta da lareira ou do fogão a lenha, perto de um antigo e enorme rádio na sala de estar, rezando o terço, pode ser substituído pelo da família moderna, num apartamento, com a presença desligada da televisão e dos modernos aparelhos de som, bem como com os celulares desconectados...

“Muitos problemas das famílias contemporâneas, sobretudo nas sociedades economicamente evoluídas, derivam do fato de ser cada vez mais difícil comunicar-se. As pessoas não conseguem estar juntas, e os raros momentos para isso acabam infelizmente absorvidos pelas imagens de uma televisão” (n. 41). Este quadro realístico traçado por João Paulo II faz pensar que é o momento de tomar iniciativas que, possibilitando a oração em comum, cheguem também a favorecer um clima de diálogo sereno, de entendimento e troca de impressões na vida do lar. Em alguns casos, talvez seja o ponto de partida para a solução de uns problemas familiares de longa data ou o meio de atalhar os primeiros sintomas de desunião.

Oração final
O Papa conclui a sua Carta com uma chamada amorosa de pai: “Que este meu apelo não fique ignorado!” E não ficará se cada um de nós fizer o que estiver ao seu alcance para reavivar esta devoção na sua própria vida, em primeiro lugar, e, depois, à sua volta: na família, entre as amizades de trabalho, da vizinhança, entre parentes e conhecidos...

“Entrego esta Carta apostólica nas mãos sapientes da Virgem Maria, prostrando-me em espírito diante da sua imagem venerada no Santuário esplêndido que lhe edificou o Beato Bártolo Longo, apóstolo do Rosário. De bom grado, faço minhas as comoventes palavras com que ele conclui a célebre Súplica à Rainha do Santo Rosário: “Ó Rosário bendito de Maria, doce cadeia que nos prende a Deus, vínculo de amor que nos une aos anjos, torre de salvação contra os assaltos do inferno, porto seguro no naufrágio geral, não te deixaremos nunca mais. Serás o nosso conforto na hora da agonia. Seja para ti o último beijo da vida que se apaga. E a última palavra dos nossos lábios há de ser o vosso nome suave, ó Rainha do Rosário, ó nossa Mãe querida, ó Refúgio dos pecadores, ó Soberana consoladora dos tristes. Sede bendita em todo o lado, hoje e sempre, na terra e no céu»” (n. 43).