Por Maite Tosta
Sou filha de pai católico e mãe protestante. Meu avô materno era pastor. Papai não é praticante, mas fez questão que eu fosse batizada, fizesse primeira comunhão e crisma. Quem me ensinou a orar, no entanto, foi mamãe. Quem me ensinou a ler a Bíblia, a achar as passagens, foi minha avó materna. Ela me levava para a escola dominical, para os cultos da Assembléia de Deus, onde congregava. Eu desde pequena já sabia ler, as pessoas achavam tão lindo, aquele pinguinho de gente proclamando a Palavra. Eu cresci assim, indo ao culto de manhã e à missa de noite... eu acreditava em Deus, mas não sabia de que lado ficar, então continuava em cima do muro...
Minha conversão foi um longo processo, mas se acelerou em 1999, quando meu filho tinha um ano. Desde minha entrada na UFRJ, em 1990, com quinze anos (completei dezesseis no meio do ano), recém-crismada, comecei a conviver com pseudo-intelectuais – querendo me tornar um deles. Aos dezessete anos, conheci meu ex-noivo, materialista ateu, que me deu Nietzsche e Freud para ler. Tenho um primo que é psicanalista e estudioso de filosofia, que me explicava como o ser humano precisa da idéia de Deus, do sobrenatural. Ele dizia que o homem é que “cria” Deus, e eu acreditei. Sentia-me “superior” por não acreditar naquela “baboseira” de religião. Sentia-me “livre”. Naquela época, eu li meia dúzia de livros e pensei que sabia tudo; conheci dezessete pessoas e pensei que conhecia o mundo.
Assim foi a minha juventude, estudando, trabalhando, fazendo pesquisa na Universidade, muita festa, muita bebida, muitanight... Uma típica jovem “do mundo”. Fumava um maço de cigarros por dia, mais ou menos. Nem meu pai nem minha mãe fumam, eu comecei a fumar só de rebeldia mesmo, eu nem gostava tanto assim no início... Em 1998, engravidei, o que me fez deixar de fumar. A idéia de ser responsável por mais alguém... Eu me compenetrei e passei a tentar dormir melhor, comer melhor... Meu então “ficante”, hoje meu marido, Alexandre, sugeriu que tentássemos morar juntos, pelo bebê. Atordoada, sem saber muito o que fazer, aceitei, afinal, estávamos apaixonados...
Durante a gestação foi tudo muito bem, estávamos unidos pela expectativa. Quando o bebê nasceu, e as responsabilidades começaram, as coisas começaram a ir mal. Mal nos conhecíamos! Éramos completamente diferentes, e as dificuldades começaram a nos afastar. O relacionamento entrou em crise, tínhamos problemas financeiros e eu só pensava em ganhar dinheiro, achava que assim tudo se resolveria. Com isso, acumulava trabalho, cheguei a ter quatro empregos ao mesmo tempo (como professora de Inglês), e dava aulas particulares para executivos, in-company.
Chegamos então a 1999. Por conta das aulas particulares, andava muito pelo centro do Rio. Estava andando em uma manhã supermovimentada, olhando para baixo (mania que tenho), quando senti que uma pessoa se aproximou de mim e disse quase no meu ouvido, em voz baixa: "Deus te ama e Alexandre também". Olhei para cima e já não vi mais a pessoa, sumiu na multidão, não vi seu rosto... O que me chamou mais a atenção foi ela ter dito o nome do meu marido... Se ela tivesse dito somente "Deus te ama", eu acharia que era um "pregador" desses que fica nas ruas do centro com a Bíblia na mão, eles têm o hábito de dizer isso para todos que passam... Mas essa pessoa sabia o nome do meu marido! Isso também me fez pensar nosso relacionamento e eu redescobri os motivos pelos quais me apaixonei por Alexandre. Até hoje não sei quem nem como, não tenho explicação para isso... Na época fiquei intrigada, e peguei minha Bíblia, que há muito não abria, e comecei a ler...
Isso precipitou uma busca que me levou à Assembléia de Deus, levada por uma amiga, com a bênção de mamãe. Depois, por não me adaptar aos excessos pentecostais da AD, passei à Igreja Batista e depois à Igreja Pentecostal de Nova Vida, sendo que nessa última, quase me re-batizei (2004), mas no dia marcado caiu um dilúvio como não se via há anos no Rio... Não fui e o pastor achou melhor eu orar mais para discernir melhor... Homem sábio!
Eu via muitas coisas que achava erradas nas denominações por onde passei, e comecei a questionar (o que fez com que eu não fosse muito bem vista). Quando obtinha respostas, estas não me satisfaziam... Eu achava que a visão de Deus deles era muito dura, dava mais medo do que inspirava amor, ou seja, não condizia com o Deus misericordioso que eu lia no evangelho... Não me sentia bem nos cultos e começava a faltar um, ir a outro, faltar dois... No entanto, ainda me dizia protestante, mas já estava “desviada”, como se diz no meio evangélico.
No ano de 2005, eu estudava espanhol e entrava em uma sala de bate-papo do Yahoo para praticar... Conheci então um senhor católico, americano, que tinha morado na Venezuela. Gostava muito de conversar com ele, pois tinha um jeito calmo, sereno de falar de Deus, um Deus que perdoava, um Deus que amava... Respondeu todas as minhas dúvidas sobre imagens, Maria, etc, aquelas mesmas perguntas que todo protestante tem, as mesmas objeções... Ele tinha muito conhecimento e suas respostas iam colocando por terra a minha resistência... Ele falava e no fim da nossa conversa ele me convidava a procurar uma Igreja Católica e me confessar, participar da missa... Todo dia ele me fazia esse convite e eu sempre “enrolava” e resistia:
"Eu me confesso direto com Deus..."
"Eu não tenho mais jeito, já tenho lugar marcado no inferno..."
"É capaz de um dia eu ir, só pra você parar de me encher...”
No fim de 2005, ele me contou o que fazia: Era padre, exercia seu ministério em um presídio do Texas de presos considerados de alta periculosidade... (eu imediatamente imaginei o que seria alguém ouvir confissão de traficantes, assassinos, estupradores)... E então ele me contou histórias de conversão de alguns dos presos, o que me fez pensar: “ESSE SIM É O DEUS AMOR!” (Como serzinho egoísta, pensei logo: se tem jeito para eles... tem para mim também!) Abri minha Bíblia a esmo e li:
“É por amor de meu servo, Jacó, e de Israel que escolhi/ que te chamei pelo teu nome, com títulos de honra, se bem que não me conhecesses./ Eu sou o Senhor, sem rival, não existe outro Deus além de mim./ Eu te cingi, quando ainda não me conhecias, a fim de que se saiba, do levante ao poente, que nada há fora de mim./ Eu sou o Senhor, sem rival; formei a luz e criei as trevas, busco a felicidade e suscito a infelicidade./ Sou eu o Senhor, que faço todas essas coisas.” (Is 45, 4-7)
Nesse mesmo dia, com a certeza de ser amada por Deus, fui até a paróquia que freqüento hoje, e o pároco estava de férias, então me levaram para falar com o padre que estava substituindo... Padre Rogério, que está sempre nas minhas orações, também é ex-protestante - eu só soube depois - e acabou de vez com qualquer dúvida que eu pudesse ainda ter. Não pôde, no entanto, ouvir minha confissão, porque faltava eu regularizar minha situação conjugal, pois estava vivendo em união estável... Fiquei meio triste na hora, mas eu já estava apaixonada pela idéia desse Deus que ama e acolhe, uma vez que você esteja arrependido e queira mudar. Resultado: Em fevereiro de 2006 dei entrada nos papéis, em 07 de abril de 2006 (no meio da quaresma, sem uma florzinha, para vocês verem minha pressa) nos casamos. Nosso filhote levou as alianças.
Perto da páscoa, eu não encontrava nenhum padre com tempo para ouvir a confissão de uma criatura que carregava dezesseis anos de pecados nas costas, até que numa lista de emails de universitários católicos em que eu tinha me inscrito, um padre jesuíta se ofereceu para me ouvir em confissão. Fui ao encontro dele, que ficou comigo a manhã inteira... E eu descobri que Deus tem senso de humor: Esse padre usa um aparelho de surdez que estava meio desregulado... Ora, quando o pecado é muito – digamos - “sinistro”, a gente morre de vergonha, não é? Então eu ia abaixando a voz... Daí ele ficava: “hein? hein?” e eu tinha que repetir meus piores podres em voz alta, quase gritando, uma, duas, três vezes... Eu chorava e falava, chorava e falava... Ter que ouvir aquilo tudo em voz alta me fazia ter repulsa daquilo tudo, nojo mesmo. Foi um momento bastante forte. Mas saí de lá leve, me sentindo outra pessoa.
Comungar depois de tanto tempo foi uma experiência incrível. Eu só chorava e agradecia, meu marido diz que eu parecia um disco arranhado: ajoelhada e chorando só repetia uma única palavra: "obrigada, obrigada, obrigada, obrigada..." Eu não lembro bem de ter dito nada, só lembro como me senti.
Meu marido e meu filho (que já estavam freqüentando as missas dominicais comigo desde dezembro de 2005) logo quiseram experimentar a mesma alegria: Alexandre inscreveu-se no Catecumenato Crismal, para receber a primeira Eucaristia e a confirmação; Meu filho, Matheus, iniciou a preparação para o batismo / primeira comunhão. Para Matheus, foi uma alegria saber que seríamos católicos. Explico: Quando estava na Igreja Batista, todas as vezes que íamos ao culto, tínhamos que passar em frente da praça central do bairro, onde está nossa paróquia. Meu filho apontava e dizia “mãe, quero ir nessa, não quero ir ao culto”. Eu desconversava. Quando ele participou de sua primeira missa, comportou-se incrivelmente bem. Para uma criança de sete anos, eu esperava que ele fosse ficar impaciente, algo assim. No fim da missa, eu achei que tinha que explicar a ele alguma coisa sobre Maria, afinal, eu nunca tinha falado nada sobre ela... Mostrei a imagem de Nossa Senhora da Conceição que fica ao lado do altar, e perguntei: “Você sabe quem é?” Ele me olhou com uma cara de “sabe-tudo” e respondeu: “Claro que eu sei, é minha mãe do céu!” Até hoje não sei como ele descobriu. Eu perguntei “quem te disse?” e recebi como resposta “Ninguém me disse, eu sei.”
Meu marido já recebeu a primeira eucaristia e a confirmação, e meu filho o batismo e a primeira comunhão (2007). Agradeço a Deus a bênção de ter minha família unida na fé.
Quando soube da minha conversão, minha mãe e sua família (todos protestantes) não ficaram muito satisfeitos, fizeram muitas críticas. Atualmente, no entanto, estamos tentando conviver pacificamente. Meu maior desejo é vê-los na Verdadeira Igreja... Deus tem o tempo dele. Eu oro, espero, e vou tentando fazer a minha parte. Ser católico não é fácil, e exatamente isso me dá a certeza de ter escolhido a porta certa, a “estreita”. As dificuldades só me desanimam por instantes; logo encontro de novo a alegria. A cada dia aprendo uma coisa nova, amo cada vez mais meu Deus e minha Igreja e quero compartilhar isso com todos.
Sou grata e louvo a Deus pela vida de todos que intercederam e intercedem por mim, e em especial ao Padre que, em seus momentos de folga, teve a paciência de esclarecer as minhas dúvidas e derrubar minhas objeções. Agora, é progredir; na fé, na caridade, nas virtudes, enfim. Para isso, conto com a Graça de Deus e com a intercessão de Maria Santíssima, bem como com as orações dos meus irmãos de fé.
Maite Tosta
Ad Majorem Dei Gloriam
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