O arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Pedro Scherer, disse que ficou impressionado “com a clareza e a firmeza” do papa Bento XVI na carta que escreveu aos católicos da Irlanda sobre os abusos sexuais praticados por padres contra crianças e adolescentes daquele país. Na carta, divulgada no sábado, 20, Bento XVI expressou, em nome da Igreja, “a vergonha e o remorso que todos sentimos”.
“A carta do papa é dirigida diretamente aos católicos da Irlanda, mas vale para os católicos de todo o mundo”, diz dom Odilo. “Não podemos ser coniventes com crimes dessa natureza”, completa.
De acordo com o cardeal o papa indica os caminhos para a Irlanda superar os problemas. “Os remédios vão desde a chamada à penitência e à conversão, à responsabilização perante a justiça civil e canônica; mas (o papa) também fala da ajuda às vítimas e suas famílias e a uma grande ação missionária no país, da qual ele próprio quer participar, indo à Irlanda”.
Leia aqui a íntegra da entrevista
O São Paulo - Dom Odilo com que disposições de alma deve ser acolhida a Carta do Papa aos católicos da Irlanda?
Dom Odilo: A carta do Papa é realista e muito forte; deveria ser lida com atenção e acolhida como uma palavra clara sobre a posição da Igreja em relação aos tristes problemas abordados, isto é, o abuso sexual de crianças e adolescentes por pessoas da Igreja, mas também por pessoas não pertencentes a ela. A Igreja não ensina, não incentiva e não aprova isso, mas reprova e condena firmemente tais tristes fatos. E quem os comete, deve cair na conta da própria responsabilidade diante de Deus e diante dos homens. Os abusos causaram sérios danos a pessoas e também à Igreja.
O São Paulo - A carta é marcada pelo espanto, pela dor, pela indignação diante dos abusos e pelo desejo de reparar o mal cometido. Como o senhor tem lido as reações a ela?
Dom Odilo: Fiquei impressionado com a clareza e a firmeza com que o Papa abordou as questões e lembrei-me das palavras do Evangelho: “A verdade vos libertará”. O Papa quis transmitir a todos os responsáveis pela Igreja (bispos, padres, superiores religiosos) essa mesma firmeza na busca de estabelecer a verdade sobre os fatos; e também deixou claro que a Igreja, de forma alguma, está de acordo com tais crimes. O 6° mandamento da lei de Deus precisa ser levado a sério novamente.
O São Paulo - Bento 16 não mede palavras na condenação dos crimes nem no reconhecimento dos erros cometidos. Uma medida ao mesmo tempo dura, dolorosa, honesta e necessária, entende o senhor?
Dom Odilo: Sim, e não poderia ser diferente. Não podemos ser coniventes com crimes dessa natureza. Mas é preciso acrescentar mais algo: o papa também toma sobre si a dor das vítimas e chama os responsáveis por tais crimes à conversão, ao arrependimento, à penitência e a buscar o perdão e de Deus.
O São Paulo - A Igreja presente em todo o mundo sofre com esses escândalos. Existe, porém, a tentação de achar que o problema está localizado só na Irlanda. A carta do Papa tem múltiplos destinatários, além dos sacerdotes, das vítimas dos abusos, dos pais e de todos os católicos desse país?
Dom Odilo: A carta do papa é dirigida diretamente aos católicos da Irlanda, mas vale para os católicos de todo o mundo. Os fatos, infelizmente, não acontecem apenas lá na Irlanda; e nem somente nos ambientes da Igreja. A tentação e a fragilidade da “carne” está por toda parte... Os abusos sexuais sobre crianças são muito mais abundantes que se possa imaginar e em todos os ambientes do convívio social. Acontecem em maior número debaixo dos tetos familiares. Isso não diminui em nada a gravidade de crimes cometidos por representantes da Igreja, mas faz pensar que ninguém deveria ficar com a alma lavada porque foram denunciados e admitidos casos na Igreja. O mal é bem mais amplo e profundo e requer uma revisão de posturas culturais do nosso tempo. O relaxamento e o desprezo pelos valores e conceitos ético-morais é uma das causas principais e a vítima é sempre a pessoa mais frágil e desprotegida.
O São Paulo - Bento 16 oferece o remédio para a cura do problema do abuso de crianças e adolescentes e das feridas causadas na vítimas, nas famílias e na própria Igreja? Em que consiste este remédio?
Dom Odilo: O papa indica na carta uma série de medidas a serem adotadas para a superação do problema na Irlanda; tais “remédios” vão desde a chamada à penitência e à conversão, à responsabilização perante a justiça civil e canônica; mas também fala da ajuda às vítimas e suas famílias e a uma grande ação missionária no país, da qual ele próprio quer participar, indo à Irlanda. Interessante é que o papa chama o povo da Irlanda, que foi tradicionalmente muito católico, a retomar forças da sua própria história religiosa, dos seus mártires e santos, a começar por São Patrício, dos seus missionários, que contribuíram muito para a evangelização em várias partes do mundo ao longo da história.
O São Paulo - Que sinais de esperança podem ser identificados neste momento de dor que não atinge apenas a Igreja da Irlanda mas a toda a Igreja?
Dom Odilo: Antes de tudo, fica uma grande chamada de alerta: não podemos perder a noção da seriedade e gravidade dos fatos. O relaxamento dos costumes e da moral é o chão no qual nascem e se desenvolvem, na maior “normalidade”, todos os vícios... Por outro lado, a carta é um chamado à vigilância: os pais estejam atentos à educação dos seus filhos e às companhias que freqüentam. Uma vez, as companhias eram apenas os amigos ou as pessoas próximas; hoje, a “companhia” mais perigosa pode estar dentro de casa, na internet... Por outro lado, na Igreja, a dolorosa verificação dos fatos é o caminho necessário para a purificação e a retomada do seu autêntico serviço prestado à humanidade. O poder da graça de Deus é maior que as insídias do Maligno, que semeia a erva ruim no campo da Igreja... Foi Jesus quem falou e isso nos dá esperança.
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