I. NAS VINHAS DA PALESTINA, costumavam-se plantar árvores junto com as cepas. E é num lugar desse tipo que Jesus situa a parábola do Evangelho da Missa de hoje1: Um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi buscar fruto nela e não o encontrou. Isso já tinha acontecido anteriormente: plantada num lugar apropriado do terreno, rodeada de cuidados, a figueira, ano após ano, não dava figos. Então o dono mandou ao vinhateiro que a cortasse: Para que há de ocupar terreno em vão?
A figueira simboliza Israel2, que não soube corresponder aos cuidados que Javé, dono da vinha, lhe dispensava; representa também todo aquele que permanece improdutivo3 diante de Deus.
O Senhor colocou-nos no melhor lugar, onde podíamos dar mais frutos de acordo com as nossas condições e as graças recebidas, e, desde o momento da nossa concepção, fomos objeto dos maiores cuidados por parte do mais competente de todos os vinhateiros: deu-nos um Anjo da Guarda para que nos protegesse até o fim da vida, conferiu-nos – talvez poucos dias depois de termos nascido – a graça do Batismo, deu-se Ele próprio a cada um de nós em alimento na Sagrada Comunhão, ofereceu-nos uma formação cristã... São incontáveis as graças e favores que recebemos do Espírito Santo.
No entanto, é possível que o Senhor tenha motivos para queixar-se do pouco fruto, e talvez de um ou outro fruto amargo, que haja na nossa vida. É possível que a nossa situação pessoal tenha podido recordar vez por outra a triste parábola relatada pelo profeta Isaías:Cantarei ao meu amado o cântico dos seus amores pela sua vinha: O meu amado possuía uma vinha plantada numa colina fertilíssima. E cercou-a de uma sebe, e tirou dela as pedras, e plantou-a de cepas escolhidas. Edificou-lhe uma torre no meio e construiu nela um lagar; e esperava que desse boas uvas, mas só produziu agraços4, frutos amargos. Por que tão maus resultados, quando tinham sido tomados todos os cuidados para que desse bons frutos?
Apesar de tudo, Deus volta a tomar sucessivamente novos cuidados: é a paciência de Deus5 com a alma. Ele não desanima com as nossas faltas de correspondência, antes sabe esperar, pois conhece não só as nossas fraquezas, mas a capacidade que temos de fazer o bem. Nunca considera ninguém como perdido; confia em todos nós, ainda que nem sempre tenhamos correspondido às suas esperanças. Não nos disse Ele que não quebrará a cana rachada nem apagará a mecha que ainda fumega?6 As páginas do Evangelho são um contínuo testemunho dessa consoladora verdade: o Senhor trata-nos como à samaritana e a Zaqueu, procura-nos como o pastor em busca da ovelha perdida, acolhe-nos como o pai do filho pródigo...
II. SENHOR, DEIXA-A AINDA este ano, enquanto eu lhe cavo em volta e lhe lanço esterco, para ver se assim dá fruto... É Jesus quem intercede diante de Deus Pai por nós, que “somos como uma figueira plantada na vinha do Senhor”7. “Intercede o agricultor; intercede quando já o machado está levantado para cortar as raízes estéreis; intercede como Moisés diante de Deus... Mostrou-se mediador quem queria mostrar-se misericordioso”8, comenta Santo Agostinho. Senhor, deixa-a ainda este ano... Quantas vezes não se tem repetido esta mesma cena! Senhor, deixa-o ainda um ano...! “Saber que me amas tanto, meu Deus, e... não enlouqueci?!”9
Cada pessoa tem uma vocação particular, e toda a vida que não corresponde a esse desígnio divino perde-se. O Senhor espera correspondência a tantos desvelos, a tantas graças concedidas, embora nunca possa haver igualdade entre o que damos e o que recebemos, “pois o homem nunca pode amar a Deus tanto como Ele deve ser amado”10. Com a graça, podemos oferecer-lhe cada dia muitos frutos de amor: de caridade, de empenho apostólico, de trabalho bem feito...
Todas as noites, no nosso exame de consciência, temos de saber encontrar esses frutos pequenos em si mesmos, mas que o amor e o desejo de corresponder a tanta solicitude divina tornaram grandes. E quando partirmos deste mundo, “teremos que ter deixado impressa a nossa passagem, tornando a terra um pouco mais bela e o mundo um pouco melhor”11: uma família com mais paz, um trabalho que tenha significado um progresso para a sociedade, uns amigos fortalecidos na fé pela nossa amizade...
Vejamos na nossa oração: se tivéssemos que apresentar-nos agora diante do Senhor, estaríamos alegres, com as mãos cheias de frutos para oferecer ao nosso Pai-Deus? Pensemos no dia de ontem..., na última semana..., e vejamos se estamos repletos de boas obras feitas por amor a Deus, ou se, pelo contrário, uma certa dureza de coração ou o egoísmo de pensarmos excessivamente em nós impediu e impede que ofereçamos ao Senhor tudo aquilo que Ele espera de cada um de nós.
Sabemos muito bem que, quando não damos toda a glória a Deus, a existência converte-se num viver estéril. Tudo o que não se faz de olhos postos em Deus, perecerá. Aproveitemos hoje para fazer propósitos firmes: “Deus concede-nos talvez um ano mais para o servirmos. Não penses em cinco nem em dois. Pensa só neste: em um, no que começamos...”12, e que daqui a uns meses terminará.
III. NISTO É GLORIFICADO meu Pai, em que deis muito fruto e sejais meus discípulos13. Isto é o que Deus quer de todos: não aparência de frutos, mas realidades que permanecerão para além deste mundo: pessoas que conseguimos aproximar do sacramento da Penitência, horas de trabalho terminadas com profundidade profissional e pureza de intenção, pequenos sacrifícios durante as refeições – que manifestavam estarmos conscientes da presença de Deus e termos o corpo dominado por amor ao Senhor –, vitórias sobre os estados de ânimo, ordem nos livros, na casa, nos instrumentos de trabalho, empenho para que o cansaço de um dia intenso não influísse no ambiente, pequenos serviços aos que precisavam de ajuda... Não nos contentemos com as aparências; examinemos se as nossas obras – pelo amor que nelas colocamos e pela retidão de intenção – resistem ao olhar penetrante de Jesus. As minhas obras são fruto que corresponde às graças que recebo?: é a pergunta que poderíamos fazer na intimidade da nossa oração.
O tempo escoa-se, e temos de aproveitá-lo. Se São Lucas segue realmente uma ordem cronológica nos acontecimentos que narra, a parábola da figueira “foi dita imediatamente depois do problema proposto acerca do sangue dos galileus misturado por Pilatos com os sacrifícios, e acerca dos dezoito homens sobre os quais caiu a torre de Siloé (Lc 13, 4). Devia supor-se que esses homens eram especialmente pecadores, para merecerem tal sorte? O Senhor responde que não, e acrescenta: Mas se não fizerdes penitência, todos perecereis do mesmo modo.
“O que importa não é a morte do corpo, mas a disposição da alma que a recebe; e o pecador que, tendo-lhe sido dado tempo para arrepender-se, não faz uso dessa oportunidade, não se sai melhor do que se tivesse sido lançado repentinamente na eternidade, como aqueles homens”14.
Mas não podemos desanimar, porque, se “neste momento chega a parábola da figueira, que nos previne acerca de um limite para a longa paciência de Deus todo-poderoso, parece, no entanto, pelo que ouvimos do agricultor, que é possível intervir para suplicar que se prolongue o prazo da tolerância divina. Não resta dúvida de que isso é importante. Podem as nossas orações ser úteis para que o pecador alcance um prazo que lhe permita arrepender-se? Claro que podem”15.
E nós mesmos podemos interceder junto do Senhor para que se prolongue essa paciência divina com aquelas pessoas que talvez, com uma constância de anos, pretendemos que se aproximem de Jesus. “Portanto, não nos apressemos a cortar, mas deixemos crescer misericordiosamente, não aconteça que arranquemos a figueira que ainda pode dar fruto”16. Tenhamos paciência e procuremos servir-nos de todos os meios ao nosso alcance, humanos e sobrenaturais, no trabalho com essas pessoas que parecem tardar em empreender o caminho que leva a Jesus.
A nossa Mãe Santa Maria alcançar-nos-á, neste sábado de outubro em que tantas vezes recorremos a Ela, a graça abundante de que as nossas almas necessitam para dar mais fruto, e a que os nossos familiares e amigos também precisam para acelerarem o passo em direção ao seu Filho, que os espera.
(1) Lc 13, 6-9; (2) cfr. Os 9, 10; (3) cfr. Jer 8, 13; (4) Is 5, 1-3; (5) cfr. 2 Pe 3, 9; (6) Mt 12, 20; (7) Teofilacto, em Catena Aurea, vol. VI; (8) Santo Agostinho, Sermão 254, 3; (9) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 425; (10) São Tomás de Aquino, Suma teológica, I-II, q. 6, a. 4; (11) Georges Chevrot, El evangelio al aire libre, Herder, Barcelona, 1961, pág. 169; (12) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 47; (13) Jo 15, 8; (14) Ronald A. Knox, Sermones pastorales, págs. 188-189; (15) ibid.; (16) São Gregório Nazianzeno, Oração 26, em Catena Aurea, vol. VI, pág. 135.
Fonte: http://www.hablarcondios.org/pt/meditacaodiaria.asp
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