Exorcismo

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Escravidão a Santissima Virgem, Orações, Devoção

Formação para Jovens

Espiritualidade, sexualidade, diverção, oração

4 de jul. de 2008

ORAÇÃO PARA ALCANÇAR A HUMILDADE – SANTA TERESINHA





Ó Jesus, estando Vós sobre a terra, dissestes: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para a vossa alma.” Ó poderoso Monarca dos Céus, a minha alma acha o seu repouso contemplando-Vos revestido das aparências e da natureza de escravo, abaixando-Vos até lavar os pés aos Vossos discípulos. Recordo, ó Jesus, as palavras que, para me ensinardes a humildade, pronunciastes nessa ocasião: “Eu vos dei o exemplo, para que, assim como eu vos fiz, assim vós também façais. Não é o discípulo maior do que o seu mestre… Se sabeis estas coisas, bem-aventurados se as praticardes”.
Senhor, eu compreendo estas palavras saídas do Vosso coração, manso e humilde, e quero praticá-las, ajudada pela Vossa divina graça. Quero humilhar-me e sujeitar a minha vontade à de minhas irmãzinhas, sem nunca contradizê-las, sem investigar se têm ou não sobre mim direito de mandar.
Ninguém, meu Deus, tinha este direito sobre Vós, e todavia obedecestes, não só àSantíssima Virgem e a São José, mas até aos Vossos algozes! E na Santa Eucaristia pondes o cúmulo ao Vosso aniquilamento.
Com que humildade, ó Divino Rei da glória, obedeceis a todos os sacerdotes, fervorosos ou tíbios no Vosso divino serviço! Eles podem apressar ou retardar a hora do sacrifício, e Vós estais sempre pronto a descer do Céu.
Ó meu bom Jesus, como Vos mostrais manso e humilde debaixo do véu da hóstia imaculada!
Ah! não poderíeis Vos humilhar demais para me ensinar a humildade! Para corresponder, pois, ao Vosso amor, quero colocar-me no último lugar e partilhar Convosco as humilhações, afim de ter parte Convosco no reino dos Céus. Suplico-Vos, Divino Jesus, me mandeis uma humilhação toda vez que ousar elevar-me sobre os outros.
Mas oh! como sou fraca; de manhã proponho ser humilde, e à noite reconheço ter pecado por orgulho.
Vendo-me tal, sou tentada a desanimar, mas sei que também o desânimo é orgulho. Portanto, quero fundar a minha esperança somente em Vós, meu Deus.
E já que Vós sois todo poderoso, concedei-me esta virtude, muito desejada. E para que eu seja atendida, repetirei: “Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao Vosso!”

Santo Tomás de Aquino

Príncipe da Filosofia e Teologia Católicas. Proclamado como "esplendor e flor de todo o mundo" por Santo Alberto Magno, foi cognominado Doutor Angélico pelo Papa São Pio V, tendo recebido da Santa Igreja o título oficial de Doutor Comum, devido à sua incomparável sabedoria teológica e filosófica.


Triunfo de Santo Tomás — Francisco Traini, igreja de Santa Catarina, Pisa (Itália)



Tomás nasceu por volta de 1227 na cidadezinha de Aquino, na Campagna felice italiana, aos pés do famoso Mosteiro de Monte Cassino, sendo aparentado com imperadores e reis, inclusive o da França, São Luís IX.
Aos cinco anos foi enviado ao Mosteiro de Monte Cassino para estudar. "A serenidade de seu semblante, a inalterabilidade de seu temperamento, sua modéstia e suavidade eram marcas sensíveis de que Deus o havia precedido com suas primeiras graças" 1.
Muito reflexivo e recolhido, o menino passava longo tempo pensando. A um frade que lhe perguntou sobre o que pensava, respondeu com a pergunta que mostra suas cogitações infantis: "Que é Deus?". A essa questão ele responderá mais tarde, como ninguém o fez.
Aos 10 anos Tomás foi enviado para continuar seus estudos na Universidade de Nápoles. Seu primeiro biógrafo relata que "nas aulas o seu gênio começou a brilhar de tal forma, e a sua inteligência a revelar-se tão perspicaz, que repetia aos outros estudantes as lições dos mestres de maneira mais elevada, mais clara e mais profunda do que tinha ouvido" 2 .
Vitória contra a concupiscência
Foi em Nápoles, anos depois, que o adolescente Tomás travou relações com a Ordem Dominicana, fundada havia vinte anos, e que representava na época "a vanguarda doutrinadora e combativa da Igreja" 3. Quis nela ingressar, mas como era menor de idade, só foi recebido entre os filhos de São Domingos mais tarde, com o falecimento de seu pai, em dezembro de 1243.
Sua mãe, contudo, tinha outros planos para ele, e por isso mandou dois filhos, soldados do Imperador, atrás de Tomás, que escapara indo para Roma.
Preso Tomás numa torre do castelo, mãe e irmãos tudo fizeram para convencer o caçula a renunciar àquela aventura. Nada surtiu efeito. Os irmãos apelaram então para um estratagema infame: contrataram a mais bela das cortesãs da região, prometendo-lhe grossa quantia se conseguisse levar o jovem ao pecado. Sabiam que, se ele caísse na impureza, isso quebraria sua resistência.
Assim que a mulher infame entrou no quarto, Tomás, dando mostras de uma virtude heróica, pegou da lareira um pedaço de lenha em brasa e correu atrás dela, que fugiu como pôde. Em seguida, ainda cheio de indignação contra a cortesã e de amor para com Deus, desenhou na parede uma grande cruz, que osculou ternamente, implorando a Deus que nunca perdesse a integridade da pureza de alma e de corpo.
Tão bem tinha Tomás sua alma em suas mãos, que em pouco tempo voltou à inteira tranqüilidade, adormecendo. Viu então em sonho dois Anjos que lhe cingiram os rins com uma cintura de fogo. Ele confessará depois que, a partir desse momento, nunca mais sentiu os impulsos da concupiscência da carne. Era a recompensa que recebia por seu ato heróico de virtude.
Duas de suas irmãs, convertidas por ele, obtiveram-lhe as Sagradas Escrituras e livros de estudo, com o que ele continuou sua vida como se estivesse no convento. Enfim, segundo seus primeiros biógrafos, depois de quase dois anos de prisão, com a ajuda das irmãs conseguiu escapar, descido num cesto para os braços dos dominicanos, seus irmãos de hábito, que o aguardavam.
Santo Alberto Magno, 1352 — Modena (Itália) Esse grande Doutor da Igreja foi mestre de Santo Tomás
O encontro de dois gênios, dois santos
No ano seguinte Tomás fez sua profissão religiosa e foi enviado a Paris. Nesse famoso centro universitário brilhava então, pelo seu saber, o dominicano Alberto de Bollstädt, que passou para a posteridade como Santo Alberto Magno. Era tal a afluência dos que iam ouvi-lo, que era necessário transportar sua cátedra para uma praça pública, hoje ainda conhecida como Place Maubert (da contração de Magni Alberti).
"O encontro de Tomás de Aquino com Alberto Magno representa um fato de extraordinária transcendência na história da cultura. Talvez mesmo se possa dizer que são os dois colaboradores necessários à elaboração do mais vasto e consistente sistema filosófico de todas as épocas" 4.
De Paris, o discípulo Tomás acompanha o mestre, que ia organizar um centro de estudos teológicos da Ordem em Colônia, na Alemanha.
Frei Tomás: o "boi mudo"
Para evitar atrair a estima pública e os louvores que recebera em Nápoles por seu saber Tomás, fechou-se num mutismo mal interpretado pelos seus condiscípulos. Ademais, "um grande corpo, lento e pesado, e uma placidez um pouco bovina servem-lhe de espesso envoltório para uma alma benigna e generosa, mas retraída; ele é tímido para além da humildade, e distraído para além da contemplação" 5. Isso tudo leva a que o chamem de "boi mudo" ou "grande boi siciliano".
Sucedeu um dia que um condiscípulo, tomando a concentração de Tomás como sinal de que não entendera o que dissera o mestre, começou caridosamente a lhe explicar a matéria. Mas em determinado momento embaralha-se todo e não consegue ir adiante. Calmamente o"boi mudo" começou então a desenvolver a tese obscura, com muito mais clareza do que o fizera o próprio mestre. Os papéis então se inverteram, e o condiscípulo suplicou a Tomás que sempre o ajudasse em suas dúvidas. Daí para frente não foi mais possível esconder aquele talento superior e fabulosa memória.
Apreciando devidamente aquele tesouro, Santo Alberto profetizou:"Chamamos-lhe o boi mudo; mas um dia virá em que seus mugidos, a expor a doutrina, hão de ouvir-se no mundo inteiro".
Em Colônia, Tomás recebeu a ordenação sacerdotal e foi nomeado assistente de Santo Alberto Magno.
Em 1252 foi enviado a Paris para o doutorado, apesar de não ter ainda atingido 30 anos e a idade prescrita ser de 35. Na Cidade Luz, Tomás tornou-se muito popular, pois "a modéstia de seu porte, a sabedoria de seus discursos, sua doçura inalterável, a beleza natural de seus traços, o fundo de bondade que transpirava de toda sua pessoa comunicavam algo de celeste e de divino àqueles que conversavam com ele" 6.
"Talvez nunca mestre algum fosse mais apaixonadamente admirado e escutado do que Tomás de Aquino. O seu culto exclusivo da verdade comunica às palavras e às demonstrações uma segurança que dá aos jovens auditórios o supremo júbilo de tocar de perto, em brusco prodígio, a região excelsa das grandes certezas. Numa época cheia de vastas aspirações, de pesquisas no absoluto, as almas querem mais do que simples jogos dialéticos sobre conceitos abstratos. Querem palpar o real, ser introduzidas no âmago das questões, entrar na posse das altas evidências da razão e da Fé. Fé que ambiciona compreender. E Tomás de Aquino, sem lhes proibir os ardentes deslumbramentos da fé, leva-as à máxima compreensão dos mistérios e harmonias universais" 7.
Segundo a tradição, São Boaventura — o grande mestre e santo franciscano — e São Tomás receberam o doutorado no mesmo dia, na Universidade de Paris8.
O Mosteiro de Monte Cassino, onde Tomás estudou até 10 anos de idade
União entre o Rei santo e o Doutor santo
A fama de Santo Tomás tornou-se universal, e todos queriam ouvi-lo. São Luís IX — o Rei Cruzado — o consultava sobre todos os assuntos importantes. Certo dia em que o convidou para sua mesa, o frade estava muito silencioso. De repente, dando um murro na mesa, Tomás exclamou: "Encontrei um argumento concludente contra os maniqueus". O rei, temendo que Tomás pudesse esquecer-se do argumento, chamou depressa seu secretário para anotá-lo. "Edificante quadro medieval, bem demonstrativo da perfeita unidade que liga, nesse período nobilíssimo da História, os Reis e os Sábios, nos mesmos ideais da conquista da verdade e do serviço de Deus!" 9.
O próprio Céu ratificava o acerto do grande teólogo. Estando em Nápoles aos pés de um Crucifixo, pedindo a Deus que o certificasse de que o que havia escrito sobre a Eucaristia fora do agrado divino, entrou em êxtase à vista de outros, levantou-se acima do solo, e ouviu do Crucificado estas palavras: "Escreveste bem sobre mim, Tomás. Que recompensa desejas?". O humilde frade respondeu cheio de amor: "Nada senão Vós, Senhor".
Sua sabedoria e sua ciência provinham da pureza e santidade de vida. Pouco antes de morrer, confessou a Frei Reinaldo, seu secretário, que Deus o havia preservado de todo pecado que destrói a caridade na alma. Além disso, "nunca se dava ao estudo ou à composição antes de haver, pela oração, tornado Deus propício a si; e confessava com candura que tudo que sabia devia-o menos ao seu estudo e ao seu próprio trabalho do que à iluminação divina" 10.
Seus escritos geniais: "palha"...
Entretanto, após uma visão que teve enquanto celebrava a Missa na capela de São Nicolau, em dezembro de 1273, não mais voltou a escrever. E àqueles que insistiram com ele para que terminasse sua obra, respondeu: "Não posso. Tudo quanto escrevi parece-me unicamente palha". É que, naquela visão, foram-lhe revelados mistérios e verdades tão altos, que tudo o mais lhe pareceu sem valor.
Ao receber os últimos Sacramentos no leito de morte, em 1274, com menos de 50 anos de idade, afirmou diante da Hóstia consagrada: "Eu espero nunca ter ensinado nenhuma verdade que não tenha aprendido de Vós. Se, por ignorância, fiz o contrário, eu revogo tudo e submeto todos meus escritos ao julgamento da Santa Igreja Romana" 11. A posteridade o conheceria como o "Doutor Angélico".

Sermões sobre o Pai Nosso e Ave Maria segundo S. Tomás de Aquino.





O PAI NOSSO E A AVE MARIA. SERMÕES DE S. TOMÁS DE AQUINO. EDIÇÃO ELETRÔNICA
Rio de Janeiro, 2003 EDIÇÃO ELETRÔNICA PERMANÊNCIA

INTRODUÇÃO

Conforme o testemunho de seus contemporâneos, entre os quais se
contam muitos de seus irmãos de ordem, sabemos que um ano antes
de sua morte, isto é, desde o Domingo da Sexagésima, 12 de
fevereiro de 1273, até o dia da Páscoa, 9. de abril, Santo Tomás se
consagrou, com todo o cuidado, à instrução dos fiéis, na igreja
conventual de São Domingos, em Nápoles.

Fez ali sermões, sucessivamente sobre o Símbolo dos Apóstolos, a
Oração Dominical, a Saudação Angélica, sobre os dois preceitos
gerais da caridade e os dez mandamentos da lei.

Não se vê, à primeira vista, o que une esses diferentes assuntos, mas
o santo Doutor teve o cuidado de mostrá-lo aos seus ouvintes:

«Três coisas são necessárias ao homem para a sua salvação. A
primeira é o conhecimento daquilo que se deve crer; a segunda,
conhecer o que se deve desejar e a terceira, conhecer o que se deve
realizar. O homem tem o primeiro desses conhecimentos no Símbolo
dos Apóstolos; a Oração Dominical o instrui sobre o que se deve
desejar; e os dois preceitos da caridade e os dez mandamentos da lei
mostram o que se deve pôr em prática».

O conjunto desses sermões constitui uma verdadeira catequese pré-
batismal. Padre Toco, dominicano, que assistia às práticas, afirma
que cada dia aumentava mais o número de assistentes; a multidão
escutava o Bem-aventurado com veneração, como se a palavra
viesse diretamente de Deus. Somente o aspecto físico de Santo
Tomás, já causava uma impressão profunda. Segundo João Blasio,
juiz de Nápoles, Santo Tomás fez os dois sermões sobre a Saudação
Angélica, de olhos fechados ou elevados para o céu, o ar extático.
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Os numerosos ouvintes do santo, nessa quaresma de 1273,
pertenciam a todas as classes sociais e Santo Tomás dirigia-se a eles
em italiano, não em latim. Os textos latinos que chegaram até nós,
não são, pois, textos originais, mas apenas um resumo destes. Não é
certo que o Santo os tenha escrito de sua própria mão nem mesmo
que ele os tenha revisto. No entanto, todos os autores que falaram
sobre esses textos (Mandonnet, Michelitisch, Grabinan, Walz) são
unânimes em afirmar sua autenticidade. Todos asseguram que eles
exprimem fielmente o pensamento do Santo Doutor.

A origem dos textos explica porque algumas vezes são encontradas
obscuridades na expressão e porque nem sempre se discerne
perfeitamente o elo que une alguns pensamentos. As citações das
Sagradas Escrituras são muito numerosas, mas nem sempre a
relação das citações com o contexto é muito clara.

Para tornar a leitura da tradução mais corrente, não hesitamos em
suprimir algumas destas citações, quando a relação destas com o
contexto não era perceptível. Pela mesma razão, todas as vezes em
que isso pareceu necessário, procuramos exprimir explicitamente o
pensamento de Santo Tomás, seja desenvolvendo o que a concisão
do texto latino apenas sugeria, seja modificando a ordem material
das proposições.

É certo que o homem não pode fazer nada maior, nem mais
necessário à sua salvação, do que elevar sua alma a Deus para ligá-la
a Sua Majestade. Ora, é pela oração que o homem se eleva a Deus e
a Ele se une. E quanto mais perfeita for sua oração, maior será sua
união com Deus.

Mas qual será, no mundo, a oração mais perfeita e mais santificante,
senão aquela que o Filho de Deus, Deus Ele mesmo, compôs para nos
dar?


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Sendo assim, é da maior importância compreender bem esta sublime
oração, em todos os seus pedidos, para fazê-la inteiramente nossa.
Possa a leitura atenta das explicações de Santo Tomás sobre a
Oração Dominical ajudar-nos a penetrar melhor no sentido profundo
das diferentes partes desta prece divina.

Falando sobre a Saudação,Angélica, em seu Tratado sobre a
verdadeira devoção à Santíssima Virgem, São Luiz-Maria Grignion de
Montfort escreve (§ 252, 253):

«A Ave-Maria é a mais bela de todas as orações, depois do Pai Nosso:
É a saudação mais perfeita, que podeis fazer a Maria, pois é a
saudação que o Altíssimo lhe fez por meio de um Arcanjo, para
ganhar o coração da Virgem de Nazaré. E tão poderosas foram
aquelas palavras, pelo encanto secreto que contêm, que Maria deu
seu pleno consentimento para a Encarnação do Verbo, apesar de sua
profunda humildade. É por esta saudação que também vós ganhareis
infalivelmente seu coração, contanto que a digais como deveis... isto
é, com atenção, devoção e modéstia».

Poderemos acrescentar: com inteligência, o que nos obriga a um
esforço para compreendermos melhor o sentido profundo das
palavras que pronunciamos. A leitura das explicações do Doutor
Angélico nos ajudará muito nisto.

Segundo a opinião mais aceita, atribui-se ao papa Urbano VIII a
introdução do nome de Jesus na Saudação Angélica. Este pontífice
reinou de 1261 a 1264. Santo Tomás, no entanto, em sua explicação
da Ave-Maria, composta em 1273, não faz menção do nome de Jesus.
Mas o fez, por diversas vezes, especialmente na Suma Teológica (IIIa ,
q. 37, a. 2, c.). Parece também não ter conhecido a segunda parte da
Ave-Maria, que se foi formando pouco a pouco. No século XII
encontra-se um esboço dela, num hino atribuído a Gottschalk,
capelão do imperador Henrique IV. No século XV, São Bernardino de

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Sena conhecia um resumo desta segunda parte: Santa Maria, rogai
por nós, pobres pecadores. A fórmula atual foi posta em uso no
século XVI; e consagrada oficialmente por sua inserção, no breviário
de São Pio V, em 1568.

Como muitos escolásticos do século XIII, Santo Tomás pensava, e
pensou até o fim de sua vida, que a Santa Virgem tinha contraído o
pecado original e que tinha sido purificada por uma graça especial,
desde o seio de sua mãe. Ele o diz por duas vezes na explicação da
Saudação Angélica (n° 6 e 7). Nestes dois pontos, nossa tradução,
propositadamente, não é uma tradução; pois não exprime o sentido
do texto latino, mas o que é de fé, para a Santa Igreja e o que hoje
contempla o Santo Doutor na visão beatífica, a saber, a Imaculada
Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria.

Um monge de Fontgombault

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PRÓLOGO


I. As cinco qualidades requeridas para todas as orações.

1. — A Oração Dominical, entre todas, é a oração por excelência, pois
possui as cinco qualidades requeridas para qualquer oração. A oração
deve ser: confiante, reta, ordenada, devota e humilde.

2. — A oração deve ser confiante, como São Paulo escreve aos
Hebreus (4, 16): Aproximemo-nos com confiança do trono da graça,
a fim de alcançar a misericórdia e achar graça para sermos socorridos
no tempo oportuno.

A oração deve ser feita com fé e sem hesitação, segundo São Tiago.
(Tg 1,6): Se algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus...
Mas peça-a com fé e sem hesitação.

Por diversas razões, o Pai Nosso é a mais segura e confiante das
orações. A Oração Dominical é obra de nosso advogado, do mais
sábio dos pedintes, do possuidor de todos os tesouros de sabedoria
(cf. Cl 2, 3), daquele de quem diz São João (I, 2, 1): Temos um
advogado junto ao pai: Jesus Cristo, o Justo. São Cipriano escreveu
em seu Tratado da oração dominical: «Já que temos o Cristo como
advogado junto ao Pai, por nossos pecados, em nossos pedidos de
perdão, por nossas faltas, apresentemos em nosso favor, as palavras
de nosso advogado».

A Oração Dominical parece-nos também que deve ser a mais ouvida
porque aquele que, com o Pai, a escuta é o mesmo que no-la
ensinou; como afirma o Salmo 90 (15): Ele clamará por mim e eu o
escutarei. «É rezar uma prece amiga, familiar e piedosa dirigir-se ao

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Senhor com suas próprias palavras» diz São Cipriano. Nunca se deixa
de tirar algum fruto desta oração que, segundo santo Agostinho,
apaga os pecados veniais.

3. — Nossa oração deve, em segundo lugar, ser reta, quer dizer,
devemos pedir a Deus os bens que nos sejam convenientes. «A
oração, diz São João Damasceno, é o pedido a Deus dos dons que
convém pedir».

Muitas vezes, a oração não é ouvida por termos implorado bens que
verdadeiramente não nos convêm. «Pediste e não recebeste, porque
pediste mal», diz São Tiago. (4,3).

É tão difícil saber com certeza o que devemos pedir, como saber o
que devemos desejar. O Apóstolo reconhece, quando escreve aos
Romanos (8, 26): Não sabemos pedir como convém, mas
(acrescenta), o próprio Espírito intercede por nós com gemidos
inefáveis.

Mas não é o Cristo que é nosso doutor? Não foi ele que nos ensinou o
que devemos pedir, quando seus discípulos disseram: Senhor,
ensinai-nos a rezar? (Lc 11, 1).

Os bens que ele nos ensina a pedir, na oração, são os mais
convenientes. «Se rezamos de maneira conveniente e justa, diz Santo
Agostinho, quaisquer que sejam os termos que empregamos, não
diremos nada mais do que o que está contido na Oração Dominical».

4. — Em terceiro lugar, a oração deve ser ordenada, como o próprio
desejo que a prece interpreta.

A ordem conveniente consiste em preferirmos, em nossos desejos e
preces, os bens espirituais aos bens materiais, as realidades celestes
às realidades terrenas, de acordo com a recomendação do Senhor

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(Mt, 6,33): Procurai primeiro o reino de Deus e sua justiça e o resto
— o comer, o beber e o vestir — ser-vos-á dado por acréscimo.

Na Oração Dominical, o Senhor nos ensina a observar esta ordem:
primeiro pedimos as realidades celestes e em seguida os bens
terrestres.

5. — Em quarto lugar, a oração deve ser devota.

A excelência da devoção torna o sacrifício da oração agradável a
Deus. Em vosso nome, Senhor, elevarei minhas mãos, diz o Salmista,
e minha alma é saciada como de fino manjar.

A prolixidade da oração, no mais das vezes, enfraquece a devoção;
também o Senhor nos ensina a evitar essa prolixidade supérflua: Em
vossas orações não multipliqueis as palavras; como fazem os pagãos,
(Mt 6,7). S. Agostinho recomenda, escrevendo a Proba: «Tirai da
oração a abundância de palavras; no entanto não deixeis de suplicar,
se vossa atenção continua fervorosa».

Esta é a razão pela qual o Senhor instituiu a breve oração do Pai
Nosso.

6. — A devoção provém da caridade, que é o amor de Deus e do
próximo. O Pai Nosso é uma manifestação destes dois amores.

Para mostrar nosso amor a Deus, o chamamos «Pai» e para mostrar
nosso amor ao próximo, pedimos por todos os homens justos,
dizendo: «Pai nosso», e empurrados pelo mesmo amor,
acrescentamos: «perdoai as nossas dívidas»,

7. — Em quinto lugar, nossa oração deve ser humilde, segundo o que
diz o Salmista (Sl 101, 18): Deus olhou para a prece dos humildes.


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Uma oração humilde é uma oração que certamente será ouvida, como
nos mostra o Senhor, no evangelho do Fariseu e do Publicano (Lc 18,
9-15) e Judite, rogando ao Senhor, dizia: Vós sempre tivestes por
agradável a súplica dos humildes dos mansos.

Esta humildade está presente na Oração Dominical, pois a verdadeira
humildade está naquele que não confia em suas próprias forças, mas
tudo espera do poder divino.


II. Os bons efeitos da oração.

8. — Notemos que a oração produz três espécies de bens.

Primeiramente, constitui um remédio eficaz contra todos os males.
Livra-nos dos pecados cometidos: «Remistes, Senhor, a iniqüidade de
meu pecado, diz o Salmista (Sl 31,5-6) por isso todo homem santo
dirigirá a Vós sua prece». Assim pediu o ladrão sobre a cruz e obteve
seu perdão, pois Jesus lhe respondeu: «Em verdade vos digo, hoje
mesmo estareis comigo no paraíso». (Lc 23,43), Do mesmo modo
rezou o publicano e voltou para casa justificado (cf. Lc 18,14).

A oração nos liberta do medo dos pecados que virão, das tribulações
e da tristeza. Alguém está triste entre vós? Reze com a alma
tranqüila (Tg 5,3).

A oração nos livra das perseguições dos inimigos. Está escrito no
Salmo 108, 4: Em resposta ao meu afeto me fizeram mal; eu, porém,
orava.

9. — Em segundo lugar, a oração é um meio útil e eficaz para a
realização de todos os nossos desejos. Tudo o que pedirdes na
oração, diz Jesus, crede, recebereis. (Mc 11,24)


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Se não somos atendidos, será porque — ou não pedimos com
insistência: é preciso rezar sem descanso (Lc 18, 1) — ou então não
pedimos o que é mais útil à nossa salvação. «O Senhor é bom, diz
Santo Agostinho, muitas vezes não nos concede o que queremos,
para nos dar os bens, que desejaríamos receber, se nossa vontade
estivesse bem de acordo com a sua divina vontade». São Paulo é
exemplo disso, pois, por três vezes, pediu para ficar livre de um forte
sofrimento em sua carne e não foi atendido (cf. II Cor 12,8).

10. — Em terceiro lugar a oração é útil, porque nos torna familiares
de Deus. Que minha oração suba até vós, como a fumaça do incenso,
diz o Salmista (Sl 140, 2).


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A ORAÇÃO DOMINICAL

PAI NOSSO

11. — Perguntamos: como é que Deus é Pai? E quais são nossas
obrigações para com Ele devido à sua paternidade?

Chamamo-lo Pai, por causa do modo especial com que nos criou.
Criou-nos à sua imagem e semelhança, imagem e semelhanças estas,
que não imprimiu em nenhuma outra criatura inferior ao homem. Não
é ele teu Pai, teu C riador que te estabeleceu? (Dt 32, 6).

Deus merece também o nome de Pai, por causa da solicitude
particular que tem para com os homens no governo do universo.
Nada escapa ao seu governo, sendo este exercido de modo diferente
em relação a nós e em relação às criaturas inferiores a nós. Os seres
inferiores são governados como escravos e nós como senhores. Ó Pai,
diz o livro da Sabedoria (14, 3), vossa providência rege e conduz
todas as coisas; e (12, 18) a nós governa com indulgência.

Deus, enfim, tem direito ao nome de Pai, porque nos adotou.
Enquanto não deu, às outras criaturas, senão pequenas dádivas, a
nós fez o dom de sua herança, e isso porque somos seus filhos. São
Paulo diz (Rm 8, 17): Porque somos seus filhos, somos também seus
herdeiros, e ainda (vers. 15): Vós não recebestes um espírito de
servidão, para recairdes no temor, mas recebestes um espírito de
adoção, que nos faz clamar: Abba, Pai.

12. — Em primeiro lugar, devemos honrá-lo. Se sou Pai, diz o
Senhor, por Malaquias, (1,6) onde está a minha honra?


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Esta honra consiste em três coisas: a primeira em relação aos nossos
deveres para com Deus; a segunda, nossos deveres para conosco
mesmos; a terceira, nossos deveres para com o próximo.

A honra devida ao Senhor consiste, primeiramente, em oferecer a
Deus o dom do louvor, seguindo o que está escrito (Sl 49, 23): O
sacrifício de louvor me honrará. Este louvor deve estar não só nos
lábios, como no coração. Está escrito em Isaías (29,13): Este povo
me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim.

A honra devida a Deus, em segundo lugar, consiste na pureza de
nossos corpos, pois o Apóstolo escreveu: (1 Cor 6, 20) Glorificai e
trazei a Deus em vosso corpo.

Consiste, enfim, esta honra, na equidade de nossos julgamentos para
com o próximo. O Salmo 98, 4 diz: Honrar o rei é amar a justiça.

13. — Em segundo lugar, devemos imitar Deus, porque ele é nosso
Pai. Diz o Senhor, em Jeremias: (3, 9) chamar-me-eis Pai, e não
deixareis de andar atrás de mim.

A imitação para ser perfeita requer três coisas.

A primeira é o amor. Diz São Paulo (Ef 5, 1-2): Sede imitadores de
Deus, como filhos bem amados, e caminhai no amor. Este amor deve
ser encontrado em nosso coração.

A segunda é a misericórdia. O amor deve ser acompanhado da
misericórdia, segundo a recomendação de Jesus (Lc 6, 36): sede
misericordiosos. E essa misericórdia deve mostrar-se nas obras.

A terceira é a perfeição, porque o amor e a misericórdia devem ser
perfeitos. Foi, com efeito, depois de falar da disposição e das obras

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servis, que o Senhor diz, no Sermão da Montanha, (Mt 5, 48) Sede
perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito.

14. — Em terceiro lugar, devemos obediência a nosso Pai. Se nossos
pais segundo a carne nos castigam e nós os respeitamos, por mais
forte razão devemos submeter-nos ao Pai dos espíritos, diz São Paulo
(Heb 12,9).

A obediência é devida ao Pai celeste por causa de seu domínio
soberano, sendo Ele o Senhor por excelência. Já os Hebreus, ao pé do
monte Sinai, declararam a Moisés (Ex 24, 7): Tudo o que disse o
Senhor nós o faremos e obedeceremos.

Nossa obediência está também fundada no exemplo de Cristo que,
sendo o verdadeiro Filho de Deus, se fez obediente até à morte (Fp 2,
8).

Por fim obedecemos por interesse próprio. David dizia de Deus:
Tocarei diante do Senhor que me escolheu (2 Rs 6,12).

15. — Em quarto lugar e sempre, porque Deus é nosso Pai, devemos
ser pacientes, quando ele nos castiga. Meu filho, dizem os Provérbios
(3, 11-12), não rejeites a correção do Senhor; nem desanimes,
quando Ele te corrige. O Senhor castiga àquele que ama e se compraz
nele como um Pai com seu filho.

16. — O Senhor nos prescreveu dirigirmo-nos a seu Pai, na Oração
Dominical, não somente como «Pai», mas também como «Pai nosso»,
Fazendo isto, mostrou quais são nossos deveres para com nossos
próximos.

A nossos próximos, devemos primeiramente o amor, porque são
nossos irmãos; todos somos filhos de Deus. Quem não ama seu irmão

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a quem vê, diz São João (I, 4,20), como pode amar a Deus a quem
não vê?

Em segundo lugar, devemos respeito a nossos semelhantes. Temos
um único Pai, diz Malaquias (2, 10). Não foi um só Deus que nos
criou? Por que haverás de desprezar teu irmão? E São Paulo escreve
aos Romanos (12-10): Cuidai de respeitar-vos uns aos outros.

A realização desde duplo dever nos proporciona os mais desejáveis
frutos, pois o Cristo, nos escreve São Paulo (Heb 5,9) é, para todos
os que lhe obedecem, princípio de salvação eterna.


QUE ESTÁIS NO CÉU

17. — Entre as disposições necessárias àquele que reza, a confiança
tem uma importância considerável. Quem pede alguma coisa a Deus,
diz São Tiago, (1,6) faça-o com confiança e sem hesitação.

O Senhor, no princípio da Oração que nos ensinou, expõe os motivos
que fazem nascer a confiança.

Primeiro, a complacência do Pai: Pai Nosso. Depois, diz o Senhor (Lc
11, 13): Vós que sais maus, sabeis dar coisas boas a vossos filhos;
quanto mais dará vosso Pai celeste, do alto dos céus, àqueles que lhe
pedem, seu bom Espírito.

Um outro motivo de confiança é a grandeza e o poder do Pai, o que
nos faz dizer ao Senhor não apenas Pai nosso, mas Pai nosso que
estais no céu. O Salmista também diz: (Sl 122, 1) Elevei meus olhos
para vós que habitais nos céus.

18. — O Senhor usou a expressão que estais no céu por três razões
diferentes.

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Em primeiro lugar, esta expressão tem por objeto preparar a oração,
como nos recomenda o Eclesiástico (18, 23): Antes da oração,
preparai vossas almas. Seguramente, o pensamento de que nosso Pai
está nos céus, isto é, na glória celeste, nos prepara para lhe
dirigirmos nossas súplicas.

Na promessa do Senhor a seus Apóstolos (Mt 5, 12): vossa
recompensa será grande nos céus, a expressão «nos céus» tem
igualmente o sentido de «na glória celeste».

A preparação da oração se realiza pela imitação das realidades
celestes, pois o filho deve imitar seu pai. Assim, São Paulo escreve
aos Coríntios (I, 15,49): Como revestimos a imagem do homem
terrestre, é preciso também revestirmos a imagem do homem
celeste.

A preparação para a oração requer também a contemplação das
coisas celestes. Os homens têm por hábito dirigir freqüentemente o
pensamento para o lugar onde está seu pai e onde se acham os
outros seres, objetos de seu amor, segundo a palavra do Senhor (Mt
6, 21): Lá onde está o teu tesouro, também está teu coração. Foi por
isso que o Apóstolo escreveu aos Filipenses (3,20): Nos céus está a
nossa morada.

A preparação da oração reclama, enfim, que aspiremos às coisas
celestes. Àquele que está nos céus devemos pedir coisas celestes,
como nos diz São Paulo (Cl 3, 1): Procurai as coisas do alto, lá onde
está o Cristo.

19. — Em segundo lugar, as palavras «Pai nosso que estais no céu»
podem significar a facilidade que tem Deus de ouvir as nossas preces,
porque está próximo de nós. Aquelas palavras significam então: Pai
nosso que estais nos santos. Com efeito, Deus habita nos santos.

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Jeremias diz (14, 9): Senhor, Vós estais em nós. Os santos são
realmente chamados «céus», segundo essas palavras do Salmo
18,12: «Os céus proclamam a glória de Deus».

Ora, Deus habita nos santos pela fé. São Paulo escreve aos Efésios
(3, 17): Que Cristo habite em vossos corações pela fé.

Deus também mora nos santos pela caridade. Aquele que habita na
caridade, diz São João (I, 4, 16), habita em Deus e Deus nele.

Deus mora ainda nos santos pela realização dos mandamentos. Se
alguém me ama, declara o Senhor (Jo 14,23), guarda minha palavra
e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada.

20. — Em terceiro lugar, «que estais nos céus» se refere à eficácia do
Pai ao nos ouvir. Neste caso a palavra «céus» designa céus materiais
e visíveis; não que queiramos dizer, com isso, que Deus está
encerrado no céu corpóreo, pois está escrito (2 Rs 18, 27): Eis que os
céus e os céus dos céus não vos podem conter; mas estas palavras
«que estais nos céus» mostram:

a) que Deus, por seu olhar, é clarividente e penetrante, porque vê do
alto. Ele olhou de sua santa altura, diz o Salmo 101,20;

b) que Deus é sublime em seu poder, segundo a palavra do Salmista
(102, 19): O Senhor dispôs seu trono, nos céus;

c) que Deus é estável em sua eternidade, segundo outras palavras
(Sl 101, 13 e 28): Senhor, permaneceis eternamente e vossos
anos, não têm fim. Por isto, diz-se de Cristo (Sl 88, 30): Seu
trono é como o dia do céu, isto é, sem fim, como a duração do
que é celeste. E o Filósofo confirma, com sua autoridade, a
justeza desta comparação, quando faz notar em seu tratado «do

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céu»: «Por causa de sua incorruptibilidade, o céu é olhado por
todos, como sendo a morada dos puros espíritos».

21. — Estas palavras «que estais nos céus» dirigidas ao Pai, no
momento da oração, nos dão um triplo motivo de confiança, que
repousa:

a) sobre o poder de Deus;

b) sobre a amizade de Deus, que nós invocamos;

c) sobre a conveniência de nosso pedido.

a) O poder do Pai que nós imploramos nos é sugerido pela expressão:
«que estais nos céus», se por céus compreendermos os céus
materiais e visíveis. Sem dúvida, Deus não está encerrado nos céus
materiais, pois nos diz em Jeremias (23, 24): Encho o céu e a terra;
diz-se, entretanto, «estais nos céus» para insinuar a virtude de sua
natureza.

22. — Contra aqueles que afirmam que tudo vem necessariamente
pela influência dos corpos celestes e negam a utilidade de se pedir
qualquer coisa a Deus pela oração — como são tolos! — dizemos a
Deus: «que estais nos céus» e ali está, por virtude de Seu poder,
como Senhor dos céus e das estrelas, seguindo a palavra do Salmo
(102, 19): O Senhor preparou seu trono nos céus.

23. — E também contra aqueles que em suas preces constroem e
compõem imagens corpóreas de Deus, é na intenção deles que
dizemos: «que estais nos céus». Desta sorte: pelo que há de mais
elevado nas coisas sensíveis, nós lhes mostramos a sublimidade de
Deus, que ultrapassa a tudo, incluindo o desejo e a inteligência dos
homens, e assim tudo que se possa pensar e desejar é inferior a
Deus. É por isto que está escrito no livro de Jó (32, 26): Deus é

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grande e ultrapassa nossa ciência, e no livro dos Salmos (Sl 112, 4):
O Senhor se elevou acima de todas as nações. E Isaías declara (40,
18): A quem tendes vós assemelhado Deus?

24. — b) Muitos disseram que Deus, pelo fato de estar tão alto, não
cuida das coisas humanas. É preciso, ao contrário, pensar que Ele
está próximo de nós, e que está intimamente presente em nós. Esta
familiaridade de Deus com o homem nos é apontada pelas palavras
da Oração Dominical «que estais nos céus», se as entendemos assim:
«vós que estais nos santos». Os santos são os céus, segundo a
palavra do salmista (18,2): os céus mostram a glória de Deus e
também Jeremias (14,9): Estais no Senhor.

25. — Esta intimidade de Deus com os homens nos inspira dois
motivos de confiança quando rezamos ao Senhor.

O primeiro se apóia nesta proximidade divina que o Salmista mostra
nas palavras (14, 4, 18): O Senhor está próximo dos que o invocam.
Por isto o Senhor nos dá o aviso (Mt. 6, 6): Quando rezardes entrai
em vosso quarto, quer dizer, no interior de vosso coração.

O segundo repousa no patrocínio dos santos. Por sua intercessão,
podemos obter o que pedimos. (Jó 5, 1): Dirigi-vos a qualquer dos
santos e São Tiago (5, 16): Rogai uns pelos outros, para que sejais
salvos.

26. — c) Se, quando dizemos ao Pai celeste,: Vós que estais nos
céus, pensamos que céus designam os bens espirituais e eternos,
objeto de bem-aventurança, então nosso desejo das coisas celestes
se inflama. Nosso desejo deve inclinar-se para onde está nosso Pai,
pois lá também está nossa herança. São Paulo diz aos fiéis: Procurai
os bens do alto (Cl 3, 1) e São Pedro (1, 1, 4) nos fala desta herança
incorruptível, que nos está reservada nos céus.


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O pensamento de que o Pai é nosso Bem espiritual eterno, objeto de
nossa bem-aventurança, nos convida, com força, a levarmos uma
vida celeste, a fim de nos tornarmos conforme o nosso Pai. Como é o
celeste, assim também serão os celestiais, declara o Apóstolo (1 Cor
15, 18).

Estas duas coisas, o desejo da bem-aventurança do céu e o levar
nesta terra uma vida celestial — nos predispõem incontestavelmente
a rezar com devoção ao Senhor e dirigir-lhe uma oração digna de sua
Majestade.




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SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME

27. — Este é o primeiro pedido, no qual pedimos que o nome de Deus
seja manifestado em nós e por nós proclamado.

Ora, o nome de Deus é antes de tudo, admirável, porque em todas as
criaturas opera obras maravilhosas. O Senhor declara no Evangelho
(Mc 16,17): Em meu nome, expulsarão os demônios, falarão novas
línguas, e se beberem algum veneno mortal, este não lhes fará mal
algum.

28. — Em segundo lugar, o nome de Deus é amável. «Não existe
debaixo do céu, diz São Pedro (At 4, 12) nenhum outro nome, entre
os que foram dados aos homens, que possa salvar-nos». E a salvação
deve ser buscada por todos. Santo Inácio dá-nos o exemplo do
quanto devemos amar o nome de Cristo. Quando o imperador Trajano
exigiu que ele negasse o nome de Cristo, Santo Inácio respondeu:
«Não podereis arrancá-lo de minha boca». O tirano ameaçou cortar-
lhe a cabeça e assim tirar o nome de Cristo de seus lábios; replicou o
bem-aventurado: «Não o arrancarás jamais de meu coração, pois é lá
que está gravado, por isto não posso deixar de invocá-lo». Ouvindo
estas palavras, Trajano, desejoso de verificar-lhes a exatidão,
mandou cortar a cabeça do servidor de Deus e extrair-lhe o coração.
E no coração encontrou gravado, com letras de ouro o nome de
Cristo. O santo possuía este nome como um selo em seu coracão.

29. — Em terceiro lugar, o nome de Deus é venerável. O Apóstolo
afirma (Fp 2, 10): Que ao nome de Jesus se dobrem todo joelho no
céu, na terra e nos infernos; no céu, no mundo dos anjos e bem-
aventurados; na terra, tanto os homens, que querem a glória celeste,
como os que, por temerem o castigo, buscam evitá-lo; nos infernos,
no mundo dos danados, que estes se prostrem com temor diante de
Jesus Cristo.


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30. — Em quarto lugar, o nome de Deus é inexprimível, no sentido de
que nenhuma língua é capaz de exprimir toda a sua riqueza.

Tenta-se, no entanto, explicá-la pelas criaturas. Assim, dá-se a Deus
o nome de rochedo, por causa de sua firmeza. E notemos que se o
Senhor deu a Simão, futuro fundamento da Igreja, o nome de Pedra
(Mc 3, 16) foi precisamente porque sua fé, na divindade de Jesus, (cf.
Mt 16, 18) devia fazê-lo participar de sua firmeza divina.

Designa-se Deus também pelo nome de fogo, em razão de sua
virtude purificadora. Assim como o fogo purifica os metais, Deus
purifica o coração dos pecadores. Assim está no Deuteronômio (4,
24): Vosso Deus é um fogo que consome.

Deus é também chamado luz, por causa de sua capacidade de
iluminar. Como a luz ilumina as trevas, Deus ilumina as trevas do
espírito. O Salmista, em sua oração, diz ao Senhor (17, 29): Meu
Deus, iluminai as minhas trevas.

31. — Pedimos então que este nome seja manifestado, conhecido e
tido por santo.

A palavra santo tem três significações:

Primeiramente, santo que dizer firme, sólido, inabalável. Assim, todos
os Bem-aventurados que habitam os céus são chamados santos,
porque se tornaram, pela felicidade eterna, inabaláveis. Neste sentido
não há santos neste mundo, porque os homens estão, aqui, em
constante movimento. «Senhor, dizia Santo Agostinho, afastei-me de
vós e andei errante; afastei-me de vossa estabilidade.»

32. — Santo, em segundo lugar, significa: o que não é terrestre. Por
isto, os santos que vivem no céu não têm afeição alguma pelas coisas
terrestres. Tenho tudo em conta de imundices, para ganhar a Cristo,

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dizia São Paulo (Fp 3, 8). Pela palavra terra, designam-se os
pecadores.

Primeiro porque, se não é cultivada, germinam nela espinhos e
cardos, como está escrito no Gênesis (3, 8). Assim, também a alma
do pecador, se não é cultivada pela graça, só produzirá os espinhos e
os cardos do pecado.

Segundo, a terra é obscura e opaca, símbolo dos pecadores. Diz o
Gênesis (1, 2): As trevas cobriram a face do abismo.

Terceiro, a terra, se não é aglutinada pela água, divide-se,
desagrega-se, pulveriza-se, torna-se seca, pois o Senhor estabeleceu
a terra sobre as águas, como diz o Salmista (Sl 135, 6): Deus firmou
a terra sobre as águas. Assim a umidade da água remedeia a aridez
da terra. A alma do pecador, privada da água, não passa de uma
alma seca e árida, como constata o Salmo 142, 6: Minha alma é
como a terra sem água.

33. - Enfim, santo, em terceiro lugar, significa «tinto de sangue».
Também os santos que estão no céu são chamados santos, porque
estão tintos de sangue, segundo o Apocalipse (7, 14): Estes são os
que vieram da grande tribulação e lavaram suas vestes, no sangue do
Cordeiro. Também diz o Apocalipse (1, 5): Jesus Cristo que nos amou
e nos lavou dos nossos pecados, no seu sangue.


VENHA A NÓS O VOSSO REINO

34. — Como foi dito, o Espírito Santo nos faz amar, desejar e pedir
retamente o que nos convém amar, desejar e pedir (no . 3). Este
Espírito produz em nós, primeiro, o temor que nos leva a procurar a
santificação do nome de Deus, para, em seguida, nos dar o dom da

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piedade. A piedade é, propriamente, uma afeição terna e devotada
por um pai e também por um homem caído na miséria.

Como Deus é nosso Pai, devemos não somente venerá-lo e temê-lo,
mas também alimentarmos uma terna e delicada afeição por Ele. É
esta afeição que nos faz pedir a vinda do reino de Deus. São Paulo
declara em Tito, 2, 11-13: A graça de Deus apareceu a todos os
homens, ensinando-nos que vivamos neste mundo sóbria, justa e
piamente, aguardando a esperança bem-aventurada e a vinda
gloriosa de nosso grande Deus.

35. — Mas podemos perguntar: Se o reino de Deus sempre existiu,
porque pedimos a sua vinda?

Devemos responder a esta pergunta de três maneiras:

a) Primeiro: o reino de Deus, em sua forma acabada, supõe a perfeita
submissão de todas as coisas a Deus. Um rei não será rei,
efetivamente, antes de que todos os seus súditos lhe obedeçam.

Sem dúvida, Deus pelo que é e por sua natureza, é o Senhor do
universo; e o Cristo, sendo Deus e sendo homem, tem, como Deus, o
senhorio sobre todas as coisas. Diz Daniel (7, 14): No mais antigo
dos dias foi lhe dado o poder, a honra e a realeza. É preciso que tudo
lhe seja submetido. Mas isto ainda não é assim e se realizará no fim
do mundo. Está escrito (1 Cor 15, 25): É necessário que ele reine, até
que ponha todos os inimigos debaixo de seus pés. Eis porque
pedimos: venha a nós o vosso reino.

36. — Assim fazendo, pedimos três coisas, a saber:

— que os justos se convertam;
— que os pecadores sejam punidos;
— que a morte seja destruída.

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Os homens são submetidos ao Cristo de duas maneiras: ou
voluntariamente ou contra a vontade. A vontade de Deus, com efeito,
possui tal eficácia, que não pode deixar de se realizar totalmente. E já
que Deus quer que todas as coisas sejam submissas ao Cristo, é
preciso necessariamente ou que o homem cumpra a vontade de
Deus, submetendo-se a seus mandamentos — o que fazem os justos
— ou que Deus realize sua vontade naqueles que lhe desobedecem,
isto é, nos pecadores e nos seus inimigos, punindo-os. O que
acontecerá, no fim do mundo, quando Ele colocará seus inimigos
debaixo de seus pés (cf., Sl 109, 1). Por isso é dado aos santos
pedirem a Deus a vinda de seu reino, com a total submissão de todos
à sua realeza. Mas esse pedido faz tremer os pecadores, pois assim
terão de se submeter aos suplícios requeridos pela vontade divina.
Infelizes aqueles (pecadores) que desejam o dia do Senhor (Am 5,
18).

A vinda do reino de Deus, no fim dos tempos, será também a
destruição da morte. O Cristo é a vida; ora, a morte — que é
contrária à vida — não pode existir em seu reino, segundo a palavra
(1 Cor 15,26): O último inimigo a ser destruído será a morte, o que
quer dizer que na ressurreição, segundo São Paulo (Fp 3, 21), o
Salvador transformará nosso corpo de miséria, e o tornará
semelhante ao seu corpo glorioso.

37. b) Segundo: o reino dos céus designa a glória do paraíso. Não há
nisto nada de espantoso, pois o reino quer dizer, simplesmente,
governo. Um governo atinge seu mais alto grau de excelência,
quando nada se opõe à vontade de quem governa.

Ora, a vontade de Deus é a salvação dos homens, pois Deus quer que
todos os homens se salvem (cf. 1 Tm 2, 4). Esta vontade divina se
realizara principalmente no paraíso, onde nada é contrário à salvação
dos homens, pois o Senhor diz (Mt 13, 14): Os anjos lançarão fora de

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seu reino todos os escândalos. Neste mundo, ao contrário, abundam
os obstáculos, para a salvação dos homens.

Quando, pois, pedimos a Deus: «venha a nós o vosso reino»,
rezamos para que, triunfando sobre esses obstáculos, sejamos
participantes de seu reino e da glória do paraíso.

38. — Três motivos tornam este reino extremamente desejável.

Primeiro, pela soberana justiça deste reino. Falando de seus
habitantes, o Senhor diz a Isaías (60, 21) que todos são justos. Aqui,
os maus estão misturados com os bons, mas lá não haverá nem
maus nem pecadores.

39. — Segundo, pela perfeita liberdade dos eleitos.

Aqui na terra, todos desejam a liberdade, sem possuí-la plenamente.
Mas no céu se goza de uma plena e inteira liberdade, sem a menor
servidão. Diz-nos São Paulo (Rm 8, 21): A própria criação será
libertada do cativeiro da corrupção, para a gloriosa liberdade dos
filhos de Deus.

E não somente todos os eleitos possuirão a liberdade, mas serão reis,
segundo o Apocalipse: Fizeste-nos reis e sacerdotes e reinaremos
sobre a terra.

Serão todos reis, porque terão, como Deus, uma só vontade. Deus
quererá o que os santos querem e os santos quererão o que Deus
quer. Assim todos reinarão, porque farão a vontade de todos e Deus
será a coroa de todos, segundo Isaías (28, 5): Naquele dia, o Senhor
dos exércitos será a coroa da glória e a grinalda de exultação para o
resto de seu povo.


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40. — Terceiro, pela maravilhosa abundância de seus bens. Diz Isaías
ao Senhor (64, 4): O olho não viu, exceto tu, ó Deus, o que tens
preparado para aquele que te esperam. E o Salmista (Sl 102, 5).
Enches de bens, segundo o teu desejo.

E é preciso notar que «só em Deus» o homem achará a excelência e a
perfeição daquilo que procura, «neste mundo». Se procurais o
deleite, em Deus achareis o deleite supremo. Se procurais riquezas,
em Deus achareis a superabundância de tudo de que tendes
necessidade e tudo que é razão de ser das riquezas. O mesmo
acontece com os outros bens. Santo Agostinho reconhecia em suas
Confissões: «A alma que fornica, ao afastar-se de vós, procurando os
bens fora de vós, só os encontrará límpidos e puros se voltar para
vós».

41. — c) Terceiro: porque muitas vezes o pecado reina e triunfa neste
mundo, pedimos a Deus a vinda de seu reino. São Paulo se levantava
contra esta calamidade (Rm 6, 12): Que o pecado não reine em
vossos corações.

Esta infelicidade se realiza quando o homem se deixa levar sem
resistência, até o fim de sua inclinação para o pecado.

Deus deve reinar em nosso coração e o faz efetivamente quando
estamos prontos a observar os seus mandamentos.

Quando pedimos a vinda do reino de Deus, rezamos para que não
reine em nós o pecado, mas que só Deus ali reine e para sempre.

42. — Por este pedido da vinda do reino de Deus, chegaremos à bem-
aventurança, proclamada pelo Senhor (Mt 5, 4): Bem-aventurados os
mansos.


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Com efeito, segundo a primeira explicação do pedido venha a nós o
vosso reino (n° 35), o homem, pelo fato de desejar que Deus seja
reconhecido mestre soberano de tudo, não se vinga da injustiça
recebida, mas deixa esse cuidado a Deus. Pois se vingando ele está
procurando seu triunfo pessoal e não a vinda do reino de Deus.

De acordo com a segunda explicação (n° 37) se esperais o reino de
Deus, quer dizer, a glória do paraíso, não deveis ficar inquietos,
quando perdeis os bens deste mundo.

Do mesmo modo, pela terceira explicação, (no 41) pedis que reine em
vós Deus e seu Cristo. Assim como Jesus foi mansíssimo, pois ele
mesmo o diz (Mt 11, 29), deveis também ser mansos e imitar os
Hebreus dos quais diz São Paulo (Heb 10, 34): aceitaram com
contentamento a espoliação de seus bens.


SEJA FEITA A VOSSA VONTADE, ASSIM NA
TERRA, COMO NO CÉU

43. — O Espírito Santo produz em vós um terceiro dom, chamado
dom de Ciência.

O Espírito Santo não produz nos bons somente o dom do Temor e o
dom da Piedade que, como vimos atrás (n° 34), é um amor delicado
por Deus. O Espírito Santo torna o homem sábio.

Davi pedia o dom da ciência no Salmo 118, 66, dizendo: Ensinai-me a
bondade, a doutrina e a ciência. E é esta ciência do bem viver, que
nos ensina o Espírito Santo.

Entre as disposições que contribuem para a ciência e a sabedoria do
homem, a mais importante é aquela que faz com que o homem não
se apóie em si mesmo. Não te estribes em tua prudência, recomenda

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o livro dos Provérbios (3, 5). Com efeito, os que confiam em seu
próprio julgamento, a ponto de não se fiarem senão em si mesmos e
não nos outros, são considerados como insensatos, e
verdadeiramente o são. Declara o livro dos Provérbios (26, 12): Mais
se deve esperar de um ignorante do que de um homem que é sábio a
seus próprios olhos.

Um homem não confia em seu próprio julgamento se é humilde, pois,
ensinam os Provérbios (11, 2): onde há humildade, aí há igualmente
sabedoria. Os orgulhosos ao contrário, põem em si toda confiança.

44. — Assim sendo, o Espírito Santo nos ensina, pelo dom de Ciência,
a não fazer a nossa vontade, mas a vontade de Deus. E também
quando pedimos a Deus, que Sua vontade se faça no céu, como na
terra, manifesta-se O dom de Ciência.

Quando dizemos a Deus: Seja feita a vossa vontade, é como se
fôssemos doentes que aceitam o remédio amargo, prescrito pelo
médico. O doente não quer tal remédio, mas aceita a vontade do
médico, do contrário, seguindo só sua vontade, seria um insensato.
Da mesma maneira, não devemos pedir a Deus nada além do Seu
querer, isto é, a realização de Sua vontade em nós.

O coração do homem é reto, quando está de acordo com a vontade
divina, assim como fez o Cristo: (Jo 6, 38): Desci do céu, não para
fazer a minha vontade, mas a vontade d' Aquele que me enviou.

Cristo, enquanto Deus, tem uma só vontade com o Pai, mas enquanto
homem tem sua vontade distinta da vontade do Pai. Foi falando desta
vontade que declarou: não faço a minha vontade, mas a de meu Pai.
E por isso nos ensinou a rezar e a pedir: «seja feita a vossa
vontade».


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45. — Mas qual é a razão de ser desta oração: «Seja feita a vossa
vontade?»

Não se diz a Deus, no Salmo 113 (v. 3): Tudo quanto quis, fez? Se
Deus faz tudo que quer no céu e na terra, porque diz Jesus: Seja feita
a vossa vontade assim na terra como no céu?

46. — Para compreender a causa deste pedido é preciso saber que
Deus quer para nós três coisas que realizamos nesta oração.

a) Em primeiro lugar, Deus quer que tenhamos a vida eterna. Quando
alguém faz alguma coisa visando um determinado fim, quer que ela
atinja tal fim. Ora, Deus não fez o homem sem um fim determinado.
Diz o Salmo (88, 48): acaso criastes em vão todos os filhos dos
homens? Deus criou os homens, para um fim que não são as
volúpias, pois estas também as têm os animais. Deus quis que o
homem alcançasse a vida eterna. (cf. Jo. 3, 16; 10, 10).

47. — Quando alguma coisa atinge o fim para que foi feita, diz-se que
está salva; quando não atinge, diz-se que está perdida. Ora, o
homem é feito por Deus para a vida eterna. Quando ele chega lá,
está salvo; e esta é a vontade de Deus para ele. Esta é a vontade do
Pai que me enviou: que o que vir o Filho e crer nele, tenha a vida
eterna. (Jo 6, 40).

Esta vontade já se cumpriu nos anjos e santos, que vivem na pátria
celeste, pois vêem a Deus, o conhecem e gozam dele. Mas nós
desejamos que, assim como a vontade de Deus se cumpre nos Bem-
aventurados que estão no céu, se cumpra também em nós que
estamos na terra. Por isso pedimos na oração: «Seja feita a vossa
vontade» em nós, que estamos na terra, como nos Santos, que estão
no céu.


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48. — b) Quanto a nós, Sua vontade é que cumpramos Seus
mandamentos. Quando alguém deseja um bem, quer não só este
bem, como os meios para obtê-lo. Também o médico, para conseguir
a saúde do doente, quer a dieta, os remédios e outras coisas desse
gênero.

Ora, Deus quer que tenhamos a vida eterna.

Ao moço que lhe pergunta: Que devo fazer de bom para ter a vida
eterna? Jesus responde: Se queres entrar na vida eterna, guarda os
mandamentos (Mt 19, 17).

São Paulo escreve, a esse propósito, aos Romanos (12, 19): E não
vos conformeis com este mundo, mas reformai-vos com um espírito
novo, para que experimenteis qual é a vontade de Deus, boa,
agradável e perfeita.

A vontade de Deus é boa porque é útil. Sou o Senhor teu Deus, que
te ensina o que é útil. (ls 48, 17).

É agradável para aqueles que a amam. Se a vontade de Deus não é
grata aos que não a amam, para os que a amam é deliciosa. A luz
nasceu para os justos, a alegria para os retos de coração, diz o
Salmista (Sl 96, 11 ).

A vontade de Deus é também perfeita, porque é uma bondade
superior a tudo. Sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito,
prescrevia Jesus (Mt 5, 48).

Assim, quando dizemos, «Seja feita a vossa vontade», pedimos a
graça de observar os mandamentos de Deus.


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Ora, a vontade de Deus se cumpre nos justos, mas ainda não nos
pecadores. Os justos são designados pelo céu e os pecadores pela
terra.

Pedimos, pois que a vontade de Deus seja feita na terra, isto é nos
pecadores, como é feita no céu, nos justos.

49. — Notemos que Jesus, com o próprio modo de formular o terceiro
pedido do «Pai nosso» nos dá um ensinamento:

Jesus não nos faz dizer a nosso Pai: «fazei a vossa vontade», nem
tão pouco, «que nós façamos a vossa vontade», mas sim: «Seja feita
a vossa vontade».

Com efeito, duas coisas são necessárias para alcançarmos a vida
eterna: a graça de Deus e a vontade do homem.

Apesar de Deus ter criado o homem sem chamá-lo a cooperar na
criação, não o justifica, no entanto, sem a cooperação dele. «Aquele
que te criou sem ti, não te justificará sem ti» diz Santo Agostinho, em
seu comentário sobre São João. Realmente, Deus quer esta
cooperação do homem. Convertei-vos a mim, e eu me converterei a
vós, diz Ele em Zacarias (1,3); e São Paulo escreveu: (1 Cor 15, 10)
Pela graça de Deus sou o que sou e sua graça não tem sido vã em
mim.

Não sejais presumidos, mas confiai na graça de Deus; não
negligencieis o vosso esforço, mas trazei vossa cooperação.

É por isso que Jesus não nos manda dizer «que nós façamos a vossa
vontade», do contrário pareceria que a graça de Deus não tem nada
para fazer. Também não prescreve «Fazei a vossa vontade», senão
pareceria que nossa vontade e nosso esforço não servem para nada.


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Mas Jesus nos faz dizer: Seja feita a vossa vontade, pela graça de
Deus, à qual juntamos nosso trabalho e nosso esforço.

50. — c) em terceiro lugar, Deus quer que sejamos restabelecidos no
estado e na dignidade em que foi criado o primeiro homem.
Dignidade e estado tão elevados que seu espírito e sua alma não
sentiam qualquer oposição da parte da carne e da sensibilidade.

Enquanto a alma foi submissa a Deus, a carne foi submissa ao
espírito e tão perfeitamente que não experimentou nem a corrupção
da morte nem a alteração da doença e das outras paixões.

Mas a partir do momento em que o espírito e a alma, que estavam
entre Deus e a carne, se rebelaram contra Deus, pelo pecado,
também o corpo se rebelou contra a alma e começou a ter doenças e
a morrer, e sua sensibilidade continuamente se revoltou contra o
espírito. O que faz com que São Paulo diga: (Rm 7,23). Sinto nos
meus membros uma outra lei, que repugna à lei do meu espírito. E
(Gl 5, 17) A carne tem desejos contra o espírito e o espírito contra a
carne. Assim há uma guerra incessante entre o espírito e a carne; o
homem torna-se cada vez pior pelo pecado.

Deus quer que o homem seja restabelecido em seu primeiro estado,
isto é, que não haja nada na carne que se oponha a seu espírito; o
que São Paulo exprime assim (1 Ts 4, 3): Pois é essa a vontade de
Deus: a vossa santificação.

51. — Ora, esta vontade de Deus, quanto ao nosso corpo, não pode
realizar-se nesta vida. Ela se realizará na ressurreição dos santos,
quando seus corpos ressuscitarão gloriosos, incorruptíveis e
esplêndidos, segundo a palavra do Apóstolo (1 Cor 15,43): Semeia-se
na vileza, mas o corpo ressuscitará na glória.


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No entanto a vontade de Deus se realiza aqui em baixo, no espírito
dos justos, por sua justiça, ciência e vida. Assim, quando dizemos:
«Seja feita a vossa vontade», pedimos ao Senhor que realize sua
vontade também em nossa carne.

Segundo esta explicação, no pedido, «Seja feita a vossa vontade,
assim na terra, como no céu», a Palavra céu designa nosso espírito e
a palavra terra designa nossa carne. E o sentido deste pedido será:
que vossa vontade seja feita na terra, isto é, em nossa carne, como é
feita no céu, isto é, em nosso espírito, pela justiça.

52. — Este terceiro pedido nos faz chegar à bem-aventurança das
lágrimas, que o Senhor nos fez conhecer no Sermão da Montanha (Mt
5, 5): Bemaventurados os que choram, porque serão consolados. É
fácil demonstrá-la retomando os três pontos de nossa explicação.

Primeiramente, Deus quer para nós e nos faz desejar a vida eterna.
Por esse amor à vida eterna, somos levados a derramar lágrimas. Ai
de mim, canta o salmista, como é longo o meu exílio! (Sl 119,5). E
esse desejo de vida eterna, entre os santos, é tão forte que os faz
aspirar à morte, se bem que, em si mesma, ela seja objeto de
aversão. Nós preferimos deixar este corpo e estar presentes no
Senhor (2 Cor 5,8).

Em segundo lugar, os que guardam os mandamentos de Deus, para
obedecer à vontade de Deus, estão também na aflição, porque, se os
preceitos são doces para a alma, são amargos para a carne, pois a
mortificam. Falando da carne, e também de suas almas, o Salmista
diz dos justos (Sl 125, 5): Semearam em lágrimas, com alegria
ceifarão.

Em terceiro lugar, falamos da luta incessante entre nossa carne e
nosso espírito. Luta essa que é, igualmente, objeto de nossas
lágrimas. É impossível que neste combate a alma não receba alguns

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ferimentos da parte da carne, ao menos os dos pecados veniais. A
obrigação de expiar estas faltas é razão de lágrimas. Salmo 6,7:
Todas as noites, isto é, na obscuridade de meus pecados, regarei o
meu leito, isto é minha consciência. Os que choram assim, alcançarão
a pátria. Que Deus se digne de nos conduzir a ela.


O PÃO NOSSO
DE CADA DIA NOS DAI HOJE

53. — Muitas vezes, a grandeza da ciência e da sabedoria tornam o
homem tímido, e então é preciso ter força no coração, para que o
homem não desanime diante das necessidades.

O Senhor, diz Isaías (40, 29), dá força aos cansados e vigor aos que
são fracos. E Ezequiel (2, 2) também diz: Entrou em,mim o Espírito, e
me firmou sobre os meus pés.

O Espírito Santo, de um lado, dá força para impedir que o homem
desfaleça com o medo de não ter o necessário, e por outro lado, para
que o homem creia firmemente que Deus o proverá de tudo que
precisar.

Assim o Espírito Santo, dispensador desta força, nos ensina a dizer: O
pão nosso de cada dia nos dai hoje. E o chamamos Espírito de força.

54. — É preciso saber, que nos três pedidos precedentes do «Pai
Nosso», pedimos bens espirituais, cuja possessão começa neste
mundo, mas só será perfeita na vida eterna.

Com efeito, quando pedimos a santificação do nome de Deus,
pedimos que reconheçamos Sua santidade; pedindo a vinda de Seu
reino, pedimos alcançar a vida eterna; pedir para que a vontade de
Deus seja feita é pedir que Deus cumpra Sua vontade em nós. Todos

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esses bens, parcialmente realizados neste mundo, só o serão
perfeitamente, na vida eterna.

Também é necessário pedir a Deus alguns bens indispensáveis, cuja
possessão perfeita é possível na vida presente. Por isso, o Espírito
Santo nos ensina a pedir estes bens, necessários à vida presente e
perfeitamente possuídos aqui em baixo.

Ao mesmo tempo nos faz mostrar que é Deus que nos provê em
nossas necessidades temporais, quando dizemos: «O pão nosso de
cada dia nos dai hoje».

55. — Por estas palavras, Jesus nos ensina a evitar os cinco pecados
que se comete habitualmente por um desejo imoderado das coisas
temporais.

O primeiro destes pecados é que o homem, insaciável, quanto às
coisas que convêm a seu estado e a sua condição, e impelido por um
desejo desregrado, pede bens que estão acima de sua condição. Age
como um soldado que se queira vestir de oficial ou um clérigo, como
um bispo.

Este vício desvia o homem das coisas espirituais, porque o prende
excessivamente a coisas temporais.

O Senhor nos ensina a evitar tal pecado, mandando-nos pedir
somente o pão, quer dizer, os bens necessários a cada um nesta vida,
segundo a sua condição particular: sob o nome de «pão», estão
compreendidos todos esses bens. O Senhor não nos ensinou a pedir
coisas delicadas, variadas e exóticas, porém pão, sem o qual o
homem não pode viver e que é o alimento comum a todos. O
essencial da vida do homem, diz o Eclesiástico (29, 28), é a água e o
pão. E o Apóstolo escreveu a Timóteo (1,6, 8): Tendo pois com que
nos sustentar e com que nos cobrirmos, contentemo-nos com isso.

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56. — Um segundo vício consiste em cometer-se injustiças e fraudes
na aquisição dos bens temporais.

Este é um vício perigoso, porque é difícil restituir os bens roubados e,
segundo Santo Agostinho, «tal pecado não é perdoado, se não
restituímos o que foi roubado».

O Senhor nos ensina a evitar este vício, pedindo para nós, não o pão
de outrem, mas o nosso. Os ladrões comem o pão dos outros e não o
seu próprio.

57. — O terceiro pecado é a solicitude excessiva para com os bens
terrenos. Há pessoas que nunca estão satisfeitas com o que têm e
querem sempre mais.

Senhor, não me deis nem a Pobreza nem a riqueza: dai-me somente
o que for necessário para viver, dizem os Provérbios (30, 8).

Jesus nos ensina a evitar este pecado pelas palavras: «de cada dia
nos dai hoje», quer dizer, o pão de um só dia ou de uma só unidade
de tempo.

58. — O quarta vício, causado pela apetite desmesurado das coisas
daqui de baixa, consiste numa insaciável avidez das bens terrenas,
uma verdadeira voracidade.

Querem consumir em um só dia o que é suficiente para muitas dias.
Estes não pedem o pão de um dia, mas o de dez. Gastando sem
medida, chegam a dissipar todas os seus bens, segundo a palavra dos
Provérbios (23, 21): Passando o tempo a beber e a comer se
arruínam, e segunda esta outra palavra (Ecl. 19, 1): O operário dado
ao vinho não enriquecerá.


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59. — O deseja desregrada dos bens terrestres engendra um quinto
pecado, a ingratidão.

Este é o deplorável vício do homem que se orgulha de suas riquezas e
não reconhece que as deve a Deus, autor de todos os bens espirituais
e temporais, segunda a palavra de Davi (I Par. 29, 14): Teu é tudo e
o recebemos de tua mão.

Para afastar esse vício e fixarmos que todos esses bens vêm de Deus,
Jesus nos faz dizer: «Dai-nos nosso pão».

60. — Recolhamos a lição da experiência e das Sagradas Escrituras a
respeito do caráter perigosa e nociva das riquezas.

Quantas vezes se possui grandes riquezas e não se tira qualquer
utilidade delas, mas, ao contrário, males espirituais e temporais.

Há homens que morrem par causa de suas riquezas. Há ainda um mal
que tenho visto debaixo do sol, diz o Eclesiastes (6, 1-2), e ordinário
por certo entre os homens: um homem a quem Deus deu riquezas,
bens e honra; nada falta à sua alma de tudo o que pode desejar, e
Deus não lhe concedeu o poder de gozar destes bens, mas virá um
homem estranho a devorar suas riquezas. E diz ainda o Eclesiastes
(5, 12): Ainda há outra enfermidade bem má debaixo do sol: as
riquezas acumuladas em detrimento de seu dono.

Devemos, portanto, pedir a Deus que nossas riquezas nos sejam
úteis. Quando dizemos: «Dai-nos o nosso pão», é isso que pedimos,
que os nossos bens nos sejam úteis e que não se verifique conosco o
que está escrito do homem mau (Jo 20, 14,15): o pão, em suas
entranhas, se converterá em fel de áspides. Vomitará as riquezas que
devorou e Deus lhas fará sair das entranhas.


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61 — Voltando ao vício de uma solicitude excessiva em relação aos
bens terrenos, vemos homens que se inquietam hoje com o pão de
um ano inteiro, e se chegam a possuí-lo, nem por isso, deixam de se
atormentar. Mas o Senhor lhes diz (Mt 6, 31): Não vos inquieteis,
pois, dizendo: que comeremos ou o que beberemos ou com que nos
vestiremos? Também Deus nos ensina a pedir para hoje o pão nosso,
quer dizer, o necessário para o momento presente.

62. — Existem além do pão, alimento do corpo, duas outras
qualidades de pão. O pão sacramental e o da palavra de Deus.

Na Oração Dominical também pedimos nosso pão sacramental que é
todo dia preparado na Igreja e que recebemos como sacramento,
como penhor de nossa salvação.

Jesus declarou aos Judeus (Jo 6,5): Eu sou o Pão vivo que desceu do
céu. — Quem come deste pão, e bebe do cálice do Senhor
indignamente, come e bebe para si a condenação (1 Cor 11, 29).

Pedimos também na Oração Dominical este outro pão que é a palavra
e Deus. Deste pão disse Jesus (Mt 4, 4): Não só de pão vive o
homem, mas de toda a palavra que vem da boca de Deus.

Pedimos assim que nos dê pão, isto é, o Verbo de Deus, de onde
provém para o homem a bem-aventurança da fome e sede de justiça.
Quanto mais bens espirituais possuímos, mais desejamos e este
desejo aguça o apetite e a fome, que será saciada na vida eterna.




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PERDOAI AS NOSSAS DÍVIDAS ASSIM COMO
NÓS PERDOAMOS AOS NOSSOS DEVEDORES

64. — Encontramos homens de grande sabedoria e força, mas quem
confia em sua própria força não trabalha com sabedoria nem conduz
até o final aquilo que se propusera fazer. Parecem ignorar que os
conselhos dão força às reflexões. Como ensinam os Provérbios (20,
18).

Mas notemos que o Espírito Santo que dá a força, dá também o
conselho; pois qualquer bom conselho relativo à salvação do homem
só pode vir do Espírito Santo.

O conselho é necessário ao homem, quando este sofre tribulações,
assim como o conselho do médico, quando se está doente. Quando
um homem está espiritualmente doente pelo pecado, deve pedir
conselho. E Daniel mostra que o conselho é necessário ao pecador,
quando diz ao rei Nabucodonosor (Dn 4, 24): Segue, ó rei, o conselho
que te dou, redime os teus pecados com esmolas.

O conselho de dar esmolas e ser misericordioso é excelente para
apagar os pecados. Por isso o Espírito Santo ensina aos pecadores
esta oração pedindo: Perdoai as nossas dívidas, assim como nós
perdoamos os nossos devedores.

Além disso devemos verdadeiramente a Deus aquilo a que Ele tem
direito e que nós lhe recusamos. Ora, o direito de Deus exige que
façamos Sua vontade, preferindo-a à nossa vontade. Ofendemos,
portanto, seu direito, quando preferimos nossa vontade à sua, e isto
é o pecado. Assim os pecados são nossas dívidas para com Deus. E o
Espírito Santo nos aconselha que peçamos a Deus o perdão de nossos
pecados e por isso dizemos: Perdoai as nossas dívidas.

65. — Sobre estas palavras podemos fazer três considerações:

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a) Primeiro, por que fazemos este pedido?
b) Segundo, quando será realizado?
c) Terceiro, que devemos fazer para que Deus realize nosso pedido?

a) Da primeira, tiramos dois ensinamentos necessários ao homem,
nesta vida.

Um, que o homem deve sempre temer a Deus e ser humilde. Há
quem seja bastante presunçoso para dizer que podemos viver neste
mundo de modo a evitar o pecado. Mas isto a ninguém foi dado, a
não ser ao Cristo que possui o Espírito em toda a plenitude; e à Bem-
aventurada Virgem, cheia de graça e imaculada, da qual dizia Santo
Agostinho: «Desta (Virgem) não quero fazer a menor menção,
quando falo do pecado». Mas a nenhum outro santo foi concedido não
cair em pecado ou, ao menos, não incorrer em algum pecado venial.
Diz, em sua Epístola, São João: Se dissermos que estamos sem
pecado, nós mesmos nos enganamos, e não há verdade em nós. (I,
1,8).

E isto tudo é provado pelo próprio pedido. Firmamos, pois, que a
todos, santos ou não, convém dizer o Pai Nosso, com o pedido:
Perdoai as nossas dívidas. Portanto, cada homem se reconhece e se
confessa pecador e indubitavelmente devedor. Se, pois, sois pecador,
deveis temer e vos humilhar.

O outro ensinamento é que vivamos sempre na esperança. Ainda que
sejamos pecadores, não devemos desesperar. O desespero nos leva a
outros e mais graves pecados, como nos diz o Apóstolo (Ef 4, 19):
Desesperando, entregaram-se à dissolução e a toda sorte de
impurezas.


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É, pois, muito útil que sempre esperemos. O homem, por mais
pecador que seja, deve esperar sempre o perdão de Deus, se seu
arrependimento é verdadeiro, se se converteu perfeitamente.

Ora, esta esperança se fortifica em nós, quando pedimos: Pai nosso,
perdoai as nossas dívidas.

67. — Os hereges Navatini negavam essa esperança, dizendo que
aquele que peca, depois do batismo, não alcança a misericórdia. Ora,
isto não é verdade, se é verdade o que Cristo diz (Mt 18,32): Perdoei-
te a dívida toda, porque me pediste.

Assim, em qualquer dia em que pedirdes, podereis obter a
misericórdia, se rogardes arrependidos por terdes pecado.

Se, portanto, por esse pedido, nasce o temor e a esperança e todo
pecador contrito alcança a misericórdia, concluímos o quanto é
necessário fazê-lo.

68. — b) Quanto à segunda consideração, é preciso lembrar que, no
pecado, são dois os elementos presentes: a culpa, pela qual se
ofende a Deus, e o castigo devido pela ofensa.

Ora, a falta é remida pela contrição, se esta é acompanhada do
propósito de se confessar e de satisfazê-la. Declara o Salmista (Sl 31,
5): Eu disse: confessarei ao Senhor contra minha injustiça; e tu me
perdoaste a impiedade de meu pecado.

Como dissemos, se a contrição dos pecados, com o propósito de
confessá-los, basta para obter sua remissão, o pecador não deve
desesperar.

69. — Mas alguém pode objetar: se a contrição do pecado redime a
culpa, porque é necessário a confissão ao sacerdote?

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A esta pergunta responderemos: Deus, pela contrição, redime o
pecado, mudando o castigo eterno em castigo temporal; o pecador,
contrito, fica submetido à pena temporal,

Assim, se o pecador morre sem confissão, não por tê-la desprezado,
mas porque a morte o surpreendeu, irá para o purgatório onde,
segundo Santo Agostinho, sofrerá muitíssimo. No entanto, ao vos
confessar, o sacerdote vos absolve da pena temporal pelo poder das
chaves, ao qual vos submeteis na confissão; pois disse Cristo aos
Apóstolos (Jo, 20,22,23): Recebei o Espírito Santo; àqueles a quem
perdoardes os pecados, serão perdoados e aos que os retiverdes,
serão retidos. Assim, quando se confessa uma vez, alguma parte da
pena é perdoada e do mesmo modo, quando se repete a confissão ou
se confessa, tantas vezes, quanto necessário, será totalmente
perdoada.

70. — Os sucessores dos Apóstolos acharam um outro modo de remir
a pena temporal: pelo benefício das indulgências. Para quem vive na
caridade, as indulgências têm o valor que o Papa lhes pode conferir.

Quando os santos fazem boas obras, sem terem pecado, ao menos
mortalmente, essas obras são úteis para a Igreja. Do mesmo modo
os méritos de Cristo e da bem-aventurada Virgem são reunidos como
um tesouro. O Soberano Pontífice e aqueles a quem ele confiou tal
cuidado, podem aplicar estes méritos, onde mais houver necessidade.
Assim, pois, os pecados são remidos, quanto à falta, peia contrição, e
quanto à pena, pela confissão e pelas indulgências.

71. — c) Quanto à terceira consideração: que devemos fazer para que
Deus realize nosso pedido, Deus requer, de nossa parte, que
perdoemos ao próximo as ofensas que nos fez. É por isso que nos faz
dizer: assim como nós perdoamos os nossos devedores. Se agirmos
de outra maneira, Deus não nos perdoará.

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Diz-nos o Eclesiástico (28, 2-5): Perdoa a teu próximo o mal, que te
fez e a seu pedido teus pecados ser-te-ão perdoados. O homem
guarda sua ira para com outro homem e pede a Deus remédio? Não
tem compaixão de um homem seu semelhante, e pede perdão de
seus pecados? Sendo carne, conserva rancor e pede propiciação a
Deus? Quem lha alcançará por seus delitos? Perdoai, (Lc 6, 37), e
ser-vos-á perdoado.

É por isso que neste quinto pedido do Pai N'osso o Senhor nos põe
uma única condição: perdoai o outro. Se assim não fazemos, não
seremos perdoados.

72. — Mas poderíamos dizer: Direi as primeiras palavras do pedido a
saber: perdoai as nossas dívidas, mas não as últimas: como nós
perdoamos aos nossos devedores.

Quereis enganar a Cristo? Mas certamente não enganareis. Cristo
compôs esta oração e dela se lembra bem; como podeis enganá-lo?
Portanto, se dizeis com a boca, ratificai com o coração.

73. — Mas, perguntamos, aquele que não tem o propósito de perdoar
seu próximo deve dizer: Assim como nós perdoamos os nossos
devedores?

Parece que não, pois estaria mentindo.

Mas respondo que não estaria mentindo, porque não está rezando em
seu nome, mas em nome da Igreja, que não se engana. É por isso
que esse pedido foi posto no plural.

74. — Precisamos saber que há dois modos de perdoar o próximo. O
primeiro é o dos perfeitos, que leva os ofendidos a procurarem os
ofensores, como diz o Salmista: (Sl 33, 15): Procurai a paz.

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O segundo modo de perdoar é comum a todos, é a obrigação de
todos; nada mais é que perdoar os que pedem perdão, como diz o
Eclesiástico; (28, 2) Perdoa teu próximo pelo mal que te fez e a seu
pedido teus pecados ser-te-ão perdoados.

75. — Bem-aventurados os misericordiosos, é o fruto deste quinto
pedido. Porque nos leva a ter misericórdia para com o próximo.

E NÃO NOS DEXEIS CAIR EM TENTAÇÃO

76. — Há pecadores que desejam obter o perdão de seus pecados;
confessam-se e fazem penitência, mas não se aplicam como devem,
para não recaírem no pecado. São inconseqüentes consigo mesmos,
pois choram e se arrependem de seus pecados, para em seguida
caírem novamente nos mesmos pecados e assim acumularem motivo
para lágrimas futuras. A propósito disto, diz o Senhor em Isaias: (1,
16) Lavai-vos, purificai-vos, tirai de diante de meus olhos a
malignidade de vossos pensamentos: deixai de fazer o mal.

É por isso que Cristo, como dissemos, nos ensina, no pedido anterior,
a implorar o perdão de nossos pecados e neste, a graça de evitar o
pecado dizendo: e não nos deixeis cair em tentação, pois é
verdadeiramente a tentação que nos induz ao pecado.

77. — Neste pedido três questões atraem nossa atenção:

a) Que é a tentação?
b) Como e por quem o homem é tentado?
c) Como se livra da tentação?

78. — a) Que é a tentação?


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Tentar não quer dizer mais do que: por à prova. Assim, tentar o
homem, é por à prova sua virtude. A tentação pode ser de duas
maneiras, segundo as exigências da virtude humana. Uma, quanto à
perfeição da obra e outra, que o homem se guarde de todo o mal. É o
que diz o Salmista: (Sl 33, 15) Evita o mal e faze o bem.

A virtude do homem será pois provação, tanto do ponto de vista da
excelência de se agir, quanto do seu afastamento do mal.

79. — Se sois provados para saber, se estais prontos para praticar o
bem, como, por exemplo, jejuar, e estais efetivamente prontos para o
bem, grande é a vossa virtude.

Deste modo Deus prova o homem, não porque Ele não conhece sua
virtude, mas para que assim todos a fiquem conhecendo e o tenham
como exemplo. Deste modo Deus tentou Abraão (Gn 22) e Jó. Por
isso Deus envia tribulações aos justos; se suportam com paciência,
sua virtude é manifesta e progridem na virtude. O Senhor vosso Deus
vos tenta, para se fazer manifesto se o amais ou não, dizia Moisés
aos Hebreus (Dt 13, 3). Portanto Deus tenta o homem, provocando-o
a fazer o bem.

80. — O segundo modo de tentar a virtude do homem é incitá-lo ao
mal. E se o homem resiste fortemente e não consente, sua virtude é
grande, mas se ele não resiste, onde está sua virtude?

Deus nunca tenta o homem deste modo, pois nos diz São Tiago: (1,
13): Ninguém, quando é tentado, diga que Deus é que o tenta, pois
Ele é incapaz de tentar para o mal. Mas quem tenta o homem é a
própria carne, o diabo e o mundo.

81. — b) Como e por quem é o homem tentado?

A carne tenta o homem de dois modos.

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Primeiro, instigando o homem para o mal, pela procura dos gozos
carnais, que são sempre ocasião de pecado. Quem permanece nos
gozos carnais, negligencia as coisas espirituais. Diz-nos São Tiago:
Cada um é tentado por sua própria concupiscência que o arrasta e
seduz (Tg 1, 14).

Em segundo lugar, a carne nos tenta, desviando-nos do bem. Pois o
espírito, por si mesmo, se deleita sempre com os bens espirituais;
mas o peso da carne entrava o espírito. O corpo que se corrompe faz
pesada a alma, diz o Livro da Sabedoria (9, 15) e São Paulo escreve
aos romanos (7, 22): Pois me deleito na lei de Deus, segundo o
homem interior; sinto, porém, nos meus membros outra lei, que
repugna à lei de meu espírito e que me prende à lei do pecado, que
está em meus membros.

Esta tentação da carne é muito forte porque a carne, nossa inimiga,
está ligada a nós. E como disse Boécio: «Nenhuma peste é tão
nociva, quanto um inimigo familiar». Por isto é preciso estar vigilante
contra a carne. Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. (Mt 26,
41).

82. — Ora, uma vez a carne dominada, outro inimigo aparece, o
diabo, contra quem é enorme nossa luta. Diz-nos São Paulo: (Ef 6,
12) — não temos que lutar contra a carne e o sangue apenas, mas
sim contra os principados e potestades, contra os dominadores do
mundo das trevas, contra os espíritos de malícia, espalhados pelos
ares. Donde é o diabo expressamente chamado o tentador, como nos
mostra São Paulo: (1 Ts 3,5): Não vos haja tentado aquele que tenta.

O diabo age astutamente nas tentações. Assim como um general de
exército, que sitia uma fortaleza, considera os pontos fracos que quer
atacar, o diabo considera onde o homem é mais fraco para aí tentá-
lo. E por isso tenta-o nos vícios a que o homem, subjugado pela

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carne, é mais inclinado, como o vício da ira, da soberba e outros
vícios espirituais. Vosso adversário, o demônio, como um leão a rugir
anda ao redor de vós, procurando a quem devorar, diz-nos São
Pedro. (1 Pd 5, 8).

83. — O demônio usa de suas táticas em suas tentações. No primeiro
momento da tentação não propõe ao homem nada de
declaradamente mau, mas alguma coisa que ainda tenha a aparência
de um bem. Assim, de início, desvia ligeiramente o homem de sua
orientação geral interior, o suficiente para, em seguida, levá-lo
facilmente a pecar. Sobre isto escreve o Apóstolo aos Coríntios: (2
Cor 11, 14): O próprio Satanás se transfigura em anjo da luz.

Depois de ter induzido o homem ao pecado, prende-o para não
permitir que ele se liberte de suas faltas.

Assim o demônio faz duas coisas: engana o homem e o conserva
enganado em seu pecado.

84. — O mundo por sua vez nos tenta de duas maneiras. Em primeiro
lugar, por um desejo desmesurado das coisas temporais. A cupidez é
raiz de todos os males, diz o Apóstolo (Tm 6, 10).

Em segundo lugar, o mundo nos incita ao mal por medo das
perseguições e dos tiranos. Estamos envolvidos pelas trevas (Jo 37,
19) Pois todos os que quiserem viver piamente em Cristo Jesus
sofrerão perseguição, escreve São Paulo (2 Tm 3, 12). E o Senhor
recomenda a seus discípulos: (Mt 10, 20) Não temais os que matam o
corpo.

85. — c) Até aqui mostramos o que é a tentação e como o homem é
tentado. Vejamos agora como o homem se livra da tentação.


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Sobre isso é preciso notar que Cristo nos ensinou não a pedirmos
para não sermos tentados, mas para não cairmos em tentação. Com
efeito, é vencendo a tentação que o homem merece a coroa da glória.
(cf. 1 Cor 9,25); (Pd 5, 4) É por isso que São Tiago (1, 2) declara:
Meus irmãos, tende em conta da maior alegria o passardes por
diversas tentações. E o Eclesiástico nos adverte: (2, 1): Filho, quando
entrares no serviço de Deus... prepara tua alma para a tentação. Diz
ainda São Tiago (1, 12) Bem-aventurado o homem que suporta a
tentação; porque depois de ser provado, receberá a coroa da vida.
Assim Jesus nos ensina a pedir ao Pai para não cairmos em tentação,
dando a esta nosso consentimento. Diz-nos São Paulo: (1 Cor 10, 13)
Não vos sobreveio nenhuma tentação, que não seja humana. Ser
tentado é humano, mas consentir é ter parte com o diabo.

86. — Poderão objetar: uma vez que o Cristo disse explicitamente:
Não nos induzi em tentação, isto é, não nos façais cair em tentação,
não se deve deduzir daí, que é o próprio Deus, mais do que o diabo,
que nos empurra ativamente para o mal?

Respondo assim:

É pelo fato de permitir o mal e não levantar contra ele obstáculo que
Deus, por assim dizer, leva o homem a praticar o mal. Assim Deus
será dito induzir o homem em tentação, quando retira dele sua graça,
por causa dos inúmeros pecados anteriores deste homem; o que terá
por efeito fazer o homem cair em novo e pior pecado. Para ser
preservado desse mal, o Salmista pede a Deus em sua prece: (Sl 70,
90): Quando minhas forças faltarem, não me desampares.

Por outro lado, graças ao fervor da caridade, dado por Deus, o
homem é ajudado de tal modo que não é induzido em tentação no
sentido acima (n° 82, 83). A caridade, por menor que seja, resiste a
qualquer pecado. As muitas águas não puderam extinguir a caridade,
diz o Cântico dos Cânticos (8, 7).

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Assim como Deus nos dirige pela luz da inteligência, também pela
inteligência nos mostra as obras que devemos realizar. Segundo
Aristóteles, todo pecador é um ignorante. Diz o Senhor (Sl 31, 8):
Inteligência te darei e te instruirei neste caminho. E Davi pede esta
luz, para bem agir (Sl 12, 4-5): Ilumina meus olhos, para que eu não
durma jamais na morte. Para que o meu inimigo não venha a dizer:
Eu prevaleci contra ele.

87. — Esta luz nos vem pelo Dom da Inteligência.

Se recusamos nosso consentimento à tentação, guardamos a pureza
de coração santificada por Jesus: (Mt 5, 8): Bem-aventurados os
puros de coração, pois verão a Deus; e nós chegaremos à visão de
Deus.

Que Deus a ela nos conduza efetivamente.



MAS LIVRAI-NOS DO MAL.
AMÉM

88. — Nos pedidos precedentes, o Senhor nos ensina a implorar o
perdão dos pecados e nos mostra como escapar das tentações. Aqui
nos ensina a pedir que sejamos preservados do mal.

Este é um pedido geral. Segundo Santo Agostinho, visa as diferentes
espécies de males: pecados, doenças, aflições. Já falamos do pecado
e da tentação; resta-nos tratar das outras categorias de males: todas
as adversidades e aflições deste mundo. Deus nos livra delas de
quatro maneiras.


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89. — Em primeiro lugar, Deus livra o homem das aflições,
afastando-as dele; o que faz raramente. Neste mundo, os santos são
afligidos. Todos os que quiserem viver piamente em Cristo
Jesus, padecerão perseguição, diz São Paulo. (2 Tm 3, 12).

No entanto, às vezes, Deus concede a alguns não serem afligidos.
Quando Deus sabe que uma pessoa não suporta a prova, age como
um médico que evita dar remédios violentos a um doente muito mal.
Eis, diz o Senhor, (Ap 3,8) que pus diante de ti uma porta aberta que
ninguém pode fechar.

Na pátria celeste é lei geral que ninguém seja afligido. Está no
Apocalipse: (7, 16-17) Já não terão fome nem sede, nem cairá sobre
eles o sol nem calor algum. Porque o Cordeiro, que está no meio do
trono, os guardará e os levará às fontes das águas da vida, e Deus
enxugará toda lágrima dos seus olhos.

90. — Em segundo lugar, Deus nos livra do mal, enviando-nos
consolações no tempo das aflições. Sem as consolações divinas, o
homem não pode subsistir no meio das provações. Diz-nos São Paulo:
(2 Cor 1, 8) Fomos mal tratados desmedidamente, além de nossas
forças, e acrescenta: (2 Cor 7, 6) Deus porém que consola os
humildes, consolou-nos. E canta o Salmista: (93, 19) Segundo as
muitas dores que provou meu coração, as tuas consolações
alegraram a minha alma.

91. — Em terceiro lugar, Deus cumula os aflitos de tantos benefícios,
que chegam a esquecer seus males. Depois da tempestade vem a
bonança, dizia Tobias (3, 32). Assim não devemos temer as aflições e
tribulações do mundo, que são facilmente suportadas por causa das
consolações que Deus mistura a elas e também por causa de sua
pouca duração. Diz São Paulo (2 Cor 4, 17) A ligeira tribulação do
momento presente prepara para nós um peso eterno de glória, além

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de toda medida. Pois é a tribulação que nos faz alcançar a vida
eterna.

92. — Em quarto lugar — e para estender a idéia do mal a todos os
males (n° 88) — Deus tira o bem de todos os males, tentações e
tribulações.

Jesus não nos faz dizer: livrai-nos da tribulação, mas: livrai-nos do
risco do mal que essas tribulações trazem.

Com efeito, as tribulações são dadas aos santos, para seu bem, para
que mereçam a coroa da glória. Por isso, ao invez de pedir para
serem liberados das tribulações, os santos fazem suas as palavras do
Apóstolo: (Rm 5, 3) Não só nos gloriamos na esperança e na glória de
Deus, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que as
tribulações produzem a paciência. E repetem a oração de Tobias: (3,
13) Bendito seja o teu nome, ó Deus de nossos pais, que no tempo
da aflição, perdoas os pecados aos que te invocam.

Assim Deus livra o homem do mal e da tribulação, transformando o
mal em bem, o que é o sinal da maior sabedoria, pois, com efeito,
pertence ao sábio ordenar o mal ao bem. Deus atinge este objetivo,
dando ao homem paciência nas tribulações. As outras virtudes se
servem dos bens, mas a paciência é a única que tira proveito dos
males. São eles que a fazem necessária e é por isso que sua
necessidade só aparece no meio dos males, isto é, nas adversidades.
Lemos nos Provérbios: (19, 11) A sabedoria do homem conhece-se
pela sua paciência, o que faz com que ordene o mal para o bem.

93. — É por isso que o Espírito Santo, pelo dom de Sabedoria, nos faz
dirigir este pedido ao Pai. Graças a este dom, alcançaremos a bem-
aventurança, para a qual nos ordena a paz. A paciência, com efeito,
nos assegura a paz, na adversidade. E por isso os pacíficos são
chamados filhos de Deus, pois, são semelhantes a Deus. A eles, como

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a Deus, nada pode perturbar, nem a prosperidade nem a
adversidade. Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados
filhos de Deus. (Mt 5, 9).

94. — Amém é a reafirmação geral de todos os sete pedidos da
Oração Dominical.



RESUMO

95. — Para se ter uma visão geral sobre a Oração Dominical, basta
saber que contém tudo que devemos desejar e tudo de que é preciso
fugir e evitar.

Ora, entre os bens desejáveis, o mais desejado é também o mais
amado. Por isto, no nosso primeiro pedido: santificado seja o vosso
nome, pedimos a glória de Deus.

De Deus esperais para vós mesmos, três bens.

O primeiro é a vida eterna que pedis, quando dizeis: venha a nós o
Vosso reino.

O segundo é que façais a vontade de Deus e a sua justiça, e o pedis
dizendo: seja feita a vossa vontade, assim na terra, como no céu.

O terceiro bem consiste em possuir as coisas necessárias para vossa
vida, e as pedis assim: o pão nosso de cada dia nos dai hoje.

Destes três objetos de nossos desejos que são:

— o reino de Deus ou a vida eterna;
— a vontade de Deus e sua justiça;

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— os bens necessários à vida desta terra, nos fala o Senhor dizendo:
(Mt 6, 33):

buscai o reino de Deus
e sua justiça
e o resto vos será dado por acréscimo!

A isto correspondem exatamente os três objetos de nossos desejos,
enumerados acima e solicitados no segundo, terceiro e quarto
pedidos da Oração Dominical.

Dissemos também que o Pai nosso contém tudo de que devemos fugir
e evitar. Precisamos fugir e evitar tudo que é contrário ao bem. O
bem é aquilo que antes de mais nada desejamos. São quatro os bens
que desejamos:

O primeiro é a glória de Deus. Bem ao qual nenhum mal se opõe. Diz-
nos o livro de Jó: (35, 6) Se pecares em que prejudicarás a Deus? E
se as tuas ofensas se multiplicarem, que farás tu contra Ele?
Ademais, se agires como justo, que lhe darás? Com efeito, a glória de
Deus resulta da punição do mal e da recompensa do bem.

O segundo bem, objeto de nossos desejos, é a vida eterna. Opõe-se
ao pecado, porque, pelo pecado, perdemos a vida eterna. Também
para afastar o pecado dizemos: Perdoai as nossas dívidas, assim
como nós perdoamos aos nossos devedores.

O terceiro bem consiste na justiça e nas boas obras. A tentação se
opõe a uma e às outras, pois nos impede de realizar o bem. Para
afastá-la, dizemos: e não nos deixeis cair em tentação.

O quarto bem são as coisas necessárias à nossa vida terrestre. E a
estas são contrárias as adversidades e as tentações, por isso pedimos
para removê-las: Livrai-nos do mal. AMÉM.

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A SAUDAÇAO ANGÉLICA

PRÓLOGO

1. — A saudação angélica é dividida em três partes: A primeira,
composta pelo Anjo: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo, bendita
és tu entre as mulheres. (Lc 1, 28).

A segunda é obra de Isabel, mãe de João Batista, que disse: Bendito
é o fruto do teu ventre.

A terceira parte, a Igreja acrescentou: Maria

O Anjo não disse: Ave Maria e sim, Ave, Cheia de graça. Mas este
nome de Maria, efetivamente, se harmoniza com as palavras do Anjo,
como veremos mais adiante.

AVE

2. — Na antiguidade, a aparição dos Anjos aos homens era um
acontecimento de grande importância e os homens sentiam-se
extremamente honrados em poder testemunhar sua veneração aos
Anjos.

A Sagrada Escritura louva Abraão por ter dado hospitalidade aos
Anjos e por tê-los reverenciado.

Mas um Anjo se inclinar diante de uma criatura humana, nunca se
tinha ouvido dizer antes que o Anjo tivesse saudado à Santíssima
Virgem, reverenciando-a e dizendo: Ave.


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3. — Sé na antiguidade o homem reverenciava o Anjo e o Anjo não
reverenciava o homem, é porque o Anjo é maior que o homem e o é
por três diferentes razões:

Primeiramente, o Anjo é superior ao homem por sua natureza
espiritual.

Está escrito: Dos seres espirituais Deus fez seus Anjos. (Sl 103).

4. — O homem tem uma natureza corrutível e por isso Abraão dizia a
Deus: (Gn 18, 27) Falarei a meu Senhor, eu que sou cinza e pó.

Não convém que a criatura espiritual e incorruptível renda
homenagem à criatura corruptível.

Em segundo lugar, o Anjo ultrapassa o homem por sua familiaridade
com Deus.

Com efeito, o Anjo pertence à família de Deus, mantendo-se a seus
pés. Milhares de milhares de Anjos o serviam, e dez milhares de
centenas de milhares mantinham-se em sua presença, está escrito
em Daniel (7, 10).

Mas o homem é quase estranho a Deus, como um exilado longe de
sua face pelo pecado, como diz o Salmista: (54, 8) Fugindo, afastei-
me de Deus.

Convém, pois, ao homem honrar o Anjo por causa de sua
proximidade com a majestade divina e de sua intimidade com ela.

Em terceiro lugar, o Anjo foi elevado acima do homem, pela plenitude
do esplendor da graça divina que possui. Os Anjos participam da
própria luz divina em mais perfeita plenitude. Pode-se enumerar os
soldados de Deus, diz Jó (25, 3) e haverá algum sobre quem não se

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levante a sua luz? Por isso os Anjos aparecem sempre luminosos. Mas
os homens participam também desta luz, porém com parcimônia e
como num claro-escuro.

Por conseguinte, não convinha ao Anjo inclinar-se diante do homem,
até, o dia em que apareceu urna criatura humana que sobrepujava os
Anjos por sua plenitude de graças (cf n° 5 a 10), por sua
familiaridade com Deus (cf. n° 10) e por sua dignidade.

Esta criatura humana foi a bem-aventurada Virgem Maria. Para
reconhecer esta superioridade, o Anjo lhe testemunhou sua
veneração por esta palavra: Ave.



CHEIA DE GRAÇA

5. — Primeiramente, a bem-aventurada Virgem ultrapassou todos os
Anjos por sua plenitude de graça, e para manifestar esta
preeminência o Arcanjo Gabriel inclinou-se diante dela, dizendo: cheia
de graça; o que quer dizer: a vós venero, porque me ultrapassais por
vossa plenitude de graça.

6. — Diz-se também da Bem-aventurada Virgem que é cheia de
graça, em três perspectivas:

Primeiro, sua alma possui toda a plenitude de graça. Deus dá a graça
para fazer o bem e para evitar o mal. E sob esse duplo aspecto a
Bem-aventurada Virgem possuía a graça perfeitissimamente, porque
foi ela quem melhor evitou o pecado, depois de Cristo.

O pecado ou é original ou atual; mortal ou venial.

A Virgem foi preservada do pecado original, desde o primeiro instante

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de sua concepção e permaneceu sempre isenta de pecado mortal ou
venial.

Também está escrito, no Cântico dos Cânticos: (4, 7) Tu és formosa,
amiga minha, e em ti não há mácula.

«Com exceção da Santa Virgem, diz Santo Agostinho, em seu livro
sobre a natureza e a graça; todos os santos e santas, em sua vida
terrena, diante da pergunta: «estais sem pecados?» teriam gritado a
uma só voz: «Se disséssemos: estamos sem pecado (cf. 1, Jo 1, 6),
estaríamos enganando-nos a nós mesmos e a verdade não estaria
conosco».

«A Virgem santa é a única exceção. Para honrar o Senhor, quando se
trata a respeito do pecado, não se faça nunca referência à Virgem
Santa. Sabemos que a ela foi dada uma abundância de graças maior,
para triunfar completamente do pecado. Ela mereceu conceber
Aquele que não foi manchado por nenhuma falta».

Mas o Cristo ultrapassou a Bem-aventurada Virgem. Sem dúvida, um
e outro foram concebidos e nasceram sem pecado original. Mas
Maria, contrariamente a seu Filho, lhe é submissa de direito. E se ela
foi, de fato, totalmente preservada, foi por uma graça e um privilégio
singular de Deus Todo Poderoso que é devido aos méritos de seu
Filho, Jesus Cristo, Salvador do gênero humano. (N.T.).

7. — A Virgem realizou também as obras de todas as virtudes. Os
outros santos se destacam por algumas virtudes, dentre tantas. Este
foi humilde, aquele foi casto, aquele outro, misericordioso, por isto
são apresentados como modelo para esta ou aquela determinada
virtude; como, por exemplo, se apresenta São Nicolau, como modelo
de misericórdia.

Mas a Bem-aventurada Virgem é o modelo e o exemplo de todas as

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virtudes. Nela achareis o modelo da humildade. Escutai suas
palavras: (Lc 1, 38) Eis a escrava do Senhor. E mais (Lc 1, 48): O
Senhor olhou a humildade de sua serva. Ela é também o modelo da
castidade: ela mesma confessa que não conheceu homem (cf. Lc 1,
43). Como é fácil constatar, Maria é o modelo de todas as virtudes.

A Bem-aventurada Virgem é pois cheia de graça, tanto porque faz o
bem, como porque evita o mal.

8. — Em segundo lugar, a plenitude de graça da Virgem Santa se
manifesta no reflexo da graça de sua alma, sobre sua carne e todo o
seu corpo.

Já é uma grande felicidade que os santos gozem de graça suficiente,
para a santificação de suas almas. Mas a alma da Bem-aventurada
Virgem Maria possui uma tal plenitude de graça, que esta graça de
sua alma reflete sobre sua carne, que, por sua vez, concebe o Filho
de Deus.

Porque o amor do Espírito Santo, nos diz Hugo de São Vitor, arde no
coração da Virgem com um ardor singular, Ele opera em sua carne
maravilhas tão grandes, que dela nasceu um Homem Deus, como
avisa o Anjo à Virgem santa: (Lc 1, 35) Um Filho santo nascerá de ti
e será chamado Filho de Deus.

9. — Em terceiro lugar, a Bem-aventurada Virgem é cheia de graça, a
ponto de espalhar sua plenitude de graça sobre todos os homens.

Que cada santo possua graça suficiente para a salvação de muitos
homens é coisa considerável. Mas se um santo fosse dotado de uma
graça capaz de salvar toda a humanidade, ele gozaria de uma
abundância de graça insuperável. Ora, essa plenitude de graça existe
no Cristo e na Bem-aventurada Virgem.


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Em todos os perigos, podemos obter o auxílio desta gloriosa Virgem.
Canta o esposo, no Cântico dos Cânticos: (4, 4) Teu pescoço é como
a torre de Davi, edificada com seus baluartes. Dela estão pendentes
mil escudos, quer dizer, mil remédios contra os perigos.

Também em todas as ações virtuosas podemos beneficiar-nos de sua
ajuda. Em mim há toda a esperança da vida e da virtude (Ecl 24, 25).

MARIA

10. — A Virgem, cheia de graça, ultrapassou os Anjos, por sua
plenitude de graça. E por isto é chamada Maria, que quer dizer,
«iluminada interiormente», donde se aplica a Maria o que disse
Isaias: (58, 11) O Senhor encherá tua alma de esplendores. Também
quer dizer: «iluminadora dos outros», em todo o universo; por isso,
Maria é comparada, com razão, ao sol e à lua.



O SENHOR É CONVOSCO

11. — Em segundo lugar, a Virgem ultrapassa os Anjos em sua
intimidade com o Senhor. O arcanjo Gabriel reconhece esta
superioridade, quando lhe dirige estas palavras: O Senhor é
convosco, isto é, venero-vos e confesso que estais mais próxima de
Deus do que eu mesmo estou. O Senhor está, efetivamente,
convosco.

O Senhor Pai está com Maria, pois Ele não se separa de maneira
nenhuma de seu Filho e Maria possui este Filho, como nenhuma outra
criatura, até mesmo angélica. Deus mandou dizer a Maria, pelo
Arcanjo Gabriel (Lc 1, 35) Uma criança santa nascerá de ti e será
chamada Filho de Deus.


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O Senhor está com Maria, pois repousa em seu seio. Melhor do que a
qualquer outra criatura se aplicam a Maria estas palavras de Isaias:
(12, 6) Exulta e louva, casa de Sião, porque o Grande, o Santo de
Israel está no meio de ti.

O Senhor não habita da mesma maneira com a Bem-aventurada
Virgem e com os Anjos. Deus está com Maria, como seu Filho; com os
Anjos, Deus habita como Senhor.

O Espírito Santo está em Maria, como em seu templo, onde opera. O
arcanjo lhe anunciou: (Lc 1, 35) O Espírito Santo virá sobre ti. Assim,
pois, Maria concebeu por efeito do Espírito Santo e nós a chamamos
«Templo do Senhor», «Santuário do Espírito Santo». (cf. liturgia das
festas de Nossa Senhora).

Portanto, a Bem-aventurada Virgem goza de uma intimidade com
Deus maior do que a criatura angélica.

Com ela está o Senhor Pai, o Senhor Filho, o Senhor Espírito Santo, a
Santíssima Trindade inteira. Por isso canta a Igreja: «Sois digno trono
de toda a Trindade».

É esta então a palavra mais nobre, a mais expressiva, como louvor,
que podemos dirigir à Virgem.


MARIA

12. — Portanto o Anjo reverenciou a Bem-aventurada Virgem, como
mãe do Soberano Senhor e, assim, ela mesma como Soberana. O
nome de Maria, em siríaco significa soberana, o que lhe convém
perfeitamente.

13. — Em terceiro lugar, a Virgem ultrapassou aos Anjos em pureza.

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Não só possuía em si mesma a pureza, como procurava a pureza para
os outros.

Ela foi puríssima de toda culpa, pois foi preservada do pecado original
e não cometeu nenhum pecado mortal ou venial, como também foi
livre de toda pena.



BENDITA SOIS VÓS ENTRE AS MULHERES

14. — Três maldições foram proferidas por Deus contra os homens,
por causa do pecado original.

A primeira foi contra a mulher, que traria seu filho no sofrimento e
daria à luz com dores.

Mas a Bem-aventurada Virgem não está submetida a estas penas. Ela
concebeu o Salvador sem corrupção, trouxe-o alegremente em seu
seio e o teve na alegria. A Ela se aplica a palavra de Isaias: (35, 2) A
terra germinará, exultará, cantará louvores.

15. — A segunda maldição foi pronunciada contra o homem (Gn 3,
9): Comerás o teu pão com o suor de teu rosto.

A Bem-aventurada Virgem foi isenta desta pena. Como diz o Apóstolo
(1 Cor 7, 32-34): Fiquem livres de cuidados as virgens e se ocupem
só com o Senhor.

A terceira maldição foi comum ao homem e à mulher. Em razão dela
devem ambos tornar ao pó.

A Bem-aventurada Virgem disto também foi preservada, pois foi, com
o corpo, assunta aos céus. Cremos que, depois de morta, foi

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ressuscitada e elevada ao céu. Também se lhe aplicam muito
apropriadamente as palavras do Salmo 131, 8: Levanta-te, Senhor,
entra no teu repouso; tu e a arca da tua santificação.


MARIA

A Virgem foi pois isenta de toda maldição e bendita entre as
mulheres. Ela é a única que suprime a maldição, traz a bênção e abre
as portas do paraíso.

Também lhe convém, assim, o nome de Maria, que quer dizer,
«Estrela do mar», Assim como os navegadores são conduzidos pela
estrela do mar ao porto, assim, por Maria, são os cristãos conduzidos
à Glória.


BENDITO É O FRUTO DE VOSSO VENTRE

18. — O pecador procura nas criaturas aquilo que não pode achar,
mas o justo o obtém. A riqueza dos pecadores está reservada para os
justos, dizem os Provérbios (13, 22). Assim Eva procurou o fruto,
sem achar nele a satisfação de seus desejos. A Bem-aventurada
Virgem, ao contrário, achou em seu fruto tudo o que Eva desejou.

19. — Eva, com efeito, desejou de seu fruto três coisas:

Primeiro, a deificação de Adão e dela mesma e o conhecimento do
bem e do mal, como lhe prometera falsamente o diabo: Sereis como
deuses (Gn 3, 5), disse-lhes o mentiroso. O diabo mentiu, porque ele
é mentiroso e o pai da mentira (cf. Jo 8, 44). E por ter comido do
fruto, Eva, em vez de se tornar semelhante a Deus, tornou-se
dessemelhante. Por seu pecado, afastou-se de Deus, sua salvação, e
foi expulsa do paraíso.

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A Bem-aventurada Virgem, ao contrário, achou sua deificação no
fruto de suas entranhas. Por Cristo nos unimos a Deus e nos
tornamos semelhantes a Ele. Diz-nos São João: (1 Jo 3, 2) Quando
Deus se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos
como Ele é.

20. — Em segundo lugar, Eva desejava o deleite (cf. Gn 3, 6), mas
não o encontrou no fruto e imediatamente conheceu que estava nua e
a dor entrou em sua vida.

No fruto da Virgem, ao contrário, encontramos a suavidade e a
salvação. Quem come minha carne tem a vida eterna (Jo 6, 55).

21. — Enfim, o fruto de Eva era sedutor no aspecto, mas quão mais
belo é o fruto da Virgem que os próprios Anjos desejam contemplar
(cf. 1 Pe 1, 12). É o mais belo dos filhos dos homens (Sl 44, 3),
porque é o esplendor da glória de seu Pai (Heb 1, 3) como diz S.
Paulo.

Portanto, Eva não pôde achar em seu fruto o que também nenhum
pecador achará em seu pecado.

Acharemos, no entanto, tudo o que desejamos no fruto da Virgem.
Busquemo-lo.

22. — O fruto da Virgem Maria é bendito por Deus, que de tal forma
encheu-o de graças que sua simples vinda já nos faz render
homenagem a Deus. Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo que nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo,
declara São Paulo (Ef 1, 3).

O fruto da Virgem é bendito pelos Anjos. O Apocalipse (7, 11) nos
mostra os Anjos caindo com a face por terra e adorando o Cristo com

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seus cantos: O louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a
honra, o poder e a força ao nosso Deus pelos séculos dos séculos.
Amém.

O fruto de Maria é também bendito pelos homens: Toda a língua
confesse que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Pai, nos diz
o Apóstolo (Fp 2, 11). E o Salmista (Sl 117, 26) o saúda assim:
Bendito o que vem em nome do Senhor.

Assim, pois, a Virgem é bendita, porém, bem mais ainda, é o seu
fruto.