8 de abr. de 2005

QUESTÕES SOBRE MARIA

Nossa Senhora era filha única?                                                      (Angelina Lima – Santa Cruz/RJ.)

            Provavelmente, sim. O proto-evangelho de Tiago, um documento apócrifo (não reconhecido como inspirado por Deus), traz os nomes dos pais de Nossa Senhora, Joaquim e Ana, e diz que Ana era estéril, tendo concebido por um favor especial de Deus, fato comum na geração das mais importantes figuras bíblicas, e que simboliza a total soberania e iniciativa de Deus na condução da história do seu povo. Nesses casos, geralmente, a gravidez é única. O mesmo documento diz que Maria foi consagrada a Deus e educada no templo a partir dos três anos de idade.

Se Nossa Senhora nasceu sem o pecado original, logicamente ela deve ter ficado isenta das dores do parto, que foram impostas à mulher como conseqüência do seu pecado por ter comido o fruto da árvore da Ciência do Bem e do Mal (Gen 3,16). Se isso é uma verdade, por que, no terço do Pe. José Maria, transmitido diariamente pela TV Século 21, na representação que fazem no mistério do nascimento de Cristo, a artista que representa Nossa Senhora aparece deitada, contorcendo-se de dores no parto de Jesus?                               
          (Marcello de Azevedo Penna Chaves – Campinas/SP.)

            De fato, sendo todas as dores humanas uma conseqüência do pecado, é mais do que lógico acreditar que a Mãe de Deus não experimentou as dores do parto, uma vez que foi concebida sem pecado, e também devido à natureza sobrenatural da concepção e do parto de Jesus.
            É verdade que a doutrina católica nada estabelece sobre esse pormenor. Afirma, entretanto, a virgindade perpétua de Nossa Senhora, antes, depois e também durante o parto de Jesus. E, se não houve mutilação física, provavelmente também não houve dor. É o que sempre professou a Tradição. São João Damasceno, por exemplo, escreveu (por volta do ano 730): “Assim como ela deu à luz sem dor, também sua morte esteve isenta de dores.” (Homilia da Natividade de Maria, 3).
            Entretanto, o parto virginal, por si só, não prova a ausência de dores. A dor nem sempre é uma conseqüência do pecado, pode ser também um ato de amor a Deus ou de oblação em favor dos irmãos, como no caso dos sofrimentos de Jesus e dos santos mártires. O “castigo” das dores de parto imposto à mulher como conseqüência do pecado original é apenas uma figura, significando que neste mundo não existe felicidade plena ou isenta de sofrimentos, mas que estes são a oportunidade que Deus nos dá para nosso aperfeiçoamento e conversão, para que um dia cheguemos ao estado de vida plena junto de Deus. Significa também que a vida sempre brota da morte, da dor, do dom de outra vida, como Jesus mostrou no Calvário e na imagem da semente que precisa morrer, para dar frutos.
            O fato é que não se pode dizer que seja um erro teológico representar Maria em dores de parto, já que não há definições doutrinárias concretas a esse respeito, apenas suposições.
            Em minha opinião, é muito mais edificante e respeitoso acreditar na ausência de dores. Mais ainda, não vejo necessidade alguma de examinar essa questão, nem de recorrer a esse tipo de apelação para representar o mistério do nascimento de Jesus. A mídia, porém – especialmente em nossos tempos – gosta de imagens fortes, que impressionem, que choquem até. Nota-se a tendência a um realismo extremo, muitas vezes caricatural. E essa tendência contamina também a mídia católica, que talvez acredite que uma cena mais “marcante” agradará mais. O que pode até ser verdade, no caso do público mais jovem.
            Diante de tais coisas, só nos resta ter paciência e rezar, entregando a Deus nossa perplexidade e pedindo-lhe que, apesar de tudo, as pessoas continuem podendo encontrar e seguir o caminho que leva ao céu. Afinal, é isso o que importa. Tenhamos confiança mesmo em meio às tempestades, cientes de que o Espírito Santo jamais abandonará a Igreja de Cristo.
                                                                                                                             
Depois do nascimento de Cristo, Maria levou as duas ofertas que a lei mandava, a oferta queimada e a oferta pelo pecado (Lc 2,22-24 e Lv 12, 6-8). Mas, se Maria não tinha pecado, para que levar as ofertas?                                          (Guilherme Viegas Reis – Belo Horizonte/MG.)

            Para cumprir a lei, como boa judia que era. Jesus também não tinha pecado, e apesar disso quis receber o batismo de conversão ministrado por João Batista. Foi circuncidado e consagrado a Deus como todo primogênito, e participava de bom grado, com sua família, de todos os ritos judaicos de purificação, pois quis ser em tudo semelhante aos homens, exceto no pecado. Ele não tinha pecado, mas assumiu sobre si os pecados de todos os homens, a ponto de imolar-se em sacrifício por eles. Diante disso, por que estranhar que sua Mãe se unisse a ele na humildade e na obediência? Se o Criador e Senhor se faz servo, assumindo totalmente a condição humana, dentro da cultura de seu povo, e se ainda por cima se deixa tratar como o pior do pecadores, como poderia sua mãe agir de outra forma? Além disso, ela provavelmente não sabia que tinha sido preservada do pecado. Foi dócil instrumento aos planos de Deus sem ter consciência da própria grandeza, como sempre acontece aos santos.

Por que a ressurreição de Maria não consta na Bíblia? É verdade que existe o Evangelho de Maria, à parte?                                                                                  (Pedro Heitor – Espera Feliz/MG.)

            A finalidade dos Evangelhos não é falar de Maria, e sim de Jesus e de seus ensinamentos, que são o fundamento da doutrina da Igreja. O que se fala de Maria, ali, é somente aquilo que está diretamente relacionado com Jesus. Já os demais livros do Novo Testamento documentam a pregação dos apóstolos, com a formação das primeiras comunidades. A exaltação de Maria por Deus e seu papel de medianeira e de mãe da Igreja só começou a ser compreendido mais tarde, quando o Novo Testamento já estava encerrado. Logo se difundiu a crença de que Maria foi levada ao céu em corpo e alma, antecipando a ressurreição que nos aguarda a todos. Por não ter sido contaminada com o pecado, ela também não teria sofrido a conseqüência do pecado, que é a deterioração do corpo após a morte. O Dogma da Assunção Corporal de Maria foi definido oficialmente em 1950, pelo Papa Pio XII. Sua assunção difere da ascensão de Jesus porque este subiu ao céu por seus próprios meios, enquanto Maria foi levada por Deus (as representações artísticas a mostram carregada por anjos). O dogma não define se Maria chegou a experimentar a morte, ou se passou ainda em vida para a glória celeste. Essa questão permanece em aberto. A maioria dos teólogos acha que, se Jesus passou pela morte, também Maria não poderia deixar de fazê-lo. É certo, porém, que seu corpo não sofreu a corrupção, e que ela já está na glória em corpo e alma, diferentemente dos demais seres humanos, cujo corpo só ressuscitará no fim dos tempos.
            Existe um documento apócrifo chamado Evangelho de Maria, assim como há outros (de Tomé, de Tiago, etc.). São documentos antigos que contêm narrativas mais ou menos contemporâneas aos quatro evangelhos, e que podem conter informações verídicas, mas que a Igreja não reconhece como inspirados por Deus. Não se pode garantir a autenticidade de seu conteúdo. Ao lado de fatos verídicos, eles podem conter outros que não passam de fantasia. Tais documentos não são considerados matéria de fé.

Há em minha cidade uma antiga igreja barroca dedicada a Nossa Senhora da Boa Morte. Quando essa igreja tornou-se sede de uma paróquia, esta passou a chamar-se “paróquia da Assunção”, porque o pároco afirma que Nossa Senhora não morreu, sendo elevada aos céus em corpo e alma sem passar pela morte. Muitos têm dificuldade para aceitar essa idéia, habituados que já estão com a tradição da morte e ressurreição de Nossa Senhora, antes de sua assunção, havendo inclusive a “Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte”. Penso que qualquer uma das duas hipóteses pode ser aceita pelos católicos, mas gostaria de saber qual a doutrina mais aceita pela Igreja a esse respeito.        (Clodoaldo Dantas Mota – Barbacena/MG.)
           
            Realmente, qualquer das duas hipóteses pode ser igualmente aceita, porque a Igreja não define essa questão, mas a deixa “em aberto”. A doutrina afirma apenas que, “terminado o curso de sua vida terrestre”, Nossa Senhora foi elevada ao céu em corpo e alma, ou seja, é a única pessoa, além de Jesus, que já passou pela “ressurreição da carne”, por sua dignidade especial de mãe de Deus. É legítimo acreditar que, mesmo não estando sujeita à lei da morte por ter nascido sem o pecado original, ela experimentou a morte para solidarizar-se com seu divino Filho também nesse aspecto. Creio que essa é a hipótese mais aceita, mas não se pode afirmar com certeza nem uma, nem outra. O pároco pode ter a sua crença a esse respeito conforme preferir, mas não a pode impor aos seus paroquianos como sendo doutrina da Igreja, porque a Igreja não se pronuncia sobre esse aspecto. Da mesma forma, os confrades de Nossa Senhora da Boa Morte têm todo o direito de dar continuidade a seu culto e suas tradições, mas não podem afirmar que o pároco está errado. Para não prejudicar a unidade da paróquia, seria bom que se conseguisse chegar a um acordo.
            Podemos também invocar Nossa Senhora da Boa Morte com vistas à nossa própria morte, como aquela que nos pode assistir e interceder por nós “agora e na hora de nossa morte”, como dizemos na Ave-Maria. Ou seja, ela pode ser chamada “Nossa Senhora da Boa Morte” mesmo que não tenha morrido, porque nós, certamente, morreremos... e sabemos que ela, como boa Mãe, não deixará de estar ao nosso lado nessa hora difícil e decisiva.
           
                                                                                                                           Margarida Hulshof

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