21 de jul. de 2011

Porque a “ditadura do relativismo” é hostil à verdade da fé cristã?


Átila Amaral Brilhante

Durante a missa celebrada no início do último conclave, o então cardeal Joseph
Ratzinger pronunciou uma homilia centrada na preocupação de conclamar os presentes
– em especial os membros do colégio cardinalício – a buscarem uma fé madura, a
qual, segundo ele, pressupõe uma profunda amizade com Nosso Senhor Jesus Cristo
e implica uma postura de resistência ao que denominou de ‘ditadura do relativismo’,
isto é, resistência à preponderância de uma mentalidade que não reconhece referências
objetivas de aferição da moralidade e adota o ‘eu’ e seus apetites como critérios
supremos.

Os ecos da homilia do cardeal Joseph Ratzinger perpassaram a cobertura dada pela
imprensa ao conclave e suscitaram reações as mais diversas nos meios católicos e fora
deles. Prevaleceu, contudo, nos círculos intelectuais do ocidente, a percepção de que o
então decano do colégio cardinalício cometera erro gravíssimo ao ver na ‘ditadura do
relativismo’ uma ameaça ao mundo contemporâneo, quando o fundamentalismo é que
deveria ser objeto de suas preocupações.
Alguns dos críticos do cardeal defenderam
mesmo que, à medida que invalida as certezas que dão lastro à postura fundamentalista,
o relativismo favorece a convivência democrática, o que torna sem sentido a própria
expressão ‘ditadura do relativismo’.

Subjazem ao debate acerca da ‘ditadura do relativismo’ visões muito diferentes
acerca do grau de influência que a fé e a moral cristã devem ter na vida das sociedades.
O relativismo cultural ocidental fomenta um tipo de mentalidade que é, em grande
medida, refratária ao anúncio cristão e representa um complexo desafio a qualquer
esforço de evangelização, mesmo em países com longa tradição cristã; enquanto, em
parte da Ásia e da África, a difusão do cristianismo é obstaculizada por governos e
grupos religiosos intolerantes que, na prática, ignoram a liberdade de culto, dificultam
a recepção de missionários e, quando não fomentam, ficam omissos diante de ações
persecutórias praticadas contra os cristãos.
A luta contra a ‘ditadura do relativismo’ faz
parte de um esforço de preservação do legado cultural do cristianismo em sociedades
cujas instituições sociais cada vez mais dele se distanciam.
A partir do século XV, desencadeou-se um amplo e complexo processo de
modificação das instituições políticas, educacionais, econômicas e religiosas da Europa,
o qual criou condições para a formulação teórica e, posteriormente, para a expressão
social do ‘indivíduo’ como um soberano ‘choice-maker’ que, livre das amarras
das tradições, determina a sua vida com base em critérios por ele mesmo forjados.
Já no século dezenove, Tocqueville percebeu que, solitário diante de um estado
crescentemente concentrador de poder, tal indivíduo poderia facilmente converter-se em
vítima de experiências coletivistas. Nada impediu, entretanto, que o soberano ‘fazedor-
de-escolhas’, que se compreende como medida de todas as coisas, passasse a ser a
principal referência de conduta para a maioria dos ocidentais da contemporaneidade,
o que só foi possível com a entronização da visão de que a moralidade é o reino das
preferências e dos sentimentos. Em razão disso, o ilustrado ‘fazedor-de-escolhas’
tende a colocar a satisfação dos seus apetites acima dos grandes ideais – sejam eles
terrenos ou sobrenaturais, pois a busca destes pressupõe um espírito de auto-sacrifício
e persistência que ele simplesmente não tem. Agitado por ventos que sopram em todas
as direções, ele não sabe exatamente para onde seguir, mas espera da família, quando
a tem; de Deus, quando crê e da sociedade, quando a leva em consideração, tudo o que
possa satisfazer as suas preferências.

Uma cultura edificada sobre o primado dos sentimentos tende a favorecer o culto
da novidade e ser hostil a todas as práticas e instituições que representem algum tipo de
entrave à busca desenfreada de satisfação das demandas dos indivíduos. É no contexto
de tal hostilidade que se situam as declarações do hoje Papa Bento XVI.
O avanço do
relativismo moral implica a remoção do que resta de influência cristã nas legislações e
nas práticas sociais do Ocidente, o qual, distanciado do legado cristão e da
espiritualidade a ele associada, caminha para desintegração por força de uma radical
falta de coesão interna e de fortes pressões externas. Esta afirmação não traduz uma
rejeição à democracia, mas expressa a compreensão de que o relativismo moral do
Ocidente prenuncia um niilismo cultural capaz de inviabilizar os consensos mais
básicos, sem os quais sociedade alguma mantém as suas conquistas.
São Bento de
Núrsia e os monges que o seguiram contribuíram sobremaneira para, depois da
derrocada do império romano do Ocidente, preservar o legado do mundo clássico,
evangelizar os bárbaros e fomentar o interesse pela cultura no mundo cristão. Mas
enquanto São Bento trabalhou sobre os escombros de um império derrotado, o Papa
Bento XVI se esforça para evitar precisamente a derrocada de um Ocidente que insiste
em renegar a herança histórica sobre a qual edificou a sua grandeza. Assim, a
preocupação do atual Papa com a ‘ditadura do relativismo’ manifesta, a um só tempo,
um cuidado para com a salvação das almas e uma inquietação com o estado do mundo
atual.

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